Carlos Vieira *
Empreender no Brasil sempre foi uma aventura. Insegurança jurídica é uma das características do mercado brasileiro e os maiores prejudicados são os pequenos e médios empresários, que não detêm o poder de fogo de grandes companhias para fazer frente ao grande “adversário” do empreendedorismo: o governo.
Muita gente reclama do Congresso Nacional, da qualidade duvidosa de muitos políticos. Porém, é nestes momentos pré-eleitorais que é possível enxergar como um Parlamento operante faz falta a este país. Neste período de foco nas campanhas eleitorais nos estados, quem precisa de apoio político em Brasília fica à deriva porque não tem como recorrer a um parlamentar sequer contra manobras do Executivo.
A mais recente delas tem origem no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. O governo Dilma, com algumas canetadas e sem discussão prévia e democrática, simplesmente muda sua política de compras de produtos e serviços e põe em xeque negócios e empregos de pequenas e médias empresas que têm contratos legalmente conquistados na esfera federal.
O primeiro segmento a ser prejudicado com a mudança é o de agências de viagens. Começou a operar há poucos dias um novo sistema de compra de passagens aéreas pelo Ministério do Planejamento para seus servidores. A medida é um ensaio. Logo será estendida a outros organismos federais. O passo seguinte é implantar a compra de outros produtos e serviços por meio de uma central de compras. Representantes do ministério já avisaram que empresas de limpeza, de fornecimento de papel, veículos, segurança, telefonia, entre outras, irão se juntar às agências de viagens e ficar sem contratos de fornecimento junto ao governo Dilma.
O que chama atenção é que, no caso dos bilhetes aéreos, o governo agiu por vários caminhos – aprovou até mesmo uma medida provisória – para conceder benesses às companhias aéreas em troca de condições especiais para a compra dos bilhetes. Abriu mão até de arrecadação de impostos. Flexibilizou a rigidez necessária para autorizar contratos diretos entre o governo e empresas em situação financeira delicada – caso das companhias aéreas. Ressuscitou com força o temerário cartão corporativo para permitir a compra dos bilhetes aéreos com mais facilidade. E até agora somente as agências de viagens têm protestado contra esse novo “modelo” que inexiste em países capitalistas.
PublicidadeA alegação dos burocratas do ministério é que haverá “economia” com a compra direta de bilhetes aéreos. A superficialidade com que essa importante questão é tratada chama a atenção. Não apresentaram antecipadamente nem mesmo um estudo técnico fundamentado que justifique e quantifique a tal economia para o poder público com a compra direta vis-à-vis os impactos nas centenas de empresas e milhares de trabalhadores do setor de agências de viagens. E o mesmo vale para os demais segmentos produtivos que serão alvo da central de compras em breve.
Além disso, no caso dos bilhetes, o Estado passará a agir como uma imensa agência de viagem, concorrendo com a iniciativa privada. Os serviços prestados pelas agências vão além da simples compra de bilhetes e o ministério chegou a se manifestar no sentido de que esse conjunto de serviços poderá vir a ser prestado concentradamente por duas ou três agências – certamente de grande porte – em vez das pequenas empresas que hoje estão legalmente contratadas e empregam muita gente.
Um absurdo este governo adotar, quando lhe convém, o discurso de apoiar as pequenas empresas e ao mesmo tempo interromper um importante nicho de negócios para esse mesmo segmento. E foi com pompa que a atual presidente da República assinou, no dia 15 de maio de 2014, a Lei número 12.974, a chamada “lei das agências de turismo”, em que está expresso ser “privativo” das agências as atividades de venda comissionada ou intermediação remunerada na comercialização de passagens. O que vale para os brasileiros, pelo jeito, não vale para o governo.
* Presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens do Distrito Federal (Abav-DF).
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