No Brasil, era tudo mais do mesmo. Entrevistas com os mais de 15 pré-candidatos ao Palácio do Planalto, operações policiais e uma rodada de julgamentos de grande repercussão no STF. Enquanto isso, eu estava em um oásis. Passei o domingo (22/04) na Avenida Paulista, em um forte democrático construído em plena selva de pedras para reafirmar os valores que nos fizeram progredir nos últimos 30 anos.
Esse dia deixou marcas profundas em mim. Ainda estou reflexivo sobre tudo o que vi e vivi naquele evento, que ficou conhecido como o Dia pela Democracia. Em plena Paulista Aberta, com famílias lotando a principal rua da capital paulista em busca de lazer e cultura, inúmeros movimentos de renovação política (praticamente os mesmos que citei em artigos passados) se reuniram em torno de um desejo compartilhado: que a democracia siga ditando as regras do jogo.
O consenso acerca da defesa da democracia chamava a atenção, em especial por estarem representadas no mesmo local visões distintas para o Brasil, desde posições políticas liberais até as mais socialistas. O simbolismo também estava em ver pessoas defendendo causas com civilidade, sem agressões verbais ou físicas. Parece mentira, mas ainda é possível discutir a prisão do Lula, a Operação Lava Jato e a destituição do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff sem trocar socos ou xingar o outro de “coxinha” ou “petralha”.
Nesse período de quase oito horas de atividades ininterruptas, eu estava lá com o pessoal da Virada Política. Em nosso espaço, conduzimos uma dinâmica simples, porém muito significativa: trocamos um pedaço de bolo por conversa política. O bolo de cenoura com cobertura de chocolate e o cartaz com folha A4 chamaram a atenção e muitas pessoas pararam para conversar conosco.
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Em todos os diálogos eu mais ouvi que falei. Primeiro, porque senti que muitas pessoas que se aproximavam, além de provar o bolo, queriam desabafar sobre o que estavam sentindo, sem serem julgadas ou enfrentarem longas discussões, como nos posts do Facebook. Segundo, porque estava sedento por aprender com cada uma daquelas pessoas, por acreditar que nenhuma posição política (seja mais à esquerda ou à direita) vem por acaso, pois é parte de experiências acumuladas ao longo da vida. Quando falava, buscava mostrar que havia motivos para acreditar na democracia e encorajá-las a contribuir de alguma forma com a renovação política.
Em alguns momentos, logo após a resposta à primeira e genérica pergunta “o que você acha do atual cenário político?”, as pessoas completavam com um defensivo “e você, o que acha?”, já esperando uma réplica minha chamando para o embate. Ao verem que não estávamos lá para julgar ou convencê-los de alguma verdade irrefutável, o tom ameno e conciliador seguia ao longo da conversa.
Amor, fraternidade, empatia e participação. Esses elementos precisam estar mais presentes na nossa sociedade e nos diálogos políticos que promovemos. Para além da crise político-institucional que vivemos, a forma como o ambiente polarizado está direcionando as ações dos cidadãos é, de igual maneira, danosa para o futuro da nossa democracia. Espero, de coração, repetir mais vezes o experimento do último domingo, assim como incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo.
Como não custa lembrar, este ano completamos 30 anos desde que a Assembleia Nacional Constituinte promulgou a Constituição, pilar fundamental da nossa democracia. Em seu pronunciamento, o presidente da Câmara dos Deputados e importante opositor da ditadura militar, o Dr. Ulysses Guimarães, disse esta frase, que precisa ser lembrada todos os dias: “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança”.
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