Em princípio, o projeto (“torna obrigatório o exame da ordem para todos os que quiserem inscrever-se como advogados”) apenas evita as exceções descritas no Provimento 81/96 da própria OAB. De acordo com a resolução, ficam dispensados do exame, entre outros, “oriundos da magistratura e do Ministério Público e os integrantes das carreiras jurídicas” elencadas naquela lei. A questão é que ao projeto – o mais antigo sobre o assunto – estão atrelados diversos outros, em um emaranhado de proposições sobre o mesmo tema em que figuram duas do próprio Eduardo Cunha: uma que torna o exame gratuito e outra que simplesmente acaba com a sua exigência.
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É o que pretende há muito tempo Eduardo Cunha, que tem imprimido um ritmo acelerado nas votações da Câmara. O peemedebista é militante declarado pelo fim do exame – ou, na impossibilidade de sua extinção, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a prova é constitucional, o deputado ao menos tenta alterações como a desobrigação de pagamento por parte de candidatos a uma carteira da OAB. Se depender de Ricardo Barros, a gratuidade do teste está encaminhada – e até mesmo outras demandas de Cunha, a depender das negociações na CCJ.
“Vou entregar o relatório rapidamente. Vamos colocá-lo em pauta. Sou a favor [da gratuidade]”, disse o relator da matéria ao Congresso em Foco.
Segundo Ricardo Barros, sua equipe de gabinete já foi orientada a priorizar a análise da proposição. Diante da diversidade de sugestões sobre o mesmo assunto, ele diz já prever uma reação dos advogados. “A OAB deverá fazer um lobby para manter o exame”, acrescentou, sinalizando que as propostas que extinguem o exame podem ser incluídas em seu relatório. “Dependendo da forma como for escrito, o relatório vai sofrer mais ou menos resistência.”
Exame “caça-níquel”
Já Eduardo Cunha nega que esteja tratando desse tema com seus colegas. Em litígio constante com a OAB, o peemedebista disse ao Congresso em Foco que está esperando a aprovação de um projeto que atenda ao menos a uma de suas demandas. E explica por que quer acabar com o exame. “Porque é a única carreira em que você se forma e não pode exercer a profissão. Você se forma médico e pode medicar, operar, cuidar de vidas. Se forma engenheiro e constrói prédios. Agora, na advocacia você se forma e só vira advogado se passar em exame de conselho de classe”, ironizou.
Para Cunha, além de injusto, a processo de seleção tem outro viés. “É um absurdo, um exame caça-níqueis”, vociferou. Ele diz acreditar que ao menos o conteúdo de um dos projetos tem chance de ser aprovado. “Ao menos acabar com a cobrança, acabará. A urgência[regimental para votação] não passou na legislatura passada, mas acho que hoje passaria”, finalizou, antes de concordar com Ricardo Barros quanto à possibilidade de lobby por parte da OAB.
O duelo que Cunha trava com a OAB foi usado até como bandeira de sua candidatura à reeleição. Além de registros constantes contra o “nefasto e corrupto” exame em seu blog, palavras utilizadas por ele, a questão foi retratada em material de campanha em nome do deputado (veja na imagem ao lado). “Esta pessoa é contra: o exame da OAB”, diz o banner divulgado em seu perfil no Facebook.
A saga de Eduardo Cunha contra o exame da OAB não é novidade. Como este site mostrou em 17 de outubro de 2012, o então vice-líder do PMDB na Câmara enxertava emenda pedindo o fim da prova em toda e qualquer medida provisória que chegasse ao Congresso. Naquela ocasião, as sete mais recentes medidas sob análise dos parlamentares haviam recebido o “contrabando” de Cunha.Árvore de projetos
Ao todo, 25 proposições estão apensadas ao Projeto de Lei 5054/2005, das quais cinco pedem tão somente a revogação da exigência do exame da OAB (confira a “árvore” de apensamentos). Um desses projetos é do presidente da Câmara (Projeto de Lei 2154/2011), que propõe o fim do exame e já na justificação demonstra o que pensa sobre sua obrigatoriedade.
“A exigência de aprovação em Exame de Ordem […] é uma exigência absurda que cria uma avaliação das universidades de uma carreira, com poder de veto. Vários bacharéis não conseguem passar no exame da primeira vez. Gastam dinheiro com inscrições, pagam cursos suplementares, enfim é uma pós-graduação de Direito com efeito de validação da graduação já obtida”, argumenta Cunha, que apresentou o projeto em agosto de 2011 e lembrou, na própria justificação, que o Ministério Público Federal emitiu parecer pela inconstitucionalidade do exame. Não adiantou: em 26 de outubro daquele ano, o STF decidiu pela constitucionalidade de maneira unânime.
“Esse exame cria uma obrigação absurda que não é prevista em outras carreiras, igualmente ou mais importantes. O médico faz exame de Conselho Regional de Medicina para se graduar e ter o direito ao exercício da profissão?”, indaga Cunha. “Estima-se que a OAB arrecade cerca de R$ 75 milhões por ano com o Exame de Ordem, dinheiro suado do estudante brasileiro já graduado e sem poder ter o seu direito resguardado de exercício da profissão graduada.”
Mas Cunha tem outra carta na manga. Caso não vingue a extinção do exame – não raro o Congresso relativiza decisões do Supremo, em nome da harmonia entre os Poderes –, o peemedebista pode concentrar seus esforços na aprovação do Projeto de Lei 8220/2014. Apresentada em 9 de dezembro passado, a proposição em resumo elimina a taxa de inscrição para o exame da Ordem, ao alterar artigo da lei pertinente. “O bacharel em Direito que queira se inscrever como advogado é isento do pagamento de qualquer taxa ou despesa de qualquer natureza, a qualquer título, para o Exame da Ordem, […] pelo número indeterminado de exames que optar por realizar até a sua final aprovação”, diz o projeto.
Segundo edital publicado em janeiro, a taxa de inscrição para o exame da Ordem passa de R$ 200 para R$ 220 (reajuste de 10%). Levando em conta o valor anterior, o deputado observa no projeto: “Atualmente, mais de 100 mil acadêmicos do último ano de curso e bacharéis fazem a prova pagando taxa de R$ 200. Estão impedidos de trabalhar até se inscreverem na OAB, depois de cinco anos pagando faculdade ou começando a pagar Fies [financiamento estudantil], a maioria gastando com cursinhos e livros para se prepararem para o exame. A esmagadora maioria precisa de ajuda da família para custear todos os gastos desta fase inicial da vida profissional, muitos recorrem a empréstimos…”, diz outro trecho do projeto, que repassa a responsabilidade de custear a prova à OAB, “que possui mais de 700 mil advogados inscritos trabalhando e já pagando anuidades de cerca de mil reais”.
Subscrito por outros 52 deputados (veja a lista), entre eles Jair Bolsonaro (PP-RJ), Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), Tiririca (PR-SP) e Acelino Popó (PRB-BA), que não foi reeleito, o texto tramita de forma conclusiva na CCJ. Isso quer dizer que, uma vez aprovado, o texto segue direto para a análise do Senado – a não ser que algum deputado, no cumprimento das exigências regimentais, solicite nova votação no plenário da Câmara.
Alternativas
O teor de outros projetos reunidos sob o mesmo tema podem ser considerados, ou não, no relatório geral a ser apresentado na CCJ por Ricardo Barros. Um deles (Projeto de Lei 6470/2006), do ex-deputado Lino Rossi (PP-MT), autoriza o bacharel em Direito a se inscrever como advogado sem precisar fazer a prova, optando por comprovar tempo de estágio de dois anos em órgãos públicos, em substituição ao exame da OAB.
Outro projeto (Projeto de Lei 4651/2012), do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), estabelece que o postulante não precisa fazer novamente a primeira fase do exame, já tendo sido aprovado nesta, por ter sido reprovado na segunda fase do certame. Atualmente, a OAB obriga a repetição das duas fases em caso de reprovação no segundo estágio.
A OAB tem evitado polemizar o assunto com Cunha – e com quem quer que queira alterar a legislação referente ao exame. Em uma das mais recentes reações à ofensiva parlamentar, a seccional paulista da entidade (OAB-SP) aprovou em 23 de fevereiro carta de repúdio contra um dos projetos do presidente da Câmara, justamente o que elimina a obrigatoriedade do certame. “O Exame de Ordem é um instrumento que a sociedade dispõe para aferição da capacidade técnica do Bacharel em Direito que pretenda exercer a advocacia”, diz trecho do documento.
Situação
O Projeto de Lei 5054/2005 é de autoria do ex-deputado Almir Moura (sem partido-RJ), que foi indiciado pela Polícia Federal, em fevereiro de 2007, por suspeita de envolvimento com a chamada máfia dos sanguessugas. Esse projeto também tramita em regime de apreciação conclusiva.
Arquivado ao fim da legislatura anterior (2011-2014), o projeto foi desarquivado em fevereiro deste ano e aguarda apenas o relatório de Ricardo Barros para ser votado na CCJ. O deputado, designado relator em 8 de abril, é membro da CPI da Petrobras e, no dia em que Cunha foi prestar esclarecimentos ao colegiado, voluntariamente, fez questão de manifestar publicamente o que pensa sobre o colega, um dos políticos investigados pelo STF no âmbito da Operação Lava Jato.
“Lamentavelmente, o procurador-geral [da República, Rodrigo Janot] pediu que esses processos corressem sem o sigilo, e houve acatamento por parte do ministro [relator da Lava Jato] Teori Zavascki. Estamos aqui e ouviremos tantos outros colegas nossos, na mesma situação do deputado Eduardo Cunha, com abertura de inquérito feita sem absolutamente nenhuma materialidade, sem nenhum indício mais efetivo. […] Então, presidente Eduardo Cunha, a nossa solidariedade a vossa excelência e a todos os demais parlamentares que estão nessa mesma condição, com a sua reputação colocada em xeque por indícios que são absolutamente superficiais”, disse Ricardo Barros, na sessão da CPI da Petrobras do dia 12 de março.
Em tempo: a escolha de Ricardo Barros não foi mero acaso. O presidente da CCJ, Arthur Lira (PP-AL), além de pertencer ao mesmo partido do colega paranaense, foi indicado por Cunha para o posto em um contexto que o elegeu presidente da Câmara. Na condição de chefe da mais importante comissão da Casa, Lira tem a prerrogativa de distribuir a relatoria de projetos entre os membros do colegiado. O deputado alagoano também foi incluído entre os investigados na Lava Jato.