A Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, entidade que representa 2,3 mil delegados, publicou no início da noite deste domingo (26) uma carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro. O texto faz alerta sobre a situação do novo diretor da corporação e enfatiza que os delegados não vão aceitar acatar ordens vindas de intervenção política.
A reação veio após a exoneração do Diretor-Geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, e do pedido de demissão do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que acusou o presidente de interferência política na PF.
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“Da maneira como ocorreu, há uma crise de confiança instalada, tanto por parte de parcela considerável da sociedade, quanto por parte dos delegados de Polícia Federal, que prezam pela imagem da instituição. Nenhum delegado quer ver a PF questionada pela opinião pública a cada ação ou inação. Também não quer trabalhar sob clima de desconfianças internas. O contexto imporá ao próximo Diretor um desafio enorme: demonstrar que não foi nomeado para cumprir missão política dentro do órgão. Assim, existe o risco de enfrentar uma instabilidade constante em sua gestão. O último comandante da PF que assumiu o órgão em contexto semelhante teve um período de gestão muito curto”, diz o documento.
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Qualquer eventual ordem de intervenção cumprida pelo novo DG, que acreditamos que nenhum delegado o fará, necessariamente o levará ao mesmo destino ou até a uma situação pior.
A entidade se refere ao que ocorreu com com Fernando Segovia, escolhido por Michel Temer quando o então presidente era investigado pela PF no inquérito dos portos. Ele só conseguiu permanecer no cargo por 3 meses.
Na carta, a entidade pede para que Bolsonaro firme um compromisso público de que o novo Diretor-Geral da Polícia Federal “terá total autonomia para formar sua equipe e conduzir a instituição de forma técnica e republicana, sem obrigações de repassar informações ao Governo Federal, ou instaurar ou deixar de instaurar investigações por interesse político ou intervir em qualquer outra já existente”.
Destaques da carta:
Sobre a prerrogativa de nomeação do Diretor-Geral da PF.
A Polícia Federal é um órgão de Estado, e integra a rede de controle (accountability), portanto deve exercer a sua missão constitucional independentemente das convicções e decisões políticas de qualquer governo. Embora seja absolutamente verdadeira a premissa de que a legislação reservou ao Presidente da República a nomeação do Diretor-Geral da Polícia Federal, trata-se de um pilar do Estado Democrático de Direito que o estadista se limite a escolher o comandante da instituição, sempre buscando o delegado mais preparado técnica, moral e psicologicamente para a função.
A partir da nomeação e posse, manda o interesse público que o Presidente mantenha uma distância republicana, de modo a evitar que qualquer ato seu seja interpretado pela sociedade como tentativa de intervir politicamente nos trabalhos do órgão.
Sobre o acesso a informações de investigações. O Presidente da República é o chefe máximo do Poder Executivo, entretanto, deve preservar a imagem da sua gestão e da própria instituição seguindo protocolos de conduta sensíveis no que se refere aos órgãos de Estado. O ordenamento jurídico prevê que as atividades investigativas da Polícia Federal são sigilosas e somente os profissionais responsáveis em promovê-las é que devem ter acesso aos documentos. O mesmo se aplica aos relatórios de inteligência.
Sobre a competência para solicitar investigações. Quando um presidente da República toma conhecimento de irregularidades que possam configurar crime ou infrações civis e administrativas de ocupantes de cargos efetivos ou em comissão não diretamente subordinados a si ou de outros poderes, mesmo sendo o ocupante do topo da pirâmide hierárquica, deve comunicar, pelos canais hierárquicos às autoridades competentes para as providências legais. Isso não deslustra de nenhuma maneira a máxima autoridade do Presidente. Pelo contrário, o preserva como fiel cumpridor dos princípios constitucionais da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Sobre a investigação relacionada ao atentado contra V.Exa. O inquérito recebeu total atenção da PF, e seguiu em caráter prioritário em razão de ser um crime contra a segurança nacional e a própria democracia. A comparação em relação a outros crimes é injusta com o órgão, pois cada investigação tem as suas características e dificuldades concretas…
Entretanto, não é possível produzir em uma investigação um resultado desejado.
Portanto, qualquer resultado que não agrade aos envolvidos, até mesmo os chefes máximos dos Poderes da República, pode ser auditado e, havendo irregularidade, esta ser informada às instâncias competentes para as medidas legais cabíveis.
A PF é uma instituição que sempre “cortou na carne” quando comprovada a participação de seus integrantes em ilícitos.
Sobre providências:
– Enviar urgentemente projeto de legislação ao Congresso Nacional, prevendo mandato para o Diretor-Geral da Polícia Federal e escolha mediante lista previamente apresentada pelos delegados ao Presidente da República, com sabatina. Os delegados para se tornarem integrantes da lista deverão atender a critérios objetivos mínimos estabelecidos em lei. O Projeto deve garantir ao Diretor-Geral escolhido pelo presidente a autonomia para nomear e exonerar todos os cargos internos da PF, mediante a obediência a critérios mínimos objetivos para cada cargo, definidos em lei.
– Enviar urgentemente projeto de emenda constitucional ao Congresso Nacional prevendo autonomias para a PF.
“Tais medidas irão construir um ambiente institucional menos tenso e, certamente, constituirão um legado de seu governo para o Brasil, contribuindo para a dissipação de dúvidas sobre as intenções de V.Exa. em relação à Polícia Federal.”
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF
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