Chega a R$ 524,5 bilhões a soma de todas as dívidas contestadas, entre 2004 e 2015, em processos instaurados no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda responsável pela análise de débitos com o governo federal e também principal alvo da Operação Zelotes, da Polícia Federal. Segundo documentação à qual o Congresso em Foco teve acesso, o valor corresponde a 76.861 procedimentos de contestação de multas aplicadas pela Receita Federal a pessoas físicas e jurídicas (empresas).
Segundo registros do Ministério da Fazenda, 2015 foi o ano que movimentou o maior montante sob contestação no Carf (R$ 136,7 bilhões) e, curiosamente, que registrou a menor quantidade de processos instaurados – apenas 26. Por outro lado, foi em 2004 que se verificou a menor quantia em pauta no Conselho (R$ 10,6 bilhões), com 1.756 procedimentos de contestação abertos. Nos 12 anos em questão, empresas e pessoas físicas contestaram uma média de R$ 43,7 bilhões ao ano junto à União.
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Em outro documento, de 627 páginas, a Fazenda lista 37.578 empresas e contribuintes individuais que recorreram ao Carf. Nessa relação estão corporações dos mais diversos setores, como transportes, construção, telecomunicações, telefonia, bebidas e agronegócio. Bancos, organizações não governamentais e grupos de imprensa, além de socialites e personalidades brasileiras, também compõem o grupo de devedores.
O Carf é a última instância administrativa decisória para dívidas fiscais com a União. Segundo a PF, a teia de corrupção nos julgamentos do Conselho provocou desvios de R$ 6 bilhões nos últimos anos, mas a estimativa é de que o rombo possa chegar a R$ 19 bilhões com a apuração dos casos restantes.
Negocia-se multas
PublicidadeOs trabalhos da Zelotes foram iniciados em 2013 e se debruçaram sobre processos administrativos abertos desde 2005. A PF investiga, entre outros desmandos, o esquema de elaboração de votos sob encomenda para beneficiar devedores que recorreram ao Carf para contestar multas aplicadas pela Receita. O fato de que empresas e cidadãos tenham pendências sob exame no órgão não quer dizer que eles cometeram algum tipo de irregularidade.
No entanto, há casos de claros de corrupção no órgão subordinado à Fazenda. Um dos principais indícios de manipulação de julgamento por meio de pagamento de propina, em acertos negociados entre conselheiros e representantes de corporações, envolve a Mitsubishi no Brasil. A empresa conseguiu junto ao Carf a redução de uma dívida em 99,62%, em que uma autuação com valor inicial de R$ 266 milhões teve sua cobrança revista para R$ 1 milhão ao final do processo administrativo.
Em outro caso, uma multa de R$ 150 milhões foi extinta sem fundamentação legal. Os diversos casos sob apuração da PF, com auxílio do Ministério Público, levaram à instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) no Senado, a CPI do Carf.
De acordo com a PF, ex-conselheiros do Carf e consultores na ativa procuravam empresários com grandes dívidas e lhes apresentavam a possibilidade de reduzi-las ou anulá-las por meio de pagamento de propina, que variava entre 1% e 10% do débito. No cardápio, pedidos de vista dos processos, emissão de pareceres favoráveis aos grupos empresariais e exames de admissibilidade de processos, entre outros favores. Nomes e valores estão sob sigilo judicial, mas as investigações da PF e da CPI já sugerem alguns investigados, devido a convocações já aprovadas pelos senadores.
Lava Jato e propina requerida
O esquema de corrupção instalada há mais de uma década no Carf provocou, além de malversação de dinheiro público, situações inusitadas a partir do trabalho da Polícia Federal. Em junho, o Congresso em Foco mostrou a situação do ex-integrante do Carf que recorreu à 5ª Vara do Trabalho de Brasília com um propósito intrigante: cobrar valores que, segundo as investigações da PF, podem ser fruto de propina não repassada por outro ex-conselheiro.
Oficialmente, o ex-auditor da Receita Federal Paulo Roberto Cortez apelou à Justiça do Trabalho, em 2013, para cobrar direitos trabalhistas não pagos pelo escritório de José Ricardo da Silva. O serviço contratado, de acordo com os autos da Zelotes, era justamente a elaboração de votos sob encomenda envolvendo devedores.
Em 10 de agosto, este site também revelou que cinco empresas investigadas na Lava Jato, que desvendou esquema bilionário de corrupção na Petrobras, negociam quase R$ 2 bilhões em multas no Carf. A maior pendência é da Camargo Corrêa, responsável por mais da metade do montante contestado, com R$ 1,1 bilhão em dívidas.
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