Cassado há cinco anos, em 11 de julho de 2012, por envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o ex-senador Demóstenes Torres (DEM-GO) quer anular o processo por quebra de decoro parlamentar que, aberto no Conselho de Ética do Senado e levado em meio a muito alarde ao plenário, foi aprovado por 56 votos a 19. Uma das principais vozes da oposição no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff, o ex-senador reassumiu, no final de junho, o cargo de procurador de Justiça do Ministério Público de Goiás, em Goiânia, depois de quase cinco anos afastado, e entrou automaticamente em férias. Mas não quer a calmaria: nesta semana, encaminhou ao presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), um documento de cem páginas em que pede, além da anulação da cassação, a devida restituição do mandato e dos direitos políticos perdidos.
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A reação do ex-parlamentar tem sido noticiada desde 20 de junho. Demóstenes pede que o Senado acompanhe a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 25 de outubro de 2016, de anular provas usadas contra ele na Operação Monte Carlo, deflagrada pela Polícia Federal em 2012. Por unanimidade, a Segunda Turma do STF concluiu que escutas telefônicas apresentadas pela acusação foram obtidas ilegalmente. Os ministros do colegiado entenderam que o juiz de segunda instância que havia autorizado a produção de provas não tinha competência para fazê-lo. Além da Monte Carlos, a Operação Vegas também promoveu interceptações para flagrar Demóstenes.
Na petição protocolada no Senado, o ex-senador é representado pelos advogados Pedro Paulo Medeiros e Leandro Silva. Reproduzindo trechos da decisão do Conselho de Ética do Senado, o documento é amparado em longo parecer do advogado Lenio Luiz Streck, pós-doutor e membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Os defensores de Demóstenes lembram que, graças à divulgação dos áudios reunidos no conjunto probatório, uma ação penal chegou a correr no Tribunal de Justiça de Goiás, depois do que a Corte Especial do TJ-GO reconheceu por unanimidade a ilegalidade do material, determinando sua exclusão dos autos e posterior destruição.
“[…] ou seja, hoje as provas não só ilícitas, mas inexistentes. Consequentemente, as denúncias foram rejeitadas por falta de justa causa, pois não há lastro probatório algum”, diz trecho da petição.
De volta pra Casa?
Com a decisão do Conselho de Ética do Senado, Demóstenes tornou-se inelegível até 31 de janeiro de 2027 – e, segundo seus advogados, caberia ao comando do Senado tomar as providências para que tal quadro seja revertido. Ao todo, Demóstenes faz quatro pedidos ao Senado, além da óbvia solicitação de recebimento pela Casa: o cumprimento da decisão do STF sobre a anulação das provas; a devolução do mandato de senador; a reversão dos efeitos jurídicos sobre a inelegibilidade; e a intimação de procuradores para a devida ciência a respeito da demanda.
“O Parecer n. 821, de 2012-CEDP do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar também reconhece que as provas são única e exclusivamente originadas e derivadas das indigitadas interceptações telefônicas. Inclusive, todos os documentos produzidos pela imprensa têm sua origem nos áudios interceptados”, diz o ex-senador, acrescentando que o relatório pela cassação considera os áudios como “a fonte exclusiva que a instrui”.
Demóstenes explica que a anulação da perda de mandato se impõe devido à similaridade das decisões tanto no Senado quanto no campo jurídico. “Há completa e absoluta identidade de provas produzidas no processo ético disciplinar com as provas produzidas no processo penal e no processo civil (ação civil pública). Em todos os processos há um único conjunto-probatório já declarado inválido”, alega.
“Questionado pelo peticionante sobre a possibilidade do Senado Federal rever sua decisão e anular a Resolução n. 20, de 2012, Lenio Streck, em parecer anexo a esta petição, diz que diante do que foi decidido pelo Supremo Tribuna Federal, não se cogita de reflexão acerca do tema, mas, ação imperiosa, que se não tomada pelo legislativo, pode ensejar intervenção do Judiciário”, acrescenta o ex-senador.
De olho nas urnas
Ao ficar livre do processo criminal a que respondia por seu envolvimento com Cachoeira, Demóstenes começou a vislumbrar horizontes mais vastos. O cenário era auspicioso: o Tribunal de Justiça de Goiás seguira o entendimento do Supremo de que, com a invalidação das gravações consideradas ilícitas, não havia como responsabilizá-lo por crimes como corrupção passiva e advocacia administrativa (patrocínio de interesse privado perante a administração pública), atribuídos a ele pelo Ministério Público. Ou seja, a ficha do ex-senador, em tese, voltaria a ficar limpa. Restavam os efeitos da decisão do Senado, e eis que os planos foram contidos em junho.
O pedido para que o Senado revisse a cassação já estava pronto quando o ex-senador apareceu na lista dos mais de 400 políticos apontados pela Odebrecht como beneficiários de repasses milionários do grupo (era a confirmação de uma relação de nomes a que o Congresso em Foco teve acesso mais de um ano antes). Na segunda lista, Demóstenes tem o curioso apelido de “Íntegro”. Dono de um discurso radical contra a corrupção e outros desmandos na política, o procurador de Justiça goiano encarnou esse papel nos quase dez anos em que exerceu o mandato no Senado até cair em grampos telefônicos e se tornar o segundo senador a ser cassado pelos colegas na história do país.
Acusado de receber R$ 6,3 milhões da Odebrecht para sua reeleição em 2010, Demóstenes segurou na gaveta o pedido que encaminharia naqueles dias ao Senado, e que só viria a apresentar agora. Demóstenes, no entanto, não quer de volta, propriamente, a cadeira que deixou no Senado. Ele mesmo já admitiu ao empresário Wilder Morais (PP-GO), o suplente que herdou o seu mandato, que isso seria pedir muito. O que deseja mesmo é garantir a possibilidade de disputar a eleição já no ano que vem. Os planos de Demóstenes estão traçados: ele pretende se filiar a algum partido da base aliada do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e tentar uma vaga na Câmara em 2018.
“Grupo dos éticos”
Respeitado pelo conhecimento jurídico, Demóstenes era um dos principais nomes da oposição na legislatura passada (2011-2014). Uma das principais lideranças do DEM no Congresso, ele era conhecido no Senado por ser um dos membros da seleta confraria informal chamada de “grupo dos éticos”, espécie de bancada suprapartidária formada por nomes como Eduardo Suplicy (PT-SP), Paulo Paim (PT-RS), Pedro Simon (PMDB-RS), Randolfe Rodrigues (antes no Psol, e hoje na Rede pelo Amapá) e Cristovam Buarque (então no PDT, e hoje PPS do DF). E coube justamente a Randolfe lembrar, na fatídica sessão plenária, quais fatos levaram o Psol a apresentar a representação ao Conselho de Ética.
O primeiro foi o fato de que Demóstenes, de acordo com o confrade amapaense, mentiu aos colegas. O senador goiano foi acusado pelo partido de ter defendido os interesses de Carlinhos Cachoeira no Congresso, além de ter recebido vantagens indevidas decorrentes dessa relação supostamente criminosa. Entre elas, um rádio Nextel usado para se comunicar com o bicheiro regularmente. “A nenhum agente público cabe receber favores de qualquer agente privado, ainda mais de um contraventor conhecido”, afirmou Randolfe na sessão que cassaria Demóstenes.
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