Mário Coelho e Edson Sardinha
Artistas, juristas e representantes de entidades de classe participaram nesta quarta-feira (26) de uma audiência pública no Senado para discutir a inclusão do direito à felicidade na Constituição Federal. Durante aproximadamente três horas, os participantes analisaram o mérito da proposta, que tem apoio de diversos artistas e entidades de classe.
“Foi muito bom para começarmos a debater a proposta”, avaliou o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), autor do requerimento da audiência pública e presidente da Comissão de Direitos Humanos, palco da reunião.
Entre os convidados, o representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Daniel Seidel, foi o único a criticar a proposta. Já o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Martins Filho, o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Luciano Borges, o diretor da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) Alexandre Camanho, o advogado Marco Anntonio Costa Sabino e o maestro João Carlos Martins defenderam veementemente a mudança na Constituição.
Virtudes morais
Recorrendo ao filósofo grego Aristóteles, Ives Gandra disse que o objetivo maior do Estado é tornar os cidadãos “amigos”. “O que vai fazer qualquer um de nós atingir a felicidade é a prática das virtudes morais. A felicidade supõe sair de si e se preocupar com os outros. Sair de uma visão egoísta e partir para uma visão altruísta”, declarou o ministro.
Autor da redação que altera o artigo 6º da Constituição, Marco Antonio disse que a aprovação da proposta de emenda constitucional traz ao debate a necessidade de o Estado prover os direitos sociais já previstos em lei. Ele ressaltou que a discussão não é nova na área jurídica e que, se fosse ruim, nem estaria sendo debatida.
Pela proposta do advogado, a Constituição sofrerá a seguinte alteração: “Art. 6º. São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Entidades como a Associação Nacional dos Procuradores da República, Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais e diversos artistas, intelectuais e líderes sociais apoiam a iniciativa, por meio do movimento batizado de + Feliz.
A realização da audiência pública foi uma forma de introduzir a questão no Congresso. O senador Cristovam Buarque disse que cogita, inclusive, promover um novo encontro para discutir mais a fundo a possibilidade de incluir a felicidade na Constituição. “Um debate sem opiniões contraditórias não pode existir”, disse o pedetista, ao considerar salutar a crítica feita pelo representante da CNBB.
Entre os convidados, o único a ficar reticente com a proposta foi o representante da CNBB, Daniel Seidel. Segundo ele, a entidade quer discutir com mais profundidade a proposta por ter receio de que a iniciativa seja uma estratégia de marketing. “Queremos compreender como a ideia se originou e quem são os principais articuladores dessa iniciativa”, afirmou.
Utopia
Para o publicitário Mauro Motoryn, idealizador do movimento + Feliz, que encampa a ideia de modificar a Constituição junto com uma série de entidades, o contraditório é fundamental para que o enriquecimento do debate. Segundo ele, a felicidade é um bem-estar social e o momento, de “reviver uma utopia”. O publicitário lembrou do início do movimento Diretas Já. “No primeiro comício eram seis pessoas. Aos poucos, os movimentos sociais foram aderindo no decorrer do tempo”, disse.
Para o presidente da Anadef, Luciano Borges, o debate é importante para analisar os prós e os contras da “PEC da Felicidade”. “A nossa maior preocupação é dar uma conotação objetiva. A grande proposta é estabelecer instrumentos que, em busca da felicidade, resgatem os direitos sociais”, disse. Para ele, educação de qualidade, sistema de saúde eficiente e uma previdência social que proteja os idosos, por exemplo, são formas de atingir a felicidade.
O diretor da ANPR Alexandre Camanho declarou-se um dos entusiastas da proposta. No entendimento dele, o momento é de mobilizar a sociedade. Para o procurador, a inclusão da felicidade na Constituição deve ser seguida por políticas públicas que contemplem os direitos sociais básicos. “A partir daí, o Estado vai se obrigar a fazer alguma coisa”, afirmou, lembrando que, a partir da previsão do salário mínino na Carta Magna, a União foi obrigada a criar uma política para a área.
O auditório da Comissão de Direitos Humanos estava lotado durante toda a audiência. Cerca de 100 estudantes de uma escola do ensino médio de São Paulo acompanharam as discussões.
Experiência internacional
Diversos países atribuem ao Estado responsabilidade constitucional pela busca de meios para a garantia do direito de ser feliz. A Declaração de Direitos da Virgínia (EUA, 1776) outorgou aos cidadãos o direito de buscar e conquistar a felicidade. Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789), há a primeira noção coletiva de felicidade, determinando que reivindicações dos indivíduos sempre se voltarão à felicidade geral.
Constituições de outros países, como Japão e Coreia do Sul, também determinam que todas as pessoas têm direito à busca pela felicidade, devendo o Estado empenhar-se na garantia das condições para atingi-la.
Alem disso, a felicidade é adotada cada vez mais, por diversas nações, como um dos principais parâmetros para aferir o bem-estar de uma sociedade. Coube ao Butão, país asiático localizado ao Sul da China, o pioneirismo nessa área, ao criar, duas décadas atrás, o índice de Felicidade Interna Bruta (FIB). A experiência recebeu o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e passou a ser replicada em diversas nações.
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