Parlamentares derrubaram há pouco o veto do presidente Michel Temer ao dispositivo da minirreforma eleitoral que, aprovada pelo Congresso (Projeto de Lei 8612/17) em 5 de outubro, impõe limite para o chamado autofinanciamento de campanhas, quando o candidato usa o próprio dinheiro para tentar se eleger. A matéria diz respeito a uma das principais polêmicas eleitorais, a ocorrência de campanhas milionárias em detrimento da natureza popular de cada candidatura. A negativa presidencial foi derrubada na Câmara por 302 votos a 14 (eram necessários ao menos 257 contra o veto) e, no Senado, por votos a 43 a seis (pelo menos 41 senadores contra). Assim, o veto poderia ter sido mantido no voto do Senado, caso três votos fossem a favor.
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O veto de Temer retirou da minirreforma os limites para as doações eleitorais individuais, viabilizando a injeção de mais dinheiro privado em candidaturas e, consequentemente, favorecendo o abuso de poder econômico. A redação sobre o novo limite de doações por pessoa física, que foi vetada, estabelecia que o valor não ultrapassaria 10% do rendimento bruto declarado pelos respectivos doadores no ano anterior à eleição observada, com limite de dez salários mínimos – R$ 9.690 em 2018.
O dispositivo vetado daria vigência à regra que fixa como limite para doações desse tipo os 10% dos rendimentos brutos declarados no ano anterior ao pleito em questão – ou seja: para 2018, valem os rendimentos de 2017. Assim, cairia a barreira de dez salários mínimos defendida por alguns parlamentares. O texto encaminhado à sanção fixava as doações 7% das despesas no caso dos candidatos a cargos proporcionais (deputados e vereadores) e de R$ 200 mil para postulantes a cargos majoritários (prefeitos, governadores, senadores e presidente da República).
Na sanção do projeto de lei em questão (minirreforma), Temer manteve os limites de gasto para campanhas aprovados por deputados e senadores, além do fundo eleitoral com dinheiro público para bancar candidaturas. Doações e recursos do fundo eleitoral criado por iniciativa do Senado obedecerão a condições especiais, de acordo com cada cargo eletivo pretendido (leia os principais pontos abaixo).
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Tensão
A determinado momento da votação, inciada por volta da hora do almoço, defensores da derrubada do veto queriam que o vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), esperasse o retorno dos deputados e senadores ao plenário, de maneira a que a maior quantidade possível de parlamentares participassem da votação. A estratégia se mostrou acertada, uma vez que, como se viu no placar do Senado, o veto foi derrubado com apenas dois votos de folga, uma margem arriscada para votações do Congresso.
Mas Fábio Ramalho se apressou em abrir o painel de votação antes que líderes partidários pudessem orientar seus respectivos partidos. Assim, aos gritos, diversos deputados anunciaram obstrução e instalaram uma confusão momentânea em plenário. Foi quando o peemedebista decidiu cancelar o início da votação, invalidando a contagem do painel eletrônico – em que diversas bancadas já se haviam manifestado contra o veto de Temer –, e retomou os ritos regimentais que impõem encaminhamento de votação e orientação de bancada, antes da marcação de votos no painel.
Pacificada a situação com o recuo de Fábio Ramalho, o presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), assumiu a Mesa no início da tarde e anunciou que não esperaria por muito mais tempo o deslocamento de parlamentares ao plenário. “Este plenário é soberano. Se houver votos ‘sim’, leva quem tiver maioria de votos ‘sim’; se houver votos ‘não’, leva quem tiver maioria de votos ‘não’”, avisou. Instantes depois, com quase 400 parlamentares em plenário, a votação pôde ser iniciada com votos suficientes para a derrubada do veto nas duas Casas.
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Protestos
Nenhum deputado ou senador defendeu em plenário o veto presidencial. Por outro lado, abundaram as vozes parlamentares contra o fim de limite de doações, que favoreceria campanhas milionárias. Um dos mais experientes deputados da atual legislatura, Espiridião Amim (PP-SC) foi um dos que criticaram o veto de Temer. Ele lembrou que exclusão do limite individual de doações anularia o parâmetro legal de detecção do abuso de poder econômico. Para o parlamentar, o veto provoca desequilíbrio eleitoral.
“É da maior gravidade a manutenção, ou não, deste veto. O Supremo Tribunal Federal já tem decisões que impõem penalidade ao abuso de poder econômico. Ao não estabelecer um parâmetro de participação do candidato mais abonado, a lei estará tentando consolidar o desequilíbrio entre a renda e o uso do dinheiro próprio na campanha eleitoral. É consolidar o desequilíbrio entre a renda e o uso do próprio dinheiro na campanha eleitoral”, declarou Esperidião, conclamando os pares a se manifestar contra a decisão presidencial.
O deputado Léo de Brito (PT-AC) reforçou a observação de Esperidião e declarou que o dispositivo da minirreforma eleitoral “consagra a soberania das campanhas dos milionários”. O petista disse ainda que o limite de autofinanciamento, tal qual formulado pelo Congresso, foi um dos avanços da minirreforma.
“Estabelecemos um limite de autofinanciamento exatamente para evitar que aconteça o que aconteceu nas eleições municipais de São Paulo, quando o candidato vencedor gastou, em autofinanciamento, R$6 milhões. Nós estabelecemos que o limite do autofinanciamento era o limite de doação de pessoa jurídica ou dez salários mínimos. Seria esse o limite para dar isonomia para os candidatos que não têm recursos e para os candidatos que têm recursos”, reclamou o petista.
“Essa emenda tem nome: é a emenda dos ricos, do riquinho Doria. Essa emenda é a emenda Doria. Nós temos que derrotá-la, porque o candidato pode colocar [recursos nas campanhas] sem limites. Ficaria escrito na lei que o candidato não teria limite para colocar dinheiro, e isso não é igual para todos. Por isso, o Psol, claramente, para reduzir custos de campanha, vota ‘não’ a essa proposta”, emendou o deputado Ivan Valente (Psol-SP), referindo-se ao empresário paulista João Doria (PSDB), que se elegeu prefeito de São Paulo, no primeiro turno, nas eleições municipais de 2016.
Veja o limite de gastos concebido pelo Senado para 2018:
– presidente da República: limite de R$ 70 milhões no transcurso de toda a campanha, sendo que metade desse montante será o teto de gastos para eventual segundo turno;
– governadores: entre R$ 2,8 milhões e R$ 21 milhões, a variar de acordo com o número de eleitores de cada estado. No segundo turno, também será considerada a metade desses valores;
– senadores: entre R$ 2,5 milhões e R$ 5,6 milhões, também segundo a quantidade de eleitores de cada estado;
– deputados federais: R$ 2,5 milhões, independentemente do estado em questão;
– deputados estaduais: R$ 1 milhão, também independentemente do estado.
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