Wellington Miareli Mesquita *
Diz o antigo ditado romano: “Quanno a Roma ce s’è posto er piede, resta la rabbia e se ne va la fede”; isto é, quando se coloca os pés em Roma, a raiva fica e a fé vai embora. Certamente, ninguém conhece mais a Cúria e o Vaticano do que os próprios romanos, que dividem espaço com a sede da Igreja Católica há dois milênios. Religião, dinheiro e poder sempre foram alvo de polêmica, vide o caso do pastor Marco Feliciano e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara. A igreja medieval abusou da indulgência e da simonia, a compra e venda ilícita de bens espirituais. A Reforma se voltou com furor contra a prática. Em uma de suas 95 teses, Lutero enfatizou: “Ofende-se a palavra de Deus quando se dedica mais tempo a indulgências”.
A maior dor de cabeça do pontificado de Bento XVI foi o Instituto para as Obras Religiosas (IOR), o Banco do Vaticano. Da mesma forma, será a primeira questão na pauta de trabalho do papa Francisco, o argentino Jorge Mario Bergoglio. Na última reunião de cardeais antes do início do Conclave, o camerlengo (que dirigiu a Santa Sé durante a vacância), cardeal Tarcisio Bertone, foi questionado por dezenas de purpurados sobre a real situação do IOR. Anualmente, o porta-voz da Santa Sé divulga o balanço das finanças da cidade-estado e da Santa Sé, porém questões como o tamanho do patrimônio da Santa Sé, o montante de seus investimentos e o rumo de suas aplicações ficam sempre sem respostas.
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Fundado em 1942 com o objetivo de administrar os recursos que entram na Santa Sé e repassá-los às missões católicas, por várias vezes o IOR esteve envolvido em escândalos financeiros. Antes de renunciar, Bento XVI deixou o Banco do Vaticano nas mãos de seu homem de confiança, o alemão Ernst von Freyberg, meses após a demissão de Gotti Tedeschi, que se seguiu a uma disputa política por mais transparência no órgão. No passado, o Banco da Itália chegou a proibir o IOR de utilizar novos caixas eletrônicos em associação a um banco alemão. O motivo: a não adequação do organismo financeiro vaticano aos parâmetros de segurança contra a lavagem de dinheiro.
O calvário do IOR arrasta-se desde o pontificado de João Paulo II, quando os fiéis reagiram incrédulos ao escândalo envolvendo o arcebispo Paul Marcinkus, o banqueiro de Deus. Bem antes da criação do IOR, existia a não menos polêmico AOR, a Administração para as Obras Religiosas, sociedade financeira criada por Leão XIII. Já em 1900, o organismo fora cenário de um misterioso furto de títulos. A investigação esbarrou no secretismo da caixa-forte. Antes da AOR, a administração dos bens terrenos da igreja ficava a cargo da Câmara Apostólica, o Fiscus. O Óbulo de São Pedro, a milenar caridade do Papa, ainda existe, e rende bons dividendos à Santa Sé. Em 2012, recolheu 70 milhões de dólares. Como podemos ver, a questão financeira na Santa Sé é complexa.
Na celebração que antecedeu ao conclave de 2005, Joseph Ratzinger afirmou que a Igreja estava corroída pela sujeira, autossuficiência e soberba. O cardeal decano Angelo Sodano foi mais light, na missa Pro eligendo pontifice da terça-feira passada, ao exortar a necessidade de unidade dentro da instituição. Os cardeais que se reuniram em Conclave para a eleição de Francisco sabem que os problemas da Igreja Católica vão muito além da evangelização e da unidade. A gestão transparente dos bens da Santa Sé espalhados pelos quatro cantos do planeta e o ajustamento de suas finanças às exigências internacionais são medidas imprescindíveis para que o novo pontífice cumpra o seu legado pastoral livre de escândalos e com o nome limpo na praça.
Publicidade* É jornalista e autor do livro Sucessão no Vaticano, que narra a morte de João Paulo II e a eleição de Bento XVI.
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