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Do ponto de vista político, a Diretoria de RH só está abaixo da Secretaria-Geral da Mesa e da Diretoria-Geral. A primeira tem papel determinante em todo o processo legislativo. A segunda é a mais importante instância administrativa da Câmara.
Madalena disse ao Congresso em Foco que Eduardo Cunha foi o “instrumento de Deus” para sua indicação à diretoria, mas negou que sua escolha tenha caráter religioso. Professora universitária, ela diz que sua promoção é fruto de competência profissional e dos longos anos de atividade na Câmara – onde ela começou a trabalhar em 1º de junho de 1984, sempre ocupando funções relativamente modestas, e jamais exerceu qualquer cargo de chefia.
Em sua última ocupação na Câmara, o seu trabalho consistia basicamente em guardar os livros nas estantes da biblioteca. Anteriormente, era responsável pela emissão de segunda via de crachás – tarefas de complexidade muito menor que a de diretora de Recursos Humanos.
A nova diretora entrou na Câmara dos Deputados sem passar por concurso público, mas se tornou funcionária de carreira da Casa em razão de dispositivo incluído na Constituição de 1988 que efetivou servidores que, à época, trabalhavam na administração federal. Uma semana antes de escolher Madalena para a sua equipe, Eduardo Cunha obteve do Plenário a aprovação de projeto de resolução da Mesa Diretora que dá ao próprio presidente da Câmara o poder de escolher o secretário de Comunicação Social da Casa entre os deputados no exercício do mandato.
Com a resolução, já promulgada, Cunha pode substituir o secretário de Comunicação a qualquer tempo e sem apresentar justificativa. O escolhido para chefiar a estrutura comunicacional da Câmara – que inclui serviços de TV, rádio, mídia impressa e internet – foi o deputado Cleber Verde (PRB-MA). Cleber integra a chamada bancada evangélica e seu partido, o Partido Republicano Brasileiro, é ligada à Igreja Universal do Reino de Deus.
Tanto o projeto de resolução quanto a opção por Cleber Verde foram questionados por alguns parlamentares, que invocaram o apartidarismo e o caráter laico e técnico que devem orientar a administração pública no país. É a primeira vez que a Câmara terá um deputado à frente do setor de comunicação, e não um servidor especializado. Cleber é “vendedor autônomo, professor, servidor público e bacharel em Direito”, segundo seu registro oficial.
Colegas de culto
O que há em comum entre Eduardo Cunha, Cleber Verde e Madalena é que os três costumam participar de cultos evangélicos nas dependências da Câmara, junto com outros parlamentares e servidores evangélicos. No último dia 11 de fevereiro, a página de Cunha na internet reproduziu material atribuído à Agência Câmara Notícias, noticiando a participação do presidente da Câmara em um desses cultos. Na ocasião, conforme o texto, Cunha “agradeceu o apoio, praticamente unânime, dos deputados evangélicos na disputa pela presidência da Casa” e ouviu do coordenador da bancada evangélica, João Campos (PSDB-GO), o compromisso de lealdade e respaldo político.
É prerrogativa da Diretoria de RH, entre outras, o acesso a toda e qualquer informação referente a cada um dos milhares de servidores da Câmara. Cada um deles reúne uma minuciosa ficha de informações pessoais e funcionais. Assim, ficará à disposição de Madalena o acesso a contracheques, empréstimos e ao chamado passado bancário, entre outras informações, de todos os servidores. Segundo o Guia para Jornalistas 2015, material veiculado no site institucional, a Casa possui 3.349 servidores concursados, 1.573 cargos de natureza especial e 10.732 secretários parlamentares (conforme números colhidos até 31 de agosto de 2014), além de 3.056 terceirizados.Caberá a Madalena, que até esta semana estava lotada no Centro de Documentação e Informação (Cedi) da Câmara – a biblioteca da instituição – cuidar da organização e do repasse de informações referentes ao quadro de pessoal para o Tribunal de Contas da União e à Controladoria-Geral da União, em trabalho acompanhado pelos órgãos de controle interno. Pedidos de licença ou férias, reajuste de salário, concessão de gratificações ou o pagamento de horas extras, por exemplo, têm de ser autorizados pela diretora.
Professora de deputados
Também passam pela Diretoria de Recursos Humanos casos de deslize funcional, para as devidas punições. Sindicâncias administrativas, que podem culminar em afastamento temporário ou em exclusão do funcionário do serviço público, podem ter como motivação problemas que vão do alcoolismo ou de psicopatias até a participação em ilícitos administrativos ou criminais (já houve caso, até mesmo, de envolvimento de servidor em tráfico de entorpecentes).
Para acolher e ajudar servidores às voltas com dificuldades temporárias, a Câmara criou o Programa de Valorização do Servidor (Pró-Ser), que também deve se reportar à Diretoria de RH. Estarão ainda sob a responsabilidade de Madalena a formação e o treinamento de servidores, bem como o monitoramento dos benefícios do serviço médico da Câmara, atribuição compartilhada com a Secretaria Executiva do Pró-Saúde. O Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) – “zumbi” que, mesmo extinto em 1999, desde então já engoliu R$ 2 bilhões, como revelou a Revista Congresso em Foco – também fica sob controle da Diretoria de RH.
Para Madalena, sua escolha é natural e não deveria ser objeto de divulgação jornalística: “Fui professora de vários deputados na universidade. Se eles me indicaram, é porque eles acham que eu sou competente para assumir. Isso uma questão administrativa. Foi escolha do presidente. Na verdade, eu não tenho nada a dizer para ser digno de registro e isso sair em jornal”. Ela admitiu proximidade com deputados evangélicos: “São deputados que conheço há tempo. Como sou servidora há 31 anos, nada mais justo de que um dia ser [promovida]… Faz parte, vários servidores fazem carreira e um dia chegam a cargos de comando. Toda honra e toda glória seja dada a Deus, primeiramente. Só estou esperando que Deus me ajude e me dê capacidade para fazer jus [à indicação] e fazer uma boa gestão onde fui colocada pelo presidente [Eduardo Cunha]”, finalizou Maria Madalena da Silva Carneiro.
Identidade religiosa, não
Servidores da Câmara ouvidos pelo Congresso em Foco entendem que a nomeação de Madalena é mais um passo no sentido de tirar da Casa aquilo que ela tem de mais profissional. Madalena também já se desentendeu com o diretor-geral, Sérgio Sampaio, após anunciar que vai trocar o diretor do Departamento de Pessoal (Depes), cargo nomeado pelo diretor-geral.
O deputado Chico Alencar (Psol-RJ), que é católico, mas discorda do uso das dependências da Câmara para a realização de cultos, ressalta a necessidade de respeitar o caráter laico do Estado e a autonomia técnica dos profissionais de carreira no funcionamento da Casa. Por isso mesmo, é contra a entrega da chefia da comunicação a um deputado. “Um absurdo, um atropelo”, disse ele ao site.Ele também demonstrou preocupação com a indicação para a Diretoria de Recursos Humanos. “A gente precisa analisar. Indicar alguém da Casa, com longo tempo de serviço, tudo bem. Se isso significar até boa experiência para o coletivo, também tudo bem. O que não pode haver é escolha por critérios de simpatia partidária e, muito menos, de identidade religiosa”, declarou Chico, reafirmando sua objeção aos cultos e avisando que vai questionar no colégio de líderes, “quando necessário”, iniciativas da Mesa Diretora.
“Quem quiser professar sua fé, que o faça em suas igrejas ou até em praça pública. Aqui não é adequado. No aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, tem uma capela ecumênica onde quem quer fazer sua oração, sua meditação, qualquer que seja o credo, vai. Até os ateus, se quiserem um momento de silêncio, de reflexão, também se sentem acolhidos ali”, acrescentou. “Temos de ter cuidado para não colocar a nossa convicção pessoal, subjetiva, religiosa, além da nossa vinculação partidária para presidir uma série de iniciativas aqui na Casa. Temo que o presidente da Câmara esteja se deixando levar por esse tipo de procedimento.”
Já o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) lembrou que o Brasil é um país laico, que preserva a liberdade religiosa, e relativizou a questão da fé. “A religião de quem ocupa postos importantes não é o que deve doutrinar a ação da função pública, e sim a sua competência, a sua história e os seus compromissos com objetivo de que aquele cargo necessita. Qualquer que seja a religião, em um país que tem a sua separação de estados e o respeito à diversidade religiosa, é algo que tem o nosso respeito”, ponderou o tucano, com a ressalva de que limites têm de ser observados.
Ele prosseguiu: “Só vejo problema [na indicação de Madalena] se houver desvio de função ou a utilização do cargo em prol da religião. Aí, sim, é um desvio. Mas qualquer brasileiro tem a sua religião, e sua religião tem que ser respeitada no exercício das funções”, acrescentou Bruno.
A reportagem procurou Eduardo Cunha para comentar sua indicação à Diretoria de RH, por e-mail e por mensagem de celular, mas até o momento não recebeu resposta. O site se mantém à disposição para registrar a visão da presidência da Câmara sobre o assunto.
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