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Assunto constantemente lembrado em plenário por diversos parlamentares – governistas em tom de revolta, oposicionistas em tom de ironia –, a dificuldade de o governo atingir quórum na Câmara foi a tônica da sessão deliberativa. O próprio Renan, que encerrou a votação por vota das 3h desta quinta-feira (6), admitiu a dificuldade do governo em sua carta a Temer.
“Em virtude da dinâmica própria do Congresso Nacional que vossa excelência muito bem conhece, não foi possível manter o quorum para deliberação a partir de determinado momento da madrugada, de forma a superar a pauta de vetos que obstruía a deliberação do referido projeto de lei. […] Em virtude do que foi discutido na sessão, e também em face do risco social envolvido, pareceu ao Plenário do Congresso Nacional que a medida provisória é o caminho correto a ser adotado, contando esse entendimento, inclusive, com a expressa anuência dos líderes da oposição”, diz trecho da carta.
Ontem (quarta, 6), durante discussões sobre o projeto que altera o papel da Petrobras na exploração do pré-sal, deputados quase chegaram a brigar fisicamente em plenário. A jornada transcorreu com muito nervosismo, com acusações de corrupção de lado a lado, ao passo em que, a cada votação de vetos presidenciais, o governo via aumentar a dificuldade de alcançar quórum de votação. Até que, a certa hora da madrugada, Renan encerrou as votações por falta de número mínimo que as viabilizassem.
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Governistas acusavam a nova oposição (PT, PCdoB e outros) de, com a obstrução de votações, atuar contra a aprovação do projeto do Fies, uma vez que nada poderia ser votado antes dos vetos, como reza o regimento comum do Congresso. Por outro lado, a oposição disse ter apresentado requerimento de inversão de pauta justamente para votar primeiro o PLN 8/2018, e quem de fato estava obstruindo a pauta era a base, que não dava quórum de votação.
PublicidadeA certa altura das discussões, perto do final da sessão, o deputado governista Heráclito Fortes (PSB-PI) pediu a palavra e, visivelmente contrariado, explicou o porquê do esvaziamento. “A culpa é da base do governo. É da liderança, que não se articulou. A culpa é do sapato alto, do mau atendimento à base do governo. É preciso fazer o mea culpa e ter humildade para isso. Eu vi aqui vários parlamentares, inclusive do Ceará, queixando-se: ‘Por que eu vou ficar aqui votando? Eu estou até agora no governo e não tenho um cargo. Os que votaram contra o impeachment, os que foram do governo passado estão se locupletando’”, desabafou o parlamentar, escancarando a relação de troca de favores que une Executivo e Legislativo em um regime de presidencialismo de coalizão partidária.
A estimativa é que o governo tem de transferir cerca de R$ 700 milhões para instituições de ensino. O projeto de lei em questão está pronto para votação em sessão conjunta do Congresso (Senado e Câmara), com liberação de R$ 1,1 bilhão para o Ministério da Educação. Os repasses para o Fies são medida considerada essencial para que estudantes dependentes de bolsa universitária consigam renovar matrículas já para o início do próximo semestre. As transferências para bolsas válidas para 2016 está atrasado em três meses, de maneira que universidades particulares podem não renovar matrículas caso o dinheiro não seja liberado.
Leia a íntegra da carta:
“Excelentíssimo Senhor Presidente da República
MICHEL TEMER
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Dirijo-me a V.Exa., na qualidade de Presidente do Congresso Nacional, a fim de transmitir-lhe entendimento unânime manifestado na sessão do Congresso Nacional de ontem, 5 de outubro de 2016, que tinha por objeto, entre outros assuntos, a deliberação do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) nº 8, de 2016, que tratava da abertura de crédito para o pagamento de despesas relativas ao Fundo de Financiamento Estudantil – FIES.
Em virtude da dinâmica própria do Congresso Nacional que V.Exa. muito bem conhece, não foi possível manter o quorum para deliberação a partir de determinado momento da madrugada, de forma a superar a pauta de vetos que obstruía a deliberação do referido Projeto de Lei.
Sendo assim, Senhor Presidente, o Plenário do Congresso Nacional discutiu, nos termos das notas taquigráficas em anexo, e, por unanimidade, solicitou-me que dirigisse a V.Exa. esta missiva, no sentido de propor-lhe que avalie a pertinência de editar Medida Provisória que determine a abertura de crédito extraordinário em favor do pagamento de despesas do FIES.
Em virtude do que foi discutido na sessão, e também em face do risco social envolvido, pareceu ao Plenário do Congresso Nacional que a Medida Provisória é o caminho correto a ser adotado, contando esse entendimento, inclusive, com a expressa anuência dos Líderes da oposição parlamentar ao Governo de V.Exa.
Destaque-se, por pertinente, que o próprio Tribunal de Contas da União, ao apreciar as Contas do Governo Federal de 2015, dias atrás, excluiu a irregularidade que havia sido apontada pela unidade técnica e inicialmente encampada pelo Exmo. Sr. Ministro José Múcio, no sentido de que teria sido irregular a edição da Medida Provisória nº 686, de 2015, que abriu crédito extraordinário para o pagamento do FIES naquele ano.
Entendeu aquela Corte de Contas que não caberia a ela adentrar nos critérios de urgência e relevância que devem pautar a edição de medidas provisórias, nem tampouco naqueles mencionados no § 3º do art. 167 da Constituição Federal, para abertura de crédito extraordinário. Assim, manifestou-se no sentido de que os critérios a orientar a edição de medidas provisórias dizem respeito ao juízo de conveniência e oportunidade próprio do Chefe do Poder Executivo, submetido a controle político dos membros do Congresso Nacional. Nesse sentido, são dignas de nota as declarações de voto proferidas pelos Ministros Benjamin Zymler e Bruno Dantas, bem como a farta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Igualmente, cabe lembrar que a abertura de crédito que foi objeto de censura no processo de impeachment decorreu do manejo créditos suplementares, por meio de decretos presidenciais, hipótese vedada pela Constituição Federal em seu art. 167, inciso V, sempre que não haja prévia autorização legal:
Art. 167. São vedados:
(…)
V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;
A abertura de crédito extraordinário, portanto, por meio de medida provisória que vigore com força de lei desde sua edição, não se subsume a essa vedação, devendo atender a outros requisitos, passíveis de juízo político, conforme supramencionado.
Se a dinâmica do Congresso Nacional, por meio da obstrução política da minoria organizada, impediu tempestiva deliberação sobre o Projeto de Lei encaminhado por V.Exa., pareceu a ambas as Casas do Poder Legislativo, reunidas em sessão conjunta, que cabe a V.Exa. exercer plenamente as prerrogativas constitucionais de reconhecer a urgência, relevância e imprevisibilidade da presente situação e editar a competente medida provisória, que deverá contar oportunamente com o apoio político do Parlamento.
Sendo o que me cabia no momento, Senhor Presidente, renovo meus públicos votos de estima e apreço.
(assinado digitalmente)
Senador RENAN CALHEIROS
Presidente do Congresso Nacional”