Ficou para a próxima semana a votação do projeto de lei (PL 4860/2016) que regulamenta o transporte rodoviário de cargas (confira os principais pontos abaixo), apelidado de “marco regulatório dos caminhoneiros“. Incluída na pauta da Câmara nesta quarta-feira (6), a matéria divide bancadas estaduais acerca das diversas emendas apresentadas ao texto original, de autoria da deputada Christiane Yared (PR-PR). A parlamentar disse ao Congresso em Foco que uma delas se refere a normas sobre o descanso de motoristas, que corria o risco de ser modificado em plenário. Mas questões como a anistia a multas aplicadas aos condutores durante a greve, tema retirado da matéria e a ser retomado em medida provisória, também prejudicam a obtenção de acordo. O texto será votado na próxima terça-feira (12).
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Christiane ainda esperava a votação da matéria para esta quarta-feira. Ela disse não abrir mão dos direitos dos caminhoneiros durante o período de descanso em transporte de cargas, e que vai pedir a manutenção do texto original. “Isso é muito sério. Para nós, é primordial que esse ponto não seja retirado”, afirmou a deputada.
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Ela se refere às regras de contratação de seguro para cobrir danos acidentais à carga transportada, algo atualmente obrigatório. O mesmo vale para os casos de assalto, roubo ou furto do carregamento, bem como para prejuízos causados a terceiros. Mas a atual legislação é omissa ao não deixar claro se a contratação do seguro cabe ao proprietário da carga ou ao caminhoneiro. Por isso, o projeto confere ao transportador a responsabilidade pela contratação do seguro, cabendo ao contratante do serviço o custeio dos seguros adicionais.
PublicidadeAo atribuir ao transportador a responsabilidade pela contratação do seguro, o projeto visa integrá-lo no processo de elaboração do Plano de Gerenciamento de Risco (PGR) junto às seguradoras do setor. Hoje, o PGR é integralmente elaborado por transportadoras e dá margem, por exemplo, à seguinte situação: caso um condutor seja roubado ao parar para dormir em um ponto de descanso que não esteja no plano, caberá a ele arcar com o prejuízo. A deputada quer evitar justamente que isso aconteça, e que as empresas se responsabilizem pelo custo.
Anistia
Chamado de “marco regulatório dos caminhoneiros”, o PL foi pinçado dos arquivos do Congresso justamente para ajudar no enfrentamento da crise do transporte de cargas, mas tem causado atritos entre parlamentares, donos de transportadora e condutores autônomos, que veem na matéria um instrumento de retirada de direitos. Representantes dos caminhoneiros disseram ao Congresso em Foco que, além de atingir direitos, o PL foi concebido sob medida para beneficiar os patrões – neste sentido, lembram que o primeiro acordo com o governo, no calor da paralisação nacional, foi assinado por oito entidades, sete das quais representantes do patronato.
O relator da proposição, Nelson Marquezelli (PTB-SP) disse ontem (terça, 5) à reportagem que o texto não prejudica trabalhadores e não favorece apenas empregadores. Hoje, enquanto a Câmara se reúne em plenário para votar assuntos secundários da pauta, Marquezelli confirmou que será retirado do texto o dispositivo sobre anistia – tema que, aliás, foi inserido pelo relator como demanda de caminhoneiros, de carona no estágio avançado de tramitação do projeto de Cristiane Yared.
Para Marquezelli, bancadas estaduais apresentam divergências sobre o relatório, de maneira que o texto será votado apenas na próxima semana. “Há uma divisão de estados e municípios que está enroscada [na discussão] em plenário. Se não votar hoje, vota terça”, vislumbrou o deputado, para quem “dificilmente” o texto vai a voto ainda na noite desta quarta-feira. O parlamentar negou que a questão da anistia, que enfrente resistências dentro e fora da Câmara, teve peso no provável adiamento da votação. “Não. Nós tiramos [do projeto] e vai ser incluído em uma medida provisória”, acrescentou.
No texto original do relatório, o termo “anistia” estava explicitamente registrado, mas uma reunião com representantes do setor fez o relator mudar de ideia. Assim, ficou acertado que as multas e sanções seriam convertidas em advertências, desde que haja justificativa para a conversão. Mas autoridades direta ou indiretamente ligadas à tramitação do projeto já demonstraram objeção à proposta de anistia.
Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) diz que perdão de multas é algo a ser encarado com cuidado e, além disso, o assunto deveria ser discutido por meio das três medidas provisórias editadas pelo presidente Michel Temer (MDB) no âmbito do acordo com os caminhoneiros. O deputado alega que, por meio das MPs, há mais tempo para o debate.
Advogada-geral da União, Grace Mendonça já avisou não cabe anistia para as multas. Ela argumenta que, por se tratarem de punições processuais em razão de descumprimento de decisão judicial, as penalidades são impositivas e não recorríveis, pois não têm natureza administrativa (como multas de trânsito, por exemplo) e foram impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Grace foi quem acionou o STF para aplicar multas a corporações envolvidas na greve (crime de locaute) e diz que, uma vez aprovada, a anistia incorrerá em inconstitucionalidade por desrespeito à independência entre Poderes.
O relatório de Marquezelli também modificado o artigo que amplia o limite de pontos, de 20 para 40, a quem caminhoneiros têm direito na carteira de habilitação. Também são beneficiados no relatório os demais motoristas (van, táxis, motoboys). Mas a mudança só vai valer, esclarece Marquezelli, para condutores sem infrações graves ou gravíssimas.
Objeção
Por volta das 21h30, 455 deputados marcavam presença no painel de votações, e 478 estavam em dependências da Câmara. O número de comparecimento, considerado alto para efeitos de votação, costuma ser reduzido à medida que avançam as horas. Além disso, o projeto não é de interesse do governo, o que reduz suas chances de aprovação em caráter prioritário.
Se dependesse do presidente da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), José Araújo Silva, o projeto sequer seria votado da matéria com que foi levado ao plenário. Representante de milhares de caminhoneiros autônomos, ele disse ao Congresso em Foco que, de acordo com o que viu nas movimentações da Câmara, o relator tem encontrado mais dificuldade do que esperava.
“Marquezelli ficou para cima e para baixo pegando deputado [na Câmara] para votar. Era para votar ontem [terça, 5] e creio que não vai votar hoje. Só tem eu, por incrível que pareça, contra esse projeto de lei. É brincadeira”, reclamou o dirigente, talvez equivocado quanto à rejeição da matéria por parte de outros grupos de caminhoneiros.
Como este site mostrou ontem, o líder do Movimento Caminhoneiros por um Brasil Melhor, Wallace Landim, tem circulado pela Câmara e distribuído a quem solicita uma “pauta de reivindicações” com data da última segunda-feira (4) contendo nove pontos. Sem muita esperança no Congresso, ele reclama também do governo Temer por não ter recebido seu grupo – que, garante, estuda estratégias para se fazer ouvido mesmo depois do acordo firmado na semana passada entre Executivo e representantes da categoria. Ele diz lutar pelo litro da gasolina a R$ 3,15 e do diesel a R$ 3.
“A gente continua lutando. Há uma esperança de o governo pegar a nossa pauta de reivindicação. Que ele possa entender que não está atendendo só a categoria do transporte rodoviário, mas toda a população. Não se conversa com os representantes das categorias, e sim com os dos sindicatos. Claro, tem muita coisa que o governo já deu”, disse Wallace, citando conquistas como a isenção de pedágio para veículos sem carga e a ampliação do número máximo de pontuação de multas na Carteira Nacional de Habilitação. Ele lembrou ainda que parlamentares lhe prometeram manter os termos do acordo, via medidas provisórias, pelo prazo máximo de tramitação e vigência delas, 120 dias. “Mas e depois disso?”
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