Mais que de transição, é de emergência o futuro governo de Michel Temer. Herdará um país em frangalhos, com tudo por fazer e refazer: na economia, na política e na autoestima do Brasil.
Não há tempo a perder e não há espaço para errar. O país já esperou, sofreu e errou demais. A força capaz de nutri-lo – e é essencial que não se perca isso de vista – não virá das cúpulas partidárias, nem dos arranjos, por mais engenhosos, de bastidores ou do atendimento a interesses corporativos.
Virá das ruas, da fonte e origem de todo esse processo, que levou ao fim a Era PT. É essa a peculiaridade deste momento histórico: não foram os partidos que moveram a população, mas o contrário. Foi o clamor das multidões que levou os partidos a agir.
Temer, embora detentor de prestígio no campo jurídico e de densa bagagem política, chega ao poder sem o lastro de uma eleição nele focada. Foi eleito como vice; teve, portanto, votos, mas por tabela. Terá de compensar buscando interpretar as multidões que apearam a presidente.
Tancredo Neves viveu, em outra circunstância, essa realidade. Capitalizou a frustração das Diretas-já e arrastou ao colégio eleitoral a expectativa popular. Itamar Franco fez o mesmo: governou para a sociedade e não para os partidos. Esse gesto deu-lhe a força moral de que carecia para cumprir a missão.
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Cabe ao futuro presidente dar sinais claros de que não fará dessa ocasião singular mera reprodução do modelo que acaba de ruir. Não pode fazer do Estado e de seus cargos moeda de troca política, buscando nessa prática, variante do mensalão, a fonte da governabilidade. Não funciona, como constatou tardiamente a presidente Dilma Rousseff.
PublicidadeDeve, isto sim, pautar-se em dois exemplos que nos vêm da Argentina: o presidente Maurício Macri e o Papa Francisco. O primeiro enfrenta, sem hesitar, o populismo institucional dos Kirchner, adotando medidas amargas, corajosas e necessárias à reconstrução do país; o segundo, ciente da eficácia e da força do exemplo – e a política move-se também em torno de símbolos –, abdicou de luxos pessoais e adotou hábitos simples, que o identificam com a realidade sofrida em que vive o povo.
E o que querem os milhões que foram às ruas? Um Estado mais eficiente e enxuto, mais transparente. Um Estado em que a sociedade se veja refletida. Deve, portanto, cortar mordomias, a começar pelas de seu próprio cargo. Menos promessas e mais ação – eis, em síntese, a receita.
Nada de comitivas gigantescas em viagens ao exterior ou de cargos inúteis em profusão; trocar o caríssimo Airbus por um jato da Embraer. Numa palavra, aproximar-se do povo, reduzir o abismo que o separa dos governantes; munir-se de autoridade moral para pedir sacrifícios a uma sociedade que já contabiliza mais de 11 milhões de desempregados.
Os primeiros sinais não são alentadores. Temer, ao que parece, recuou do anúncio de que cortaria à metade os ministérios – e já discute com os partidos o seu loteamento. Repete aí o PT.
São hoje 32 ministérios. Oscar Niemeyer projetou a Esplanada dos Ministérios com 17 prédios; Juscelino, que a inaugurou, governou com 12 ministros. E há ainda os milhares de cargos em comissão, criados não para atender o público, mas à militância.
É preciso sinalizar desde o início que se inaugura de fato uma nova etapa, com mudança radical de rumo. Para tanto, é preciso coragem, ousadia. Temer precisa deixar claro que não postula reeleição, que fala para a História e não para os partidos.
Coragem, presidente. Se a demonstrar, terá o povo a seu lado – e tendo-o, nada será capaz de ameaçá-lo.
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