Na nota, o ICArabe manifesta apoio à causa encampada pelo Comitê Nacional Palestino do BDS contra o que considera uma nova modalidade de “apartheid” no Oriente Médio – onde Israel, república parlamentarista autodenominada Estado Judeu Democrático, insiste em não reconhecer a Palestina como Estado soberano. Único país de maioria judia, Israel conta com o apoio dos Estados Unidos e de países europeus como Alemanha e Reino Unido em recorrentes ações militares com o objetivo de cercear os movimentos geopolíticos da Palestina, principalmente no Oriente Médio, com vistas ao reconhecimento definitivo.
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A mobilização do BDS contra o que é considerado imperialismo israelense é intitulada “Tropicália não combina com apartheid”, em referência ao movimento criado por Gil e Caetano, entre outros, na década de 1960. A polêmica tem movimentado diversos fóruns de discussão sobre o assunto, com movimentação intensa nas redes sociais. Nesse contexto, Gil e Caetano – e diversos outros artistas com agenda naquele país – têm recebido apelos públicos de anônimos e personalidades de vários países, mas decidiram manter os compromissos.
Na carta (leia íntegra abaixo), Roger lembra que dezenas de artistas recusaram fazer shows na África do Sul, à época do apartheid (regime racista que segregou brancos de negros durantes décadas), “preocupados com direitos humanos”. “Aqueles artistas ajudaram a ganhar aquela batalha e nós […] vamos ganhar esta contra as políticas similarmente racistas e colonialistas do governo de ocupação de Israel. Vamos continuar a pressionar adiante, a favor de direitos iguais para todos os povos da Terra Santa”, disse o letrista, baixista e co-vocalista do Pink Floyd, considerado um dos mais importantes grupos musicais da História.
O ICArabe diz ainda que, por sua natureza “laica e de caráter científico e cultural”, e voltada às “várias formas de expressão da cultura árabe”, vê na arte um importante instrumento de combate ao desrespeito pelos direitos humanos, “prática de Israel há mais de 67 anos contra o povo palestino”. “Gil e Caetano foram os criadores da Tropicália, um movimento que surgiu à época da ditadura no Brasil e que carregava em suas letras e harmonias preocupações críticas da década de 60, construindo pela arte uma elaboração estética da política, desafiando a violência do governo militar”, diz trecho da nota, considerando “inaceitável” que os artistas brasileiros “prestem-se a legitimar um dos Estados mais violentos do planeta”.
Na última terça-feira (2), Congresso em Foco veiculou texto do colunista Celso Lungaretti sobre o assunto. No libelo intitulado “O grande Roger Waters conclama tropicalistas a boicotarem Israel. Os nanicos Caetano e Gil dizem não”, Celso publica a íntegra da carta (leia abaixo) de Roger Waters e diz que seu teor é “irrespondível”, incontestável. E escreve, condenando o que considera a escolha de ambos por “engordar sua conta bancária”: “Irrespondível, o que explica a falta de resposta por parte dos habitualmente tão loquazes Veloso e Gil. Já devem estar arrependidos da capitulação à “força da grana que ergue e destrói coisas belas” (Sampa). Inclusive reputações…”.
PublicidadeLeia a íntegra da carta de Roger Waters:
“Caros Caetano e Gilberto,
Quando olho para suas fotos, escuto suas músicas, leio a história de suas lutas pessoais e profissionais, lembro de todas as lutas de todos os povos que resistiram a um domínio imperial, militar e colonial através do milênio, que lutaram pelos aprisionados e pelos mortos. Nunca foi fácil, mas sempre foi certo.
Em uma de suas músicas, Gil, você menciona o arcebispo Desmond Tutu. Eu não falo português, mas assumo que vocês dois aplaudam a resistência do arcebispo Tutu ao racismo e ao apartheid que acabaram derrubados na África do Sul. Eram dias impetuosos, quando a comunidade mundial de artistas estava lado a lado com seus irmãos e irmãs oprimidos na África. Nós, os músicos, lideramos o levante naquele momento, em apoio a Nelson Mandela, a ANC, ao povo africano oprimido e a todos os aprisionados e mortos.
Estamos diante de uma oportunidade igualmente significativa agora. Estamos em um ponto culminante. Aqueles de nós que estamos convencidos que o direito a uma vida humana decente e à autodeterminação política devem ser universais estamos, em consonância com 139 nações da Assembleia Geral da ONU, focados na Palestina.
Após o ataque brutal de Israel à população palestina de Gaza, no último verão, a opinião pública, acertadamente, pendeu a favor das vítimas, a favor dos oprimidos e dos sem privilégios, a favor dos aprisionados e mortos.
O primeiro-ministro de Israel, Netanyahu, com seu governo de extrema-direita, lembra-me da história da ‘Nova roupa do imperador’; com certeza nunca houve um gabinete mais exposto em sua calúnia como este. Eles se condenam mais a cada fôlego, a cada discurso racista. ‘Olha, mamãe, o imperador está nu!’
Tive a oportunidade, recentemente, de escrever uma carta a um jovem artista inglês, Robbie Williams; eu compartilhei com ele o destino de quatro jovens palestinos que jogavam futebol numa praia de Gaza, mortos por artilharia israelense. Por que eu traria à tona uma praia e futebol? Por quê? Porque eu amo o Brasil, eu tenho a praia de Ipanema nos olhos da minha mente; eu lembro de shows que fiz em São Paulo, Porto Alegre, Manaus e Rio. Como poderia esquecê-los? Eu tenho uma camiseta de futebol, assinada: ‘para Roger, de seu fã Pelé’.
Quando estive aí pela última vez, uma criança inocente tinha acabado de ser morta, arrastada por um carro dirigido por criminosos que escapavam da cena do crime. O remorso nacional era palpável, era todo abrangente, vocês, todos vocês, importavam-se com aquela pobre criança. De tantas maneiras, vocês são um foco de luz para o resto do mundo.
Como vocês sabem, artistas internacionais preocupados com direitos humanos na África do Sul do apartheid se recusaram a atravessar a linha de piquete para tocar em Sun City. Naqueles dias, Little Steven, Bruce Springsteen e cinquenta ou mais músicos protestaram contra a opressão cruel e racista dos nativos da África do Sul.
Aqueles artistas ajudaram a ganhar aquela batalha, e nós, do movimento não-violento de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) pela liberdade, justiça e igualdade dos palestinos, vamos ganhar esta contra as políticas similarmente racistas e colonialistas do governo de ocupação de Israel. Vamos continuar a pressionar adiante, a favor de direitos iguais para todos os povos da Terra Santa. Do mesmo modo que músicos não iam tocar em Sun City, cada vez mais não vamos tocar em Tel Aviv. Não há lugar hoje no mundo para outro regime racista de apartheid.
Quando tudo isso acabar, nós iremos à Terra Santa, cantaremos nossas músicas de amor e solidariedade, olharemos as estrelas através das folhas das oliveiras, sentiremos o cheiro da madeira queimando das fogueiras de nossos anfitriões, estimaremos essa lendária hospitalidade. Mas, até que isso termine, até que todos os povos sejam livres, nós vamos fincar nosso emblema na areia, há uma linha que não cruzaremos, nós não vamos entreter as cortes do rei tirano.
Caros Gilberto e Caetano, os aprisionados e os mortos estendem as mãos. Por favor, unam-se a nós cancelando seu show em Israel.”
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