Paulo Nathanael Pereira de Souza*
Quando se pensa em mercado de trabalho, há que dividi-lo, segundo a sua verdadeira estrutura: de um lado, os empregos formais, que entre nós se regem pela CLT, e de outro, as demais relações de trabalho, que envolvem formas as mais variadas, como: profissionais liberais, comércio de esquina, indústria caseira, empreendedores diversos, etc, etc. Até porque, em termos quantitativos, o mercado brasileiro hoje se reparte meio a meio, entre celetistas e trabalhadores informais, com forte tendência de ultrapassagem daqueles por estes.
Apesar disso, quando se fala em reforma trabalhista – uma exigência inadiável destes tempos de modernidade e mundialização –, arma-se por toda parte uma verdadeira tempestade em copo d’água, dado o fato de que quem pensa em trabalho parece pensar só em emprego. Ademais, não se pode ignorar que uma série de gigantescas instituições, como os sindicatos patronais e trabalhistas, os órgãos da Justiça e do Ministério do Trabalho, e Emprego, formam uma floresta, cujas raízes se aprofundam no solo fértil da CLT. Se mexerem nessa lei sagrada, outorgada à nação pelo santo dos trabalhadores brasileiros, que já não é São José, e sim, São Getúlio Vargas, essa floresta corre o risco de desabar.
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Acontece que, ao se falar em reforma das leis do trabalho, o que se quer na verdade é promover a inclusão, nas proteções possíveis de uma nova legislação, de todo o leque das profissões praticadas ao desabrigo da CLT, sem extinguir o que os cruzados do formalismo empregatício chamam de “sagradas conquistas do trabalhador”, as quais, na verdade, são os bem-aventurados privilégios da empregabilidade formal. Trata-se, pois, de incluir nessa ou em uma nova proteção legal os informais, sem necessariamente mexer com os formais. Estes podem e devem continuar, bem como as estruturas institucionais e sindicais, que cresceram à sua sombra. O importante mesmo é reconhecer como úteis, necessárias e indispensáveis à nova economia as muitas formas emergentes de trabalho, que se foram desenvolvendo ultimamente à margem do formalismo, e cujos agentes permanecem à espera de uma lei, que os ampare, defenda e promova, em nome da isonomia com os demais trabalhadores e da prática de uma Justiça Social, que vá além do atual conceito de empregabilidade.
Os equívocos que, no Brasil, misturam emprego com trabalho também afloram – e com destaque – nas discussões sobre desemprego. E quando o mercado contrata lotes de milhões de novos empregados, como aconteceu no decorrer de 2007, uma certa imprensa, não se sabe, se por ignorância ou por viés ideológico, festeja o feito, como se fora milagre, embora omitindo duas informações igualmente importantes: uma, a de que são em geral empregos de
baixa qualificação, outra, a de que geram salários pífios, de quase nenhum poder aquisitivo.
Ainda que precários, esses empregos servem, todavia, para aliviar o negativismo das estatísticas e dar uma certa euforia à pobreza nacional (pelo menos àquela que ainda crê no trabalho e se nega a pedir demissão do emprego, para tornar-se beneficiária de políticas filantrópicas do tipo bolsa – disso e daquilo).
Mas, o pior problema não está aí, e sim naqueles setores que exigem qualificações maiores do trabalhador para a conquista de um posto de trabalho. São as funções técnicas intermediárias, que permanecem sem titulares por muito tempo, porque não há gente capacitada para ser
contratada. Sabe-se que à medida que se reciclam tecnologicamente as empresas, mormente as que lidam com as atividades dos setores sucroalcooleiro, petrolífero, de construção civil, financeiro, hard e software, entre tantos outros, vão elas se tornando mais exigentes para com
os candidatos a emprego. Nesses casos, o principal culpado pela insuficiência de trabalhadores com preparo mínimo para o exercício profissional é a educação básica de péssima qualidade, praticada hoje no Brasil.
Ademais da incapacidade da escola para entregar à sociedade jovens minimamente qualificados para a inclusão social e o trabalho, ainda ocorre
que a escolaridade média do brasileiro não passa de cinco anos, o que, nos países mais desenvolvidos se mede por dez ou doze. Sobram empregos e escasseiam candidatos com credenciais para ocupá-los. No CIEE, vive-se esse drama praticamente todos os dias, apesar de seu banco de dados apresentar mais de milhão de jovens inscritos.
A empresa pede um estagiário dotado de certo nível de conhecimentos. Enviam-se três ou quatro dentre os melhores desse banco. Não raro, são todos devolvidos, por não conseguirem aprovação nas entrevistas, que tiveram com o RH da empresa. Há quem queira culpar o CIEE por isso. Ocorre que os alunos não são do CIEE, e sim da rede formal de ensino, onde se encontram as escolas públicas e privadas. O CIEE não ensina por não ser escola, apenas intermedeia o produto acabado, que vem do sistema de ensino, e o encaminha para as organizações ofertantes de estágio.
Para se ter idéia da gravidade dessa situação, em tudo e por tudo paradoxal, recentemente, em Santo André, onde havia 49.000 desempregados, deu-se a oferta de 25.000 postos de trabalho (50% do total de desempregados). Sabem quantos puderam ser aproveitados? Apenas 9.200! Daí poder-se dizer que mais grave do que o desemprego no Brasil é a deseducação do jovem, que vê o emprego, mas não o captura por falta de competência intelectual. Quanto vai, ainda, demorar para que as autoridades do ensino deste país consigam enxergar o apocalipse que, de há muito, nos rodeia?
*Paulo Nathanael Pereira de Souza é doutor em educação, presidente do Conselho Diretor do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) Nacional e do presidente do Conselho de Administração do CIEE.
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