Relator da Comissão Especial do Estatuto da Igualdade Racial na Câmara, o deputado Antônio Roberto (PV-MG) admitiu na terça-feira (20), durante o programa Expressão Nacional, da TV Câmara, que deve alterar a proposta já aprovada no Senado. Isso significa que o projeto, que institucionaliza a política de cotas raciais, voltará a ser examinado pelos senadores, uma frustração para quem tinha esperanças de que o conjunto de leis entrasse em vigor até 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, depois de uma espera de dez anos.
Edson Santos, ministro-chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, também estava presente e concordou. “Tem que mudar”, disse. O ministro atende assim à reivindicação de quem considera o Estatuto pouco impositivo, uma polêmica que tem aumentado desde que o Supremo Tribunal Federal começou a julgar dois processos que questionam o critério de cotas raciais do ProUni, o programa do governo que troca incentivos fiscais por bolsas de estudo de estudantes pobres nas faculdades particulares.
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E não é o único questionamento do sistema de cotas, iniciado há pouco mais de cinco anos por diversas universidades públicas.
Na Câmara, um projeto que institucionaliza as cotas com esses moldes está pronto para ser votado, mas enfrenta forte oposição de diversos setores. Há duas semanas, um grupo de 113 intelectuais entregou um abaixo-assinado no STF contra o critério racial. Entre as assinaturas, nomes como Caetano Veloso, João Ubaldo Ribeiro, Ferreira Gullar e a ex-primeira-dama Ruth Cardoso. O argumento: a imposição de cotas levaria ao ódio racial no Brasil e não resolveria o problema da desigualdade entre brancos e negros.
Muita gente é adepto da tese. E não só no Brasil. No livro “Ação afirmativa ao redor do Mundo”, o economista americano Thomas Sowell afirma que as cotas garantem acesso somente a grupos que já estavam longe da miséria. “Para garantir a melhora social, é infinitamente melhor providenciar um ensino básico sólido para todos”, disse. Sowell é negro, nascido no Harlem.
A discussão na TV Câmara gerou em torno desse argumento, que se refletiu até nas dezenas de perguntas que chegaram durante o programa, vindas de todo o país. Percebe-se, pelo tom de algumas delas, uma forte reação daqueles que se sentem prejudicados por não se enquadrarem no sistema de cotas e serem obrigados a disputar vagas em desigualdade de condições, mesmo sendo pobres.
No debate, essa posição foi defendida pela procuradora do Distrito Federal Roberta Kaufmann, uma das signatárias do manifesto enviado ao Supremo. “A desigualdade atual não é provocada pela raça, mas pelas condições sociais a econômicas. O sistema de cotas propõe um racismo e é inconstitucional”, disse.
Do lado contrário, além de Edson Santos, estava o promotor Almiro Sena, da Promotoria de Combate ao Racismo do Ministério Público da Bahia. Sena é estudioso da legislação brasileira referente aos negros desde o Brasil colônia. E defendeu a tese do ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo que questiona as cotas no STF: “A verdadeira igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”. Britto é a favor das cotas e o processo encontra-se atualmente nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, que é negro. Como Sena. E como Edson Santos.
Apesar de estar mais adiantado no que diz respeito à tramitação, o projeto que estabelece as cotas raciais-sociais não é a prioridade número um da Secretaria da Igualdade Racial. “Nossa prioridade é o Estatuto, que é mais amplo”, disse o ministro. No lugar de cotas para alunos de escolas públicas, subdivididas por critérios étnicos, o Estatuto fixa em 20% as cotas para negros nas universidades públicas e até nos programas de TV. E, entre outras medidas, como a de liberdade religiosa, institui o ensino da disciplina “História da África e do negro no Brasil” nas escolas. Uma das mudanças que a Câmara deve fazer no texto é ressuscitar o fundo derrubado no Senado e destinado a financiar as políticas afirmativas.
No Congresso e na Justiça, o movimento pelas cotas ganha corpo e provoca reação igual e contrária.
O programa sobre as cotas raciais será reprisado sexta (23), às 4h e às 11h30; sábado (24), às 12h; domingo (25), às 9h30; e segunda (26), às 6h e às 10h.
Na próxima terça-feira (27), às 22h, o Expressão Nacional vai debater ao vivo a questão amazônica: os recentes questionamentos a respeito da soberania brasileira na região e o dilema ambiental. Sugestões e perguntas podem ser enviadas pelo email expressaonacional@camara.gov.br ou pelo telefone gratuito 0800-619619.
Artigo publicado em 22/05/2008. Última atualização em 12/08/2008.
*Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional.
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