Creomar Lima Carvalho de Souza*
Mais uma semana se passa e mais uma onda de escândalos, vazamentos, denúncias e acusações sacodem o mundo político de Brasília. De forma mais surreal que uma sala de jantar filmada por Buñuel, a esplanada dos ministérios treme sob o horizonte da sombra de um futuro aterrador para os entes políticos. Porém, da mesma maneira que os jovens procuradores e juízes de primeira instância tiram o sono da geração política de 1988, o povo parece dar sinais claros de que segue adormecido e naturalizado diante de uma quantidade estapafúrdia de crimes de toda ordem.
Desse modo, vale perguntar: quando o povo simplesmente deixou de se indignar com a situação política? Ao nos debruçarmos sobre a literatura de história política brasileira, pode-se observar um número significativo de obras que tentam compreender os sentimentos do populacho diante das intempéries do mundo político. Dentre tais obras, a que desperta maior preferência neste escriba é o trabalho intelectual de José Murilo de Carvalho intitulado – Os Bestializados. No referido escrito, o autor retrata as reações do povo da cidade do Rio De Janeiro após os eventos que instituem a República brasileira em 15 de novembro de 1889. Em resumo, o referido intelectual consegue sumarizar em um termo os sentimentos públicos com o nascimento de um novo regime e os eventos daí derivados.
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Pois bem, o Império caiu, a República passou por diversos momentos e chega-se ao ano de 2017 com a plena sensação de que o país tem dono e que o registro de propriedade não está direcionado ao povo e não é lavrado com cidadania. Ao contrário, permanecem as práticas ilícitas, o mau uso da coisa pública e a necessidade clara de encaminhamento de algum tipo de mudança que retire esse arremedo de nação chamado Brasil das trevas do corporativismo medieval e lance o país em algum tipo de modernidade na qual o espírito de cidadania e suas implicações sejam realmente internalizadas. E aqui surge outro questionamento: qual o maior entrave para a modernização de fato da sociedade brasileira? A proposição é simples e direta, o maior entrave para a modernização do país é a própria sociedade brasileira.
O ponto aqui defendido é que os escândalos de corrupção que marcam o cotidiano político nacional são apenas um reflexo de uma sociedade marcada profundamente pela ideia de que a coisa pública é um bem que deve ser usufruído por aqueles que alcançam determinadas esferas de poder. Nesse sentido, é possível afirmar que o republicanismo que se construiu a partir da bestialização da cidadania se consolidou no tempo em um tipo de naturalização, processo no qual as pessoas simplesmente pararam de se chocar ou de se incomodar com o número de desmandos cometidos por entes que teoricamente são responsáveis pela manutenção do bem-estar social em âmbito coletivo.
Nestes termos, o povo que saiu as ruas contra desmandos em meados de 2013, percebeu rapidamente que qualquer tipo de mudança real no status quo político, necessariamente envolveria mudanças profundas em termos de vivência cotidiana, levando a uma escolha direta entre dois tipos de posicionamento: acomodação ou mudança. Especificamente, pode-se inferir pelo atual nível de participação popular que parte considerável da sociedade brasileira optou por uma postura de acomodação, na qual o choque entre algumas instituições e seus representantes é visto em termos claros como uma espécie de reality show e aqueles que não estão diretamente envolvidos se colocam como meros espectadores naturalizados ante uma realidade política que insiste em resistir à mudança.
Publicidade*Assessor de Relações Institucionais e Governamentais e professor na Universidade Católica de Brasília.
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