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“As gravações são uma armação de uma parlamentar da base do governo que responde a um processo por quebra de decoro e está prestes a ter o mandato cassado”, disse a presidente da Câmara Legislativa. “A emenda da acusação foi feita pela própria Liliane Roriz. E esta não foi a única emenda dela para a saúde”, rebateu em entrevista coletiva concedida nesta quinta-feira (18).
Em entrevista à TV Globo ontem (quarta, 17), Liliane contou que a negociação tratava de uma “sobra orçamentária” de R$ 30 milhões, destinada originalmente à reforma de escolas e unidades de saúde. Em dezembro, os distritais aprovaram uma mudança no texto, direcionando o aporte para pagar dívidas do Palácio do Buriti com prestadoras de serviço em UTIs. “[O dia da gravação] Foi quando eu comecei a entender as coisas, que já tinha um negócio que estava sendo concluído por um deputado. Que esse deputado estava trazendo esse negócio e que esse negócio seria dividido em seis partes, e que seriam R$ 30 milhões. Eu não sabia de onde vinha, nem tampouco o percentual disso”, disse Liliane à Globo.
A conversa entre as duas foi gravada logo após a votação do texto. De acordo com o trecho divulgado, a presidente da Câmara conversa com Liliane sobre “o negócio do recurso”, e diz que vai incluir a vice-presidente da Casa “no projeto”. A filha do ex-governador Joaquim Roriz afirmou que a conversa ocorreu porque ela ficou “muito chateada” com a alteração no destino das verbas.
“Deixa eu contar. O que aconteceu? Hoje, nós vamos falar com o secretário de Saúde. A gente colocou recurso para ele agilizar a… o negócio do recurso. Mas você tá no projeto, entendeu? Você não tá fora do projeto não. Você tá no projeto, mandei Valério falar com você”, continua a presidente da Câmara”, diz Celina, referindo-se ao então secretário-geral da Casa, Valério Neves.
Em outra conversa, entre Liliane, que é filha de Joaquim Roriz – quatro vezes governador do Distrito Federal – e Valério Neves, o então secretário-geral diz que o distrital Cristiano Araújo (PSD) conseguiu o “negócio” das UTIs. Segundo Valério, o “negócio” de Cristiano poderia render “no mínimo 5% e no máximo 10, em torno de 7%”.
Publicidade“Quem sabe disso são só os cinco membros da Mesa e o Cristiano”, acrescenta Valério. Fazem parte da Mesa Diretora Bispo Renato Andrade (PR), Júlio César (PRB), Raimundo Ribeiro (PPS) e Celina Leão.
Celina Leão sustenta que os áudios “estão evidentemente editados e as conversas estão fora de contexto”. Disse ainda que “rejeita qualquer acusação de prática de ato ilícito e que confia nas investigações para a apuração da verdade”. Acusa ainda o governador Rodrigo Rollemberg de estar por trás das denúncias para esvazia a CPI da Saúde – que investiga desvios na Secretaria de Saúde.
O Ministério Público do Distrito Federal, por sua vez, informou que foi aberto um procedimento investigativo na esfera criminal para apurar as denúncias apresentadas por Liliane Roriz.
Rixa antiga
Celina Leão e Liliane Roriz são adversárias políticas desde a campanha de 2010. Na ocasião, o clã de Roriz preferiu apoiar Celina, que foi assessora de Jaqueline Roriz – condenada pela Justiça do Distrito Federal, em vez de investir em Liliane. Quando ambas foram eleitas presidente e vice da Câmara Legislativa, em 2015, houve uma calmaria na relação entre as parlamentares – interrompida com as gravações divulgadas pela filha de Roriz.
Segundo Celina, uma das gravações foi feita exatamente neste contexto apaziguador vivido pelas duas. “Ela me chamou para um almoço na casa dela. A conversa foi totalmente coloquial. Falamos de tudo. Mas, fiquei sabendo ontem que ela gravou”, conta a presidente da Casa. Nos áudios desta conversa na casa de Liliane, a presidente fala abertamente que seu gabinete é “cheio de analfabetos”. “Ela falou coisa muito pior”, defende-se Celina sem dizer o que a adversária política teria falado.
No contexto político, a Câmara Legislativa e o Governo do Distrito Federal passam por um período de turbulência desde que foram denunciados esquemas fraudulentos na Secretaria de Saúde pela sindicalista Marli Rodrigues. O material apresentado por Marli, porém, não envolvia a cúpula da Câmara Legislativa.
Cassação
Internamente, após as denúncias, a cassação de Liliane Roriz é dada como certa na Casa. Já tramita na corregedoria da Câmara Legislativa uma denúncia contra a deputada apresentada pela OnG Adote Um Distrital com base na condenação dela por improbidade administrativa.
Segundo o corregedor da Câmara Legislativa, deputado Rafael Prudente (PMDB), as denuncias apresentadas por Liliane devem dar início a uma nova investigação que será posteriormente encaminhada à Comissão de Ética da Casa. Prudente, porém, ressaltou que ainda não se tem dimensão da punição que Celina Leão e os outros parlamentares citados podem sofrer. “É cedo para dar uma opinião sobre o assunto”, afirmou ao Congresso em Foco o parlamentar que é filho do ex-deputado Leonardo Prudente, envolvido no escândalo da Caixa de Pandora – que acabou tirando do poder o então governador José Roberto Arruda.
Em maio deste ano, a Justiça do Distrito Federal aceitou denúncia contra Liliane Roriz por lavagem de dinheiro. Segundo a denúncia do Ministério Público, a deputada recebeu dois apartamentos em Águas Claras, bairro de classe média do DF, fruto de crimes contra a administração pública. Por unanimidade, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça local decidiu tornar a parlamentar ré no processo. Os promotores alegam que os imóveis foram dados a Liliane em troca de favores políticos.
Repercussão
Companheiro de partido de Celina Leão, o deputado Raimundo Ribeiro (PPS) saiu em defesa da presidente da Casa e afirmou que Liliane está denunciando um ato assinado por ela mesmo. “Até o momento as informações são desencontradas”, disse o parlamentar.
Por outro lado, Chico Vigilante (PT) ressalta a gravidade das informações a lamenta o fato de a Câmara Legislativa está novamente no foco de denúncias de corrupção. “Nós podemos estar vendo o início de uma nova Caixa de Pandora, e Brasília não suportará outro escândalo dessa magnitude”, lamentou.