A CPI da Câmara criada para apurar suspeitas de fraudes e outras irregularidades relacionadas à Lei Rouanet, de incentivo à cultura, decidiu chamar, nesta terça-feira (4), o atual ministro da Cultura, Marcelo Calero, e seus três antecessores para prestar depoimento. Juntamente com Calero, também foram convidados os ex-ministros Gilberto Gil, Marta Suplicy e Juca Ferreira, que comandaram a pasta nos governos Lula e Dilma. Ainda não há data definida para os depoimentos.
Na primeira reunião destinada a votações, a comissão definiu seu relator, o mineiro Domingos Sávio (PSDB), e aprovou 15 requerimentos de convite e compartilhamento de informações. Os deputados resolveram, entre outras coisas, pedir acesso à íntegra do inquérito policial da Operação Boca Livre, que resultou na prisão de acusados de fraudar a Lei Rouanet.
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Os parlamentares não chegaram a aprovar os pedidos de convocação pautados. O primeiro nome da lista é o do ator José de Abreu. A maioria dos deputados já havia se manifestado a favor da convocação do artista, mas a reunião foi encerrada antes da conclusão da votação devido ao início da sessão no plenário da Câmara. A análise do requerimento deve ser retomada na próxima reunião, prevista para quinta-feira (6). Ao todo, quase 40 pessoas são alvos dos pedidos pendentes de deliberação. Entre eles, estão investigados na Operação Boca Livre, da Polícia Federal. Na convocação, diferentemente do convite, o comparecimento é obrigatório.
Coautor do pedido de criação da CPI, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) questiona a contratação de um espetáculo teatral de Zé de Abreu, o “Fala, Zé”, com captação de recursos pela Lei Rouanet. “O convite se baseia em uma prestação de contas de 2007 de uma peça de teatro dele. A empresa captadora registrada em nome da ex-mulher dele estava inadimplente no Ministério da Cultura. Queremos saber por que, mesmo assim, a peça captou recursos nos anos seguintes”, disse. Sóstenes também quer convocar a ex-mulher do ator, a produtora Camila Paola Mosquella. “Queremos saber se foi só um erro do ministério ou se foi um ato doloso para burlar a lei”, emendou.
Engano
Atualmente morando em Paris, onde produz um documentário, Zé de Abreu disse ao Congresso em Foco que não tem nada a esconder da CPI, mas considera a suspeita levantada pelo deputado completamente descabida. Ele declarou estar disposto a prestar qualquer esclarecimento.
“Ele está enganado. Não houve empresa alguma. Foi tudo feito com CPF. Foram menos de R$ 300 mil captados. Os shows foram feitos. A Petrobras só paga depois da realização do espetáculo. Eles compraram o show para umas 20 cidades. Fiz em 45”, explicou o ator. Segundo Zé de Abreu, a inadimplência está relacionada à falta de fotos exigidas pelo ministério. “Foi por falta de fotografia da fachada do teatro. Mas muitos dos shows são feitos em cidades pequenas que nem teatro tinham. Faço em igreja, clube, cinema. Tem tudo registrado, não sei por que não mandaram ao ministério”, reforçou.
Segundo Zé, os parlamentares demonstram desconhecimento da lei de incentivo de cultura. “Não houve arrecadação de recursos depois daCamila se tornar inadimplente, simplesmente porque só se presta contas – e, portanto, só se pode tornar inadimplente – quando fecha o processo. Só houve uma arrecadação, da Petrobras. Eles não entendem a lei”, declarou.
Conhecido por suas posições políticas claras, pela proximidade com o PT e pela língua ferina, Zé de Abreu atribui sua convocação a um revide do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, aliado do deputado Sóstenes Cavalcante. Malafaia e Zé já trocaram acusações diversas vezes pelas redes sociais. “É porque defendo gay, defendo puta e outras minorias”, disse o artista.
“Fique tranquilo, Zé de Abreu, na CPI da Lei Rouanet, você terá todo o tempo para se defender dessa e inúmeras outras q ñ foram colocadas”, provocou o líder religioso no Twitter assim que o requerimento de Sóstenes foi apresentado.
Também pastor da Assembleia, o deputado do DEM nega interferência do colega de igreja em sua atuação parlamentar. “Sou um parlamentar eleito com 104.697 votos de eleitores do Rio e não o pastor Malafaia. Se ele foi um dos eleitores que votaram em mim, não devo satisfação”, retrucou.
Segundo Sóstenes, o fato de Zé de Abreu morar na França não será problema para a CPI ouvi-lo. “Se qualquer convocado tiver problema financeiro para viajar até Brasília, a CPI, com seu poder de polícia, tem recurso. Podemos mandar a passagem”, disse ao Congresso em Foco.
Réu no comando
Como mostrou este site, o presidente da comissão parlamentar de inquérito é o deputado Alberto Fraga (DEM-RJ), um dos líderes da chamada “bancada da bala” e réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por concussão (exigir vantagem indevida), peculato, falsidade ideológica e crimes contra o sistema nacional de armas. O parlamentar ainda é investigado nos inquéritos 3967 e 3965 por crimes contra a Lei de Licitações.
Presidente da Frente Parlamentar pela Segurança e coronel da reserva da Polícia Militar, Alberto Fraga já foi condenado em segunda instância no Tribunal de Justiça do Distrito Federal pelo crime de porte ilegal de arma de fogo e de munições de uso restrito. Ele recorreu, e o caso tramita agora no Supremo, onde ele recorre. Fraga foi condenado a quatro anos de prisão e pagamento de multa, sentença convertida em prestação de serviços à comunidade. Em maio, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo que o deputado comece a cumprir a pena. Os ministros ainda não se manifestaram.
Peppa Pig
Na justificativa para a abertura das investigações, Fraga e Sóstenes citaram desde incentivos fiscais em favor do funkeiro MC Guimê a produções teatrais voltadas ao público infantil, como Peppa Pig e Shrek. Captações milionárias para cantores como Cláudia Leitte e Luan Santana também são mencionadas. No requerimento, os deputados alegam que o governo federal renunciou a receitas de R$ 5 bilhões nos últimos quatro anos com base na lei.
O prazo para as investigações é de 120 dias, prorrogáveis por 60. O PSDB, com 25 assinaturas, o DEM e o PSD, com 20 cada, foram os partidos que mais apoiaram a criação da CPI que vai apurar suspeitas de irregularidades na concessão de incentivos fiscais para artistas por meio da Lei Rouanet. Em nota divulgada no último dia 15, o Ministério da Cultura colocou-se à disposição da CPI para eventuais esclarecimentos, mas disse estar preocupado com “possível queda nos recursos para financiamento da atividade cultural, uma vez que grandes empresas contribuintes podem se ver impedidas de patrocinar projetos por meio da isenção fiscal devido a regras de compliance que as regem”.