Desde o início da campanha presidencial até o dia 5 de outubro, quando 12 dos nove candidatos ficaram pelo caminho, três temas considerados tabus dividiram o noticiário com a onipresente questão da corrupção: drogas, aborto e casamento gay. Mas, se movimentaram o primeiro turno, esses assuntos parecem ter sido esquecidos por quem continua na disputa. Vinte dias se passaram desde então sem que Dilma Rousseff (PT) ou Aécio Neves (PSDB) tenham sequer abordado ao menos uma das três questões no segundo turno. Seja em suas propagandas de rádio e televisão, no horário eleitoral gratuito ou em quaisquer dos debates televisivos.
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Também nos programas de governo de ambas as coligações é evidente a aridez de propostas ou mesmo sinalização de debate sobre essas problemáticas. Nada há sobre os assuntos no conjunto de diretrizes protocolado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela coligação Muda Brasil, do tucano Aécio Neves (confira a íntegra), ou nos compromissos assumidos e formalizados na corte pela coligação Com a Força do Povo (veja o documento), da petista Dilma Rousseff.
Entre os oito eixos temáticos da proposta tucana, a questão das drogas é abordada, mas sem qualquer menção à possibilidade de legalização. Pelo contrário: no tópico “segurança pública”, o primeiro item do programa prega o “combate ao uso de drogas”, com diretrizes tanto para o reforço da repressão ao tráfico e ao consumo quanto para as ações voltadas para usuários. Em entrevistas, Aécio costuma se dizer pessoalmente contra a descriminalização, mas não aprofunda o tema nas diversas oportunidades que tem à disposição.
A palavra “homofobia” aparece duas vezes em seu programa de 76 páginas – mas sem abordar a questão do casamento gay. As menções a homossexuais e temas congêneres, bem como as propostas, limitam-se pôr a minoria sob a guarda do tema “direitos humanos”. Uma delas prevê a “ampliação da participação da Comunidade LGBT nos debates do Programa Brasil sem Homofobia, e articulação deste programa com as iniciativas estaduais e municipais”.
Não há qualquer menção ao aborto no programa tucano. A abordagem mais próxima do assunto é o “estímulo a programas e ações voltadas à prevenção da gravidez precoce, adotando estratégias educativas de sensibilização de adolescentes e apoio integral nos casos de gestação e acompanhamento da mãe e da criança até a idade de 05 anos […]”. A violência contra a mulher, diz o texto, é “questão de saúde pública”.
A ser aprofundado
O mesmo distanciamento em relação aos temas-tabu é verificado na campanha de Dilma Rousseff. Se o eleitor fizer uma busca em todas as 29 páginas do programa do PT protocolado no TSE, só encontrará a palavra “droga”, ou alguma menção correlata ao assunto, apenas uma vez. Está lá na página 14: “O Plano Estratégico de Fronteiras, em parceria com as forças estaduais de segurança, tem garantido um controle mais efetivo das nossas fronteiras. Evitamos, com o enfrentamento ao tráfico de drogas e armas, o fortalecimento do crime organizado em todo o país”, diz trecho do texto.
A exemplo do conteúdo do programa tucano, não há qualquer registro da palavra “aborto” na peça de compromissos petista. Também não há propostas em relação às gestantes e à gravidez precoce, questões brevemente abordadas no programa do PSDB, nem qualquer menção ao tema da união homoafetiva. Quando questionada sobre as três questões, Dilma se limita às opções pessoais, mas se distancia delas como chefe de Estado.
O máximo de referência ao tema está na página 20 do programa petista. “Ainda no elenco de desafios institucionais, a luta pelos direitos humanos se mantém, sempre, como prioridade, até que não existam mais brasileiros tratados de forma vil ou degradante, ou discriminados por raça, cor, credo, sexo ou opção sexual”, diz trecho do documento, na única referência à questão da sexualidade. A coligação diz que o conjunto de temas apresentados ao TSE são apenas “linhas gerais do programa”, segundo a campanha petista, fruto de “ampla consulta aos movimentos sociais” e partidos aliados, em trabalho a ser “aprofundado por meio de grupos temáticos”.
“Natural”
A ausência dos temas no segundo turno é naturalmente justificada, alegaram representantes das duas partes ao Congresso em Foco. “A sociedade priorizou outros temas. Também acho que já há, na sociedade, uma amplíssima maioria no sentido de ter uma visão mais aberta sobre alguns desses temas. É o caso, por exemplo, da homofobia. Uma parcela importantíssima da população rejeita esse tipo de postura [avessa a mudanças]”, disse à reportagem o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).
Ministro da Saúde entre 2003 e 2005, no governo Lula, o parlamentar pernambucano atribui o “sumiço” dos temas à agenda de prioridades e aos personagens envolvidos. “Em relação à questão das drogas, também há uma abertura da sociedade no sentido de não ficar simplesmente na discussão da repressão. As pessoas estão mais preocupadas em ouvir alternativas, conhecer saídas diferentes”, disse.
Para Humberto, Dilma, Aécio e Marina Silva consideraram que o tema do aborto dispensava “maior aprofundamento”. E, como era conduzida pelos principais presidenciáveis, na visão do petista, a discussão do segundo turno acabou por descarta-lo naturalmente. “Ele [o tema] terminou ficando mais relegado a um segundo plano. No primeiro turno, não – Eduardo Jorge, Luciana Genro trouxeram essa discussão e, dentro da direita, Pastor Everaldo e Levy Fidelix também. Já no primeiro turno, os três candidatos considerados mais importantes não consideraram que esse tema merecesse maior aprofundamento”, acrescentou.
Questão de prioridade
Opinião parecida tem o deputado Mendes Thame (PSDB-SP), um dos mais experientes parlamentares em atividade. Em seu sexto mandato na Câmara, o tucano explica que questões prioritárias se impõem sobre outras, eliminando alguns temas da pauta de campanha.
“Normalmente, a campanha vai afunilamento para temas de interesse nacional. Os temas que são discutidos em segundo turno são temas que dizem respeito a todos, a toda a população, e não às minorias. É aquilo que, realmente, muda [a vida social]”, avalia o tucano.
Ex-prefeito do município paulista de Piracicaba, Mendes acredita que as prioridades de cada coligação devem ser exploradas até como estratégia da coligação tucana. O deputado diz que assuntos como combate à corrupção, controle da inflação e atenção à saúde e à educação, “desafios a serem enfrentados”, preponderam sobre os demais neste momento da campanha.
“São temas que não podemos deixar de enfrentar, porque atingem toda a população brasileira. No segundo turno, sem dúvida alguma, ganha mais espaço quem tiver capacidade de apresentar soluções para os temas mais abrangentes”, acrescentou o parlamentar, colocando entre tais prioridades os “grandes desafios” que o próximo governo vai enfrentar. “Eles prejudicam o cotidiano, o dia-a-dia das pessoas.”
Embaraço
Os temas-tabu, que têm abalado campanhas desde 2010, pareciam ter voltado com força nestas eleições, mas quem poderia mantê-los em evidência no segundo turno foi excluído, nas urnas, da corrida presidencial – os ex-candidatos Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (Psol), que aproveitavam todo e qualquer espaço para se manifestar publicamente favoráveis à legalização regulamentada de algumas drogas, de alguns casos de aborto e da união homoafetiva.
Nomes como os conservadores Pastor Everaldo (PSC), Eymael (PSDC) e Levy Fidelix (PRTB) também poderiam manter as questões no noticiário, mas por outro viés – os três condenam com veemência, devido ao matiz religioso que representam, qualquer hipótese de flexibilização nas leis que regem aborto, drogas e casamento entre pessoas do mesmo sexo. Levy, aliás, não mediu palavras na defesa da “família tradicional” em debates na TV. Em um deles, na TV Record, causou revolta em setores da sociedade ao insinuar que homossexuais são doentes e que “aparelho excretor” não serve à sexualidade, mas apenas à reprodução.
Relembre em vídeo:
No debate seguinte, na TV Globo, uma semana depois da repercussão negativa de seu depoimento na Record, Levy não se intimidou. Instado a pedir desculpas ao povo brasileiro, o cacique do PRTB respondeu ao seu interlocutor, Eduardo Jorge, com acusações.
“Candidato Eduardo Jorge, você não tem moral nenhuma para me falar disso. Você, acima de tudo, propõe que os jovens consumam maconha. Isso é crime, apologia ao crime”, rebateu Levy.
Fator Marina
As questões foram evitadas também por Marina Silva, a ex-presidenciável do PSB que chegou a liderar a corrida presidencial em projeções de segundo turno. E, no caso dela, em situação que lhe causou desgaste diante do eleitorado: declaradamente religiosa, a ex-ministra do Meio Ambiente foi publicamente repreendida pelo pastor evangélico Silas Malafaia, por meio de redes sociais, porque seu programa de governo havia se comprometido com a causa gay.
Diante da reprimenda, a campanha de Marina excluiu do programa justamente o trecho atacado por Malafaia, sob a argumentação de que houve precipitação e erro na montagem das propostas. Até hoje há quem diga, nos ambientes de discussão político-eleitoral, que Marina não foi ao segundo turno por ter hesitado acerca de questões cruciais como os três tabus.
No vídeo abaixo, depois de ter recebido quase 20 milhões de votos nas eleições de 2010, Marina Silva falou sobre os três assuntos. Na ocasião, em entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), ela explica que é contra o casamento gay, mas favorável aos direitos civis da minoria na hipótese de união homoafetiva.
Confira: