Intensamente repercutidas por toda a mídia, as reportagens publicadas nas últimas semanas pelo Congresso em Foco sobre a farra das passagens aéreas no Parlamento chocaram o país.
Revelamos descaminhos desse quilate não porque queremos destruir o Congresso, como chegaram a afirmar em plenário alguns deputados na última quarta-feira (22). O teatro e as grosserias dos supostos ofendidos por nosso conteúdo não podem enganar ninguém. Ora, eles sabem que, se acaba o Congresso, acaba a razão de existir deste site. E sabem que, desde 2006, cometemos a ousadia de premiar os melhores parlamentares federais, numa eleição na qual os jornalistas políticos de Brasília têm total autonomia para definir os nomes dos congressistas que, numa segunda etapa, são submetidos à votação dos internautas.
Os constantes “furos” deste site e o prêmio são faces diferentes de uma mesma aposta: a aposta na ampliação do conhecimento sobre o Poder Legislativo, no incentivo ao acompanhamento de suas atividades por parte da sociedade e, sobretudo, a aposta na elevação da qualidade da representação política no país.
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Defendemos com unhas e dentes a existência do Congresso, com a plena garantia de suas prerrogativas constitucionais. Batalhamos por um Parlamento forte. Mas, sim, queremos um Congresso muito melhor do que o atual ou do que os imediatamente predecessores. Um Congresso que tenha compromisso com a nação, jamais com interesses menores de parlamentares, assessores, amigos ou parentes que perdem a noção do limite dos privilégios que a população considera aceitável.
A farra das passagens aéreas não é uma exclusividade da Câmara dos Deputados, como já mostramos. Aquela Casa paga um alto preço por estar hoje – por incrível que pareça – mais próxima do que o Senado Federal das aspirações de moralização da política, reiteradamente expressas pelos brasileiros. A Mesa Diretora provou isso ao propor ao Plenário na última sexta-feira a redução do valor da cota em 20% e restrição do uso do benefício pelo próprio parlamentar para viagens nacionais. A iniciativa merece reconhecimento, e oferece à Câmara a possibilidade de se reconciliar com os eleitores. Apelamos para que os deputados tenham bom senso e aprovem a medida nesta terça-feira, dia 28.
PublicidadeEm número crescente, deputados produzem outro fato alvissareiro: muitos já admitiram ter errado ao usar a cota de passagens para pagar viagens pessoais, de si ou de terceiros, e afirmam que ressarciram ou irão ressarcir os gastos indevidamente pagos pela Câmara. Apoiamos tais gestos e reconhecemos neles o que pode ser o germe de uma mudança profunda na política brasileira. Também felicitamos os parlamentares que, convencidos da necessidade de virar o jogo, abrem suas contas, possibilitando a total transparência dos pagamentos feitos pela Câmara de viagens aéreas.
Gastos com deslocamentos aéreos, ou qualquer despesa pública feita para os deputados e senadores exercerem adequadamente seu mandato, só se justificam pela ótica do interesse público. O dinheiro é do povo, não do parlamentar, e muitos congressistas parecem ainda não ter compreendido isso. Doença na família, visitas a filhos que moram no exterior, necessidades circunstanciais de amigos não podem servir de amparo à utilização de verbas públicas. Quando enfrenta situações semelhantes, o cidadão comum banca a conta, ele não concorda que a regra para os parlamentares federais seja tão generosa quanto foi nos últimos anos.
Por isso, defendemos que todos os gastos do Congresso Nacional sejam públicos e transparentes. O Senado precisa seguir o exemplo da Câmara e abrir a assustadora caixa preta em que se transformou.
Também não aceitaremos que sejam escondidas debaixo do tapete as irregularidades que revelamos. A afirmação de que “a farra das passagens pega todo o Congresso”, insistentemente ouvida em Brasília, não pode servir de pretexto para a hipocrisia. Se todos usaram mal, o que ainda está por se confirmar ou não (nossa lista aponta 261 deputados até agora), nem todos usaram do mesmo jeito.
Não podem ser tratados igualmente os que usaram a cota de passagens para obter recursos criminosamente, vendendo os créditos aéreos no mercado paralelo ou transportando artistas para reduzir os custos de negócios privados, e aqueles que, baseados em uma interpretação errada da lei, acreditaram que poderiam custear com o dinheiro dos contribuintes viagens não relacionadas diretamente com o exercício do mandato. O episódio traz, portanto, duas dimensões, uma ética-legal e outra criminal, que devem ser enfrentadas separadamente.
A crise do Congresso traz uma oportunidade única para mudar os costumes políticos no Brasil. Não venham dizer que sempre foi assim e sempre será. Não é verdade. Políticos são seres humanos e, como tal, estão sempre sujeitos a erros. Mas é imensa a quantidade de parlamentares que chegaram às duas Casas do Congresso, ontem e hoje, e que se destacaram por terem produzido muito mais acertos do que erros. A luta heróica de Ulysses Guimarães e tantos outros no enfrentamento da ditadura militar, a ação coletiva do Parlamento na elaboração da atual Constituição Federal e o comportamento de diversos congressistas durante o processo de impeachment do então presidente Collor são exemplos de que, em vários momentos da história, o Poder Legislativo brindou as aspirações democráticas dos brasileiros com um sopro de alívio e esperança.
No passado, e durante décadas, repetiu-se que o Brasil jamais teria capacidade para se tornar um país com inflação baixa. Quebramos esse tabu. Precisamos quebrar outro, o de que é impossível reduzir os níveis de corrupção, assistencialismo e desfaçatez que se verificam nos três poderes. É possível, sim! Para isso, é fundamental a vigilância permanente da sociedade.
O Congresso em Foco, cioso do peso de suas responsabilidades, continuará a fazer a sua parte, produzindo bom jornalismo, sem as amarras de quaisquer interesses que não sejam o de cobrir o Congresso e a política de forma competente, exclusiva, criativa e ética.
Mas, confiantes na credibilidade e na imensa audiência deste site, queremos ir além. Sabemos que a internet é o maior fórum de debates públicos do Brasil democrático, mobilizando mais de 60 milhões de pessoas que já acessam regularmente a rede. Essa força pode ser usada não apenas para constatar problemas, proferir xingamentos ou, o pior dos equívocos, manifestar-se pelo fechamento do Congresso. Pode ser a semente de uma discussão madura sobre os caminhos que podemos dar ao Parlamento no país.
Com humildade, porém consciente da influência que hoje tem, o Congresso em Foco conclama todas as forças políticas democráticas a se unirem naquilo que elas puderem convergir, de modo a encontrar um rumo transformador, e dentro do Estado de Direito, para a crise do Legislativo. Nesse aspecto, queremos nos dirigir a todas as entidades que nos ajudam a viabilizar a cada ano o Prêmio Congresso em Foco, mas dirigimos uma palavra em especial a uma delas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A OAB valente do inesquecível Raymundo Faoro foi fundamental para nos trazer a democracia. Ela tem agora a chance de contribuir para dar à nossa democracia legitimidade e decência.
Convidamos leitores, entidades de representação profissional, líderes populares, empresários, intelectuais, artistas e formadores de opinião a darem sua cota pessoal – esta sim, cota digna de admiração – para virar a chave da política brasileira. Podemos não fazer tudo, mas podemos fazer muito. O primeiro passo nessa direção é acreditar nisso. O Congresso em Foco acredita e quer a companhia de quem deseja mudar o Brasil para melhor. Vem você também, manifestando-se como puder, inclusive por meio deste site. Sem a pressão popular, as alterações no Congresso e na política serão superficiais.
Entendemos, também, que há um amplo espaço para os próprios parlamentares nesse movimento de renovação do Congresso. Mesmo que tenham incorrido em erro no passado, os congressistas podem agora acertar o rumo, convencendo seus pares a se renderem à voz das ruas (e da rede).
Mudar o Congresso é possível, desde que cada um – inclusive nós, eleitores – tente desempenhar melhor o seu papel. O que estamos esperando?
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