Em agosto de 2016 o país recebeu do Poder Executivo, constituído pelo processo de impeachment a partir de maio do mesmo ano, uma proposta de emenda constitucional, a PEC 241, que sugeria a realização de uma política de controle de gastos primários por vinte anos. O objetivo definido na exposição de motivos que acompanhou a PEC seria, através de um programa de ajuste fiscal, assegurar a sustentabilidade da dívida pública nas contas nacionais. A proposta foi aprovada na Câmara e no Senado e suas regras estão em vigor para os próximos vinte anos, através da Emenda Constitucional 95.
Durante a tramitação da PEC diversos especialistas e pesquisadores das finanças públicas e da macroeconomia apontaram inúmeras falhas na proposição. A principal delas era que a PEC não tratava de forma transparente os dois lados de qualquer situação de desequilíbrio fiscal, quais sejam, a composição e variação das receitas, a natureza e evolução das despesas e seu significado para a produção do deficit ou desequilíbrio fiscal das contas nacionais. Ao mesmo tempo foi enfatizado que políticas que abrem mão das receitas, através de desonerações fiscais, deveriam também ser reavaliadas, o que não aconteceu com a PEC.
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Neste sentido, as notícias reveladas nos últimos dias, relacionadas com as investigações da Operação Lava Jato, realizadas em parceria com a Receita Federal, apontam que empresas sob investigação de corrupção seriam responsáveis ainda por montantes entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões de dívidas de impostos e contribuições. Ao lado disso, a Receita Federal revelou haver ao final de 2016 um estoque superior a R$ 1,5 trilhão de reais na dívida ativa tributária.
Tais dados, somados às expectativas de desvios de mais de R$ 100 bilhões com a corrupção na Petrobras e em outras estatais investigadas pela Lava Jato, revelam um agressivo e longo processo de assalto ao estado, organizado no meio empresarial. Com forte amparo político, dadas as condições de financiamento de campanhas eleitorais e partidos, essa máquina buscou também comprar mandatos parlamentares, por anos e anos, para que atuassem a seu favor no Congresso Nacional. Diante disso, questiono se o estado é vítima desses assaltos ou sócio dessas empreitadas? A quem o mesmo deve servir numa sociedade constituída em estado democrático de direito?
A progressiva privatização das funções da maioria dos partidos e bancadas parlamentares visa, necessariamente, à promoção dos interesses empresariais capitalistas junto ao aparelho de estado, com a nomeação de ministros, presidente de bancos centrais, secretários de ministérios e dirigentes de agências reguladoras para que tomem decisões a seu favor, embora sejam apresentadas em benefício público e da nação. Ao lado disso não se descartam também os interesses desses grupos na nomeação de Desembargadores Federais nos Tribunais Regionais e Ministros dos Tribunais Superiores, sabatinados pelos membros do Senado, muitos dos quais, suspeita-se, possivelmente eleitos com farto dinheiro privado, até ilícito, como revela a Operação Lava Jato, pelo menos até as eleições de 2014.
São engrenagens que rodam a favor do status quo, das oligarquias nacionais e regionais de um capitalismo periférico, onde o legal e o criminoso se entrelaçam intensamente no processo de construção de riqueza e poder. Um sistema econômico integrado aos mercados internacionais, como fornecedor de comoditties e produtos básicos, importador de bens de capital e investimentos externos que chegam para a desnacionalização de ativos, a compra dos títulos públicos do tesouro nacional e presença no mercado secundário nas bolsas de valores. Para esse modelo não há um projeto de nação a ser construído, com dignidade e direitos para seus cidadãos. A esses caberão as sobras, as políticas compensatórias, para que ingressem no mercado de consumo de massas, ao lado, porém, da repressão jurídica, policial e militar do estado quando de sua luta por direitos mais amplos, por reformas estruturais, sobretudo quando puderem abalar os pilares do poder e da construção da riqueza pretendida pelas forças dominantes.
Vencer esse sistema é uma necessidade histórica para a nação brasileira e seu povo trabalhador. Nas ruas, nas urnas, nas bases da formação da opinião pública e das consciências. Não há no capitalismo, em especial quando originário de formação colonial e periférica, respostas justas para os direitos essenciais do povo, no mundo do trabalho, da seguridade social, das políticas públicas emancipatórias universais, em especial na gestão democrática e ética das relações público-privadas no seio do estado.
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