João Batista Araujo e Oliveira *
A festa acabou, antes de começar. A crise está aí, em grande parte provocada pela miragem de que recursos são infinitos – ainda mais se forem para boas causas. A ficha ainda não caiu – mesmo quando parlamentares sabem que amanhã poderão estar do outro lado como prefeitos, governadores ou mesmo presidente da República.
Apesar de toda a crise que ronda o país e que ameaça piorar, o Executivo e o Congresso Nacional – numa velocidade nunca vista antes – se apressam em implementar as diretrizes previstas no Plano Nacional de Educação. E o governo, em vez de cortar suas balofas gorduras e desperdícios na área, faz cortes no Sistema S – que acaba de conquistar o 1º lugar na Worlskills. Tudo ao contrário do que recomendaria a prudência!
A educação foi o primeiro setor a receber exceção do sagrado princípio orçamentário de desvinculação entre receitas e despesas. E isso foi só crescendo. Agora, a valer o PNE, seriam 10% do PIB – ainda que seja o Pibinho que se anuncia.
Um problema é que não haverá esse dinheiro para a educação. Outro problema é que qualquer dinheiro novo que vier a existir será necessário para outros setores – especialmente face à brutal redução do crescimento demográfico que se configura nos próximos 25 anos. Nem só de educação vive a população de um país, e em breve estaremos enfrentando questões de equidade intergeracional. O terceiro aspecto é o mais importante: esse dinheiro é desnecessário. Nos últimos 20 anos aumentamos significativamente os recursos para a educação, mas aumentamos muito mais a inefiência, sem aumentar qualidade. Usar bem os recursos existentes seria muito mais prudente.
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O que fazer? O ponto de partida seria estancar a implementação do PNE – talvez declarar uma moratória ou pedir um tempo. Ou simplesmente não fazer nada – que seria muito melhor do que tentar implementá-lo da maneira açodada como vem sendo feito. Há boas razões para isso.
PublicidadeNo âmbito político é preciso reconhecer que o processo de elaboração do PNE foi o processo que caracteriza a forma de governo que está esgotada, sangrando e fazendo sangrar os país. Ele representa um consenso, é verdade, mas um consenso dirigido, manipulado, articulado por um modo de governo que se especializou nas estratégias de cooptação. A sociedade brasileira já mandou seu recado sobre essa forma de governar, nas ruas e na insatisfação cotidiana que circula nas redes sociais. O PNE, seus artigos e suas exigências, é muito mais um catálogo dos interesses corporativos do que dos interesses dos alunos ou da sociedade. Por que o açodamento em sua implementação, especialmente nesse momento de crise? No âmbito educacional, se o plano for implementado integralmente pouco se pode esperar em termos de melhoria de qualidade, pois o que ali consta não irá provocar essa melhoria – a única garantia é que a burocracia e os custos irão aumentar.
Ao invés de afundar o país num caos orçamentário, engessar os gastos em educação e complicar o futuro, uma grande contribuição do Congresso Nacional seria rever de forma rápida, competente e sistemática os fatores que contribuem para a ineficiência do sistema educacional brasileiro. Cito apenas três exemplos, a lista completa certamente ultrapassará centenas de itens e possivelmente representará entre 1 e 2% do PIB – algo para fazer sorrir o circunspecto Ministro Joaquim Levy.
O Brasil hoje tem mais de 2 milhões de pessoas que se declaram professores, somando os turnos de trabalho corresponde a 3 milhões de turnos de trabalho – equivalentes ao tempo que os alunos passam na escola. Temos hoje no Brasil cerca de 35 milhões de crianças e jovens entre 4 a 17 anos. Ou seja: em média, temos um professor para cada dez alunos. Vamos investigar onde estão as ineficiências e suas causas?
Outro exemplo: o Ministério da Educação anuncia que faltam professores do ensino médio. Parte da resposta já foi dada acima. Mas há outra parte: por que não certificar e habilitar pessoas com outras formações para se tornar professores? Por que nem diante da crise aprendemos a pensar as regras que afundam cada vez mais a economia e as finanças do país? (A resposta é óbvia: o erro está na forma de pensar, na concepção do papel do governo em relação aos grupos de interesse).
Terceiro exemplo: o Brasil gasta uma fortuna para aplicar e corrigir a redação no Enem – alguns dizem que são mais de R$ 120 milhões a cada rodada. Mas nada indica que os alunos estejam melhorando sua forma de escrever desde que o teste foi inventado, há 16 anos. E existem formas alternativas – muito mais baratas e conhecidas pelos técnicos do Inep – para aferir se o aluno domina sua língua. O que justifica a manutenção desse exame – que além de tudo contribui para atrasar a divulgação das notas do Enem?
Esses são apenas alguns exemplos – se houver interesse do Parlamento, será possível estabelecer uma agenda de desmontagem dos gargalos que encarecem a educação no Brasil. Se isso for feito de maneira competente, ganharão o Brasil e a educação, e sobrarão mais recursos para atrair e pagar bem os professores. Sem o que, jamais teremos educação de qualidade.
* Presidente do Instituto Alfa e Beto e autor do livro Repensando a Educação Brasileira.
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