Lúcio Lambranho
Os 174 trabalhadores de uma carvoaria no oeste da Bahia aguardam, em
condições degradantes, o cumprimento de uma decisão judicial tomada na semana
passada. Os carvoreiros foram encontrados no dia 27 de maio pelo grupo móvel de
combate ao trabalho escravo do governo federal. As empresas responsáveis pela
exploração irregular de mão-de-obra se recusam a pagar cerca de R$ 460 mil em
indenizações e salários.
As condições consideradas análogas à escravidão foram flagradas na Fazenda
Jaborandi II, uma propriedade de mais de 36 mil hectares localizada no município
do mesmo nome, próxima à divisa com Goiás. A operação do governo foi prorrogada
até que as empresas paguem o que devem aos trabalhadores.
Ação do grupo móvel, integrado por auditores do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), com apoio da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público do
Trabalho (MPT), identificou no local as três condições que caracterizam o
trabalho escravo: alojamentos e fornecimento de comida e água precários e sem
higiene, restrição de liberdade devido ao isolamento da fazenda, combinado com
trabalho contínuo em finais de semana e feriados, e a servidão por dívidas.
Segundo o MPT, os trabalhadores foram aliciados para o trabalho por “gatos”,
nome dado aos intermediários desse tipo de mão-de-obra, e não tinham carteira de
trabalho assinada. Estavam sem receber salários, viviam em instalações
precárias, sem equipamentos de proteção e mantinham dívidas com itens básicos de
sobrevivência “anotadas no caderninho”.
Para comer, os
trabalhadores eram obrigados a adquirir produtos nas “cantinas” da fazenda, com
ágio mínimo de 30% em relação ao preço de mercado. As três mulheres cozinheiras
tinham de usar como banheiro um cercado de plástico no meio do acampamento.
Os carvoeiros, aliciados em Goiás, Minas Gerais e Piauí, abasteciam 450
fornos em jornadas de até 9 horas por dia. Segundo os fiscais, a jornada deveria
ser de no máximo 8 horas, desde que os trabalhadores tivessem equipamentos de
proteção, principalmente máscaras e botas para se protegerem da fumaça e do
calor das três baterias de fornos. Os alojamentos, quando não eram improvisados
com lonas, ficavam próximos das baterias de carvão. Como isso, a fumaça invadia
constantemente os dormitórios, segundo o relato dos trabalhadores ouvidos pelos
fiscais.
Trabalhadores escondidos
O impasse fez com que o MPT pedisse à Justiça o bloqueio de R$ 366.271,11,
referentes a dívida trabalhista de 154 trabalhadores, das contas das empresas
Rotavi e Carvovale, ambas responsáveis pela exploração do carvão. A ação foi
deferida, ainda na última quinta-feira (4), em liminar dada pela Vara do
Trabalho de Bom Jesus da Lapa (BA).
Enquanto o procurador do MPT, Lúciano Leivas, tratava da ação, os fiscais do
MTE e os policiais federais encontraram mais 20 trabalhadores da carvoaria
escondidos pelos “gatos” em acampamentos improvisados no meio do mato.
A descoberta desses trabalhadores, que ainda não tinham sido identificados,
fez com que a polêmica ficasse ainda maior, pois as empresas não reconhecem
esses outros 20 carvoerios e os fiscais exigem que o pagamento seja aumentado
para R$ 460 mil, contemplando todos os trabalhadores encontrados na fazenda, uma
área com mais de 36 mil hectares. “Esse é um dos motivos da controvérsia com os
representantes das empresas que se apresentaram até agora no local. Eles não
reconhecem a situação encontrada pelo grupo móvel e têm feito uma negociação
totalmente desleal desde o início da operação”, diz Luciano Leivas.
Ainda segundo o representante do MPT, impasses como esse são incomuns nas
operações do grupo móvel. “Falo pela experência institucional do grupo móvel, já
que essa é a minha primeira participação nessas operações. Aconteceram operações
com mais de 40 dias, no meio da selva amazônica e em condições de
deslocamento para o pagamento dos trabalhadores muito difíceis”, explica o
procurador do MPT.
Tentativa de dispersão
No terceiro dia da operação do grupo móvel, os “gatos” tentaram dispersar os
trabalhadores sob a ameaça de que não abasteceriam mais os alojamentos com
comida caso os carvoeiros não aceitassem ir embora. Segundo o relatório do
procurador do MPT, os “gatos” “dirigiram-se aos trabalhadores das três
baterias de fornos e inciaram processo de coação para que eles deixassem o
local. “Também se constatou a interrupção da alimentação dos trabalhadores
visando ao mesmo fim”, ressaltam os procuradores.
Para conter a ação dos “gatos”, os policiais federais tiverem de reprimir a
operação e saíram em perseguição aos aliciadores. “Como os aliciadores conhecem
bem a região, os policiais não conseguiram capturá-los”, relembra Luciano
Leivas. O caso também é narrado por um dos trabalhadores em seu depoimento.
Reginal Mendes Pereira disse que “Careca”, apelido de um dos aliciadores, reuniu
os trabalhadores de Minas Gerais, “combinando dar um adiantamento de R$ 200,00,
e que fossem embora para Minas, tendo afirmado o empregador, que depois a
“firma” acertaria os demais direitos”.
Segundo o procurador, a tentativa de dispersão e os 20 trabalhadores
encontrados após a ação do grupo móvel foram os fatos que motivaram a entrada da
ação cautelar na Justiça do Trabalho. “Conversamos com três advogados nesse
período de dez dias. Dois da Carvovale e um da Rotavi, que até agora não
resolveram o problema”, diz o procurador.
Durante as negociações, os advogados das empresas também tentaram repassar a
responsabilidade da contração e condições ilegais dos trabalhadores para os dois
“gatos”, Jorge Klassen, conhecido como Jorginho, e José Geraldo, o Careca.
“Nunca existiu qualquer contrato formal de terceirização entre a empresa criada
pelos aliciadores, a J.J, e as empresas que exploravam economicamente a área”,
ressalta o representante do MPT.
Capital de R$ 70 milhões
Para Luciano Leivas, a capacidade econômica das duas empresas, com R$ 70
milhões de capital, é incompatível com as péssimas condições de trabalho a que
submete seus trabalhadores. A Rotavi Componentes Automotivos Ltda. é fabricante
de ferro-ligas e ligas à base de silício e magnésio, como produtos de ferro
silício, inoculantes, ligas de magnésio e briquetes de carbureto de silício. A
empresa usa o carvão vegetal como combustível na fabricação das ligas.
O Grupo Rotavi, segundo MPT, tem como principal mercado a fundição automotiva
e também mantém atividades
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