Contrária à reforma da Previdência, a deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ) foi escolhida relatora do decreto presidencial que formalizou, na última sexta-feira (16), a intervenção federal na segurança público do Rio de Janeiro. Ela sabe que propostas de emenda à Constituição (PECs), caso da reforma, não podem ser promulgadas enquanto perdurar intervenção da União em quaisquer dos entes federativos, nos termos da própria Carta Magna. Instada pelo Congresso em Foco as opinar sobre as chances de a reforma da Previdência ir a voto, a emedebista foi sintética: “Esquece”, gracejou. “Vai dormir em paz, que eu já estou em paz. Eu já estava, antes. Agora, mais do que nunca.”
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Laura Carneiro sabe que o governo, embora não admita publicamente, vê cada vez mais distantes as chances de aprovação da reforma, considerada impopular. Sabe também que pode ser barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o “jeitinho” encontrado pelo Palácio do Planalto para manter as aparências de não desistência da proposta: o presidente Michel Temer disse ter acertado com o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), que suspenderia a intervenção caso conseguisse os 308 votos necessários para aprovar a PEC. Com a condição, prontamente aceita por Pezão, de que não seria desfeita a estrutura organizacional montada para que as Forças Armadas entrem em ação – general Walter Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste, à frente.
Em outro flanco, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), consultará o Supremo para saber se, enquanto a intervenção estiver em curso, o Parlamento pode ao menos discutir e votar a reforma, deixando para promulgá-la ao fim do decreto. Assim, a observância à lei estaria resguardada e nada mais haveria no caminho das mudanças pretendidas por Temer. Trata-se do mundo ideal imaginado e almejado por governistas, com base em entendimentos já manifestados por consultores do Congresso e juristas.
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Laura vai enfrentar uma oposição com vários discursos na ponta da língua – entre eles o de que a intervenção serve para tirar de foco o inquérito sobre o “Decretos dos Portos”, que investiga suspeita de propina para Temer, e o de que se trata de uma “cortina de fumaça” para esconder o fracasso do governo na busca de votos pró-reforma da Previdência.
Dizendo-se esperançosa no êxito da intervenção, a deputada minimizou a resistência oposicionista e disse à reportagem que os adversários de Temer hão de compreender que o amargor do “remédio” é imprescindível. “Acho que eles vão ter a compreensão de que o remédio é amargo, mas que é o único que tem nesta altura. E que não é intervenção militar! É uma intervenção federal, com um novo modelo”, ponderou a emedebista, informando que, além de apresentar o relatório favorável ao decreto, vai fazer uma sugestão orçamentária para Temer custeá-lo adequadamente.
“Sem recurso federal, não tem intervenção. Com os recursos do estado [do Rio] é impossível”, acrescentou Laura, para quem o fato de Temer ter incluído o ministro Osmar Terra (Desenvolvimento Social e Agrário) nas reuniões estratégias sinaliza que a intervenção terá, paralelamente, uma veia de política social. “Por outro lado, quando vem [ao Rio] o [ministro da Fazenda, Henrique] Meirelles, ele dá um indicativo de que os recursos serão da União”, emendou.
Mas tanto otimismo esbarra na disposição oposicionista em enfrentar as ações de Temer – principalmente a reforma da Previdência, que não pode ser promulgada enquanto uma intervenção federal esteja em vigor. Líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS) já avisou que sua bancada obstruirá todos os projetos até que a reforma seja arquivada. “Enquanto ela não estiver enterrada, estaremos em obstrução. Não votaremos nenhum tema”, avisou o parlamentar. “Vamos mobilizar o nosso pessoal, votar contra, trabalhar para derrotá-los.”
Intervenção (com interventor) militar
A obstrução irrestrita anunciada pelo PT é embalada pelo discurso de que Temer, ao recorrer aos militares para resolver um problema estadual, sinaliza que pode ir além. Paulo Pimenta evita projetar cenários e a hipótese de mais intervenções em outros estados, mas demonstra preocupação com os próximos passos do governo. “Esse decreto pode abrir um processo enorme, mas seria uma aventura de minha parte tentar adivinhar qual é o próximo estado [a sofrer intervenção]”, declarou o deputado petista, para quem o decreto de Temer é uma “irresponsabilidade”.
Segundo Paulo Pimenta, entre as razões da medida está a criação de uma “pauta para um governo desacreditado, rejeitado por 97% da população”.
“É uma ação politiqueira. Já existe uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem, recurso legal para situações de descontrole] no Rio. Desde julho do ano passado as Forças Armadas já estão autorizadas a atuar. Até hoje, sequer foi elaborado um plano de segurança pública com as demais forças do estado. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de noção sobre segurança pública sabe que as Forças Armadas não têm preparo, nem treinamento, para enfrentar o crime organizado. O crime organizado se combate com inteligência, planejamento”, acrescentou o deputado.
Neste ponto da entrevista, Paulo Pimenta aprofundou a caracterização do governo. “O Ministério Público Federal definiu Temer como chefe de quadrilha, de uma perigosa organização criminosa. Você acha que um chefe de quadrilha, de organização criminosa, vai ter alguma autoridade para anunciar ao país alguma proposta de combate ao crime? Isso é uma coisa absolutamente sem seriedade. Temos no país, hoje, uma organização criminosa que tomou de assalto o país. É uma organização criminosa do que qualquer outra, roubaram mais do que qualquer outra”, concluiu.
Mas Laura Carneiro faz questão de afastar a tese suscitada em setores da opinião pública. “O fato de o interventor ser um militar não quer dizer que seja uma intervenção militar. Ele pode usar o Exército, a Aeronáutica e a Marinha? Pode, mas também pode usar a Abin [Agência Brasileira de Inteligência], a Polícia Federal, a Força Nacional [de Segurança Pública], a Polícia Rodoviária Federal”, enfatizou.
Tranquilidade pré-tormenta
Um dos parlamentares mais ligados a Temer, o vice-líder do governo Darcísio Perondi (MDB-RS) parece não se abalar com a reação oposicionista e a possível repercussão do decreto em parcela da opinião pública. O peemedebista manifestou à reportagem a crença de que a votação do decreto terá, rapidamente, início e desfecho favorável ao governo e acabará por transferir o desgaste para os adversários. “A oposição vai usar todos os mecanismos para se enterrar mais, mas nós vamos conseguir votar”, vislumbrou o emedebista.
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O deputado disse que a intervenção é “indispensável” diante do quadro de falência do Estado. “Inocentes estavam morrendo no Rio de Janeiro. Havia perda de controle absoluto da segurança. Uma decisão forte se impunha, e houve a decisão”, declamou o parlamentar gaúcho, não vendo problemas no fato de que o interventor nomeado por Temer é um militar, quando juristas recomendam um civil nesses casos. Mas, de fato, não o dispositivo constitucional sobre intervenção (parágrafo 1º, artigo 36, da Carta) não especifica se o interventor tem que ser civil ou militar.
“Poderia ser um interventor civil, mas chegaram a um militar que tem experiência”, resumiu o emedebista, para quem é “mais um erro do PT” – a exemplo das versões de “golpe” do impeachment e ataques à reforma trabalhista, ele diz – acirrar o discurso contra a intervenção. “O povo quer segurança. Aí o erro do PT será maior ainda do que os outros erros ao longo do governo do Michel.”
Perondi lamentou ainda o posicionamento de Laura Carneiro, sua companheira de partido, a respeito da reforma da Previdência. “A deputada Laura é contra a reforma da Previdência. Ponto. Surpreendentemente é contra”, resignou-se.
Base afinada
Se de um lado a oposição vocifera contra os planos de Temer postos em curso no ano eleitoral, a base de sustentação ao presidente parece alinhada para a execução das providências governamentais. Tanto Rodrigo Maia quanto o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), manifestaram pronto apoio público à intervenção e já garantiram rápida tramitação do decreto que a pôs em vigência – ressalva seja feita ao fato de que Maia, que não participou da decisão sobre a intervenção em seu próprio estado, revoltou-se por apenas ter sido comunicado sobre a medida, vendo-se obrigado a conter sua irritação, acalmado por Pezão. Em ano eleitoral, trata-se de uma pauta positiva bem-vinda, e o deputado nada ganharia com uma eventual objeção.
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E ambos com motivos suficientes para tanto, cientes de que o combate à insegurança pública é ativo político com grande potencial de votos nas urnas. E, coincidentemente, ambos entusiasmados com a pauta de projetos relativos à segurança pública em tramitação nas duas Casas legislativas, por patrocínio deles mesmos. No caso de Maia, uma bandeira empunhada desde o ano passado, quando o Rio já agonizava face à violência e ao crime organizado, a ponto de uma GLO ter sido formalizada em julho. Com determinação de vigência até 31 de dezembro passado, o instrumento garante a presença de tropas militares em situações de grave perturbação da ordem e de claro esgotamento das autoridades originais da segurança pública.
Já Eunício hasteou sua flâmula pró-segurança pública em discurso de abertura do ano legislativo, como presidente do Congresso. Como este site mostrou neste sábado (18), o senador cearense – Ceará, aliás, incluído na ventilada lista de extensões da atual intervenção – compõe o grupo de governistas que garantem a manutenção da pauta mesmo em meio ao furacão do decreto. Eunício é o principal fiador do pacote de nove proposições, duas das quais já aprovadas, pautadas como força-tarefa de combate ao crime.
Tudo seguia seu curso natural no Parlamento até o anúncio da intervenção. Em 7 de fevereiro, por exemplo, foi aprovada por unanimidade (60 votos), e em regime de urgência, a proposta que fixa um prazo de seis meses para que bloqueadores de sinal de celulares sejam instalados em unidades do sistema penitenciário nacional. De autoria do próprio senador Eunício Oliveira, o Projeto de Lei 32/2018 deverá agora ser analisado pela Câmara. Para a base governista no Senado, segue o baile.
“As votações que estavam previstas continuam. A única vedação em função do decreto de intervenção federal, previsto no artigo 60 da Constituição, parágrafo 1º, é com relação à votação de emenda constitucional. Qualquer outro procedimento legislativo, de lei ordinária, lei complementar, não sofre qualquer solução de continuidade”, declarou ao Congresso em Foco o o líder do MDB, Raimundo Lira (PB).
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