A mesma comissão especial da Câmara que aprovou nesta quarta-feira (24) o projeto de lei para punir empresas corruptoras amenizou as possibilidades de sanções a corporações que subornam políticos e fraudam licitações. A proposta aplica multas de até 30% do faturamento anual das firmas envolvidas com corrupção. Mas mudanças no texto original feitas pelos deputados tornaram o projeto aprovado ontem um modelo “desfigurado”, na opinião do presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Álvaro Sólon França. Para ele, o projeto tem méritos, mas foi modificado erroneamente. “O texto encaminhado pelo governo é o ideal”, disse ele ao Congresso em Foco.
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O projeto de lei 6826/2010, do Executivo, responsabiliza administrativa e civilmente empresas corruptoras, que, para impulsionarem seus negócios no Brasil e no exterior, subornam políticos e servidores públicos, fraudam licitações, usam laranjas, falsificam contratos… Quem for processado e condenado administrativamente poderá pagar multas de 1% a 30% do faturamento bruto anual. Se não for possível medir esse percentual, a multa vai variar de R$ 6 mil a R$ 6 milhões.
Mas o texto afirma ser preciso haver “comprovação de culpa ou dolo [intenção]”, por parte das autoridades, para que punições sejam aplicadas às empresas. Só depois que o processo passar por todas as instância judiciais possíveis, será comprovada a intenção de corrupção. Atendendo a emenda de Renato Molling (PP-RS), o relator da proposta, Carlos Zarattini (PT-SP), liberou a continuidade de contratos já firmados com firmas inidôneas quando esses acordos forem considerados “de interesse público”.
O texto define em cinco anos o prazo para prescrição das punições, tempo para que as denúncias sejam extintas por excesso de prazo. O período é considerado pequeno por alguns parlamentares, o que incentivaria o uso de recursos protelatórios por parte de advogados das empresas. Esses cinco anos começam a ser contados a partir da “data da ciência da infração”.
Ao atender uma emenda do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), considerado pela Anfip um opositor da proposta, Zarattini impediu que empresas que tenham comprado firmas corruptas respondam integralmente pelos prejuízos causados pela corporação adquirida. Se empresa corruptora se fundir com outras corporações, a responsabilidade da empresa sucessora será limitada até o patrimônio da firma considerada inidônea. As sanções extras após a fusão só poderão ser pagas se houver simulação ou “evidente intuito de fraude”. Essa simulação ou fraude tem que ser comprovada.
Sem chantagens
A proposta ainda torna lei as declarações de inidoneidade, que hoje a Controladoria Geral da União (CGU) já aplica a algumas empresas envolvidas em escândalos como as operações Sanguessuga e Navalha. Ao entrar nessa lista “suja”, a firma condenada estará impedida por até dez anos de fechar negócios com qualquer prefeitura, governo estadual, União ou estatal no país. Fica proibida ainda de receber empréstimos e incentivos fiscais.
Seguindo outra sugestão de Eduardo Cunha, Zarattini incluiu na proposta que os processos contra empresas não idôneas deixarão de ser tocados por prefeituras e governos estaduais. Passarão a tramitar em órgãos federais. O objetivo é evitar chantagens. “Uma das penalidades é impedir que a empresa obtenha novos financiamentos. Isso, na mão de muitos prefeitos, poderia ser até um instrumento de chantagem contra empresas. É uma coisa delicada”, disse Zarattini, em entrevista ao Congresso em Foco.
Apesar disso, as autoridades responsáveis pelas denúncias continuarão a ser as prefeituras, estados, a União ou o Ministério Público. Os processos administrativos passarão a obedecer a regras judiciais, exigência que já recebe críticas devido à morosidade da Justiça brasileira. Álvaro Sólon, da Anfip, destaca que, apesar de o processo correr internamente na CGU, o caso fatalmente vai parar no Judiciário. “O processo seria demorado na Justiça, mas, se o processo tem uma decisão administrativa, ela pode ser questionada na Justiça”, acrescentou.
Garantias
Zarattini alega que garantias consagradas nortearam seu relatório. “O problema do nosso projeto de lei é que ele trata de um procedimento válido para a União, para os estados e para os 5.500 municípios do Brasil”, disse ele. “Então, temos de levar em conta que a maioria dos municípios – e até mesmo a maioria dos estados – não têm uma estrutura tão capacitada como tem a nossa CGU, aqui em Brasília.”
Segundo o deputado, a mesma preocupação definiu a exigência de constatação do dolo para se punirem empresas. Ele lembra que, como a legislação que pune empresas corruptoras é inédita no Brasil, ela não pode ser utilizada “de forma equivocada”. “Optamos por manter o espírito da lei, a responsabilidade objetiva, por garantir as condições de punir as empresas no Brasil e a atuação delas no exterior, mas tomando os devidos cuidados, para não se transformar em elemento de desestabilização das empresas”, disse Zarattini. “Não podemos ir para o campo da anarquia total.”
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