Ao longo da terceira semana de março, representantes da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) se reuniram em Brasília, onde discutiram a reforma tributária com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A organização que representa as prefeituras das capitais e demais cidades de grande porte manifestou seu apoio à proposta de reforma do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), distinta da proposta do governo. Duas semanas depois, na terça-feira (28), a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que representa as médias e pequenas cidades, se opôs à pauta da FNP, e seu presidente se manifestou favorável ao modelo trabalhado pelo governo.
A reforma tributária que o governo e a Câmara dos Deputados adotaram como base consiste na unificação dos atuais impostos sobre consumo (ICMS, ISS, IPTU e outros) na forma de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Por esse modelo, uma única cobrança é realizada sobre qualquer aquisição de bem e serviço, e os entes federativos fazem a gestão de parcelas distintas desse valor. A arrecadação do IVA é feita somente sobre a ponta da linha de produção, de forma semelhante aos países europeus.
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A versão proposta pelo senador do Podemos, chamada Simplifica Já, é mais conservadora. Ela preserva todos os atuais impostos sobre o consumo, mas unifica as respectivas legislações. Todos os estados, por exemplo, cobrariam suas próprias taxas de ICMS, mas o imposto teria uma única legislação federal, e não as várias leis estaduais hoje vigentes. O principal objetivo é preservar o IPTU e o ISS, principais fontes de renda dos municípios.
João Campos, prefeito de Recife (PE), em nome das demais capitais, argumentou no encontro da CNM que o Simplifica Já é o caminho mais seguro para uma reforma tributária por preservar as regras atuais do pacto federativo. “O que nós queremos, enquanto município, é clareza dos critérios de distribuição, e como funcionarão os comitês de decisão”, reivindicou.
Poder para os governadores
O IVA é criticado pelos gestores das grandes cidades por entregar aos governos estaduais uma grande parcela de poder sobre a gestão tributária, enquanto o Simplifica Já garante exclusividade dos municípios sobre parte dos impostos. “Se não houver normas claras, diretrizes nacionais, os municípios ficarão no risco de uma decisão do governo de seu estado para fazer a distribuição. Se houver algum tipo de embate com o governo estadual, poderá sim haver uma retaliação em virtude de alguma disfunção política circunstancial entre estado e município naquele momento”, alertou.
Campos tem motivo para esse temor. Seu partido, o PSB, foi derrotado nas eleições estaduais de Pernambuco em 2022, e o estado agora é governado por Raquel Lyra, do PSDB. Cotado para competir ao governo estadual em 2026, João Campos já lidera a oposição entre os prefeitos pernambucanos, moldando espaço para sua candidatura na próxima eleição. Outras capitais também passam por situação parecida, como o caso da cidade do Rio de Janeiro, onde o prefeito Eduardo Paes se prepara para pleitear sua reeleição contra um candidato aliado do governador Claudio Castro.
PublicidadeO prefeito também argumentou que a reforma tributária não deve tratar de forma distinta os grandes e pequenos municípios. Essa preocupação diz respeito ao impacto econômico previsto pelo governo ao desenvolver o IVA: a expectativa é que parte dos grandes municípios passem a receber uma parcela menor dos impostos sobre consumo, que serão direcionados aos municípios menores, muitas vezes dependentes dos serviços das capitais.
Para CMN, um temor infundado
Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, afirma que o IVA ainda é capaz de ser aprimorado na Câmara, e a confederação apresentou suas propostas aos deputados. Ele afirma que o temor dos grandes municípios em um prejuízo em decorrência desta reforma tributária é infundado. “Hoje, uma simulação que temos mostra que se essa proposta for acolhida, dos 100 municípios mais empobrecidos das regiões metropolitanas, somente quatro em tese perderiam alguma arrecadação. Ou seja: quase 100 municípios teriam uma alavancagem muito acentuada na arrecadação, e é exatamente onde o cidadão vive”, apontou.
O líder da CNM também chama atenção para o fato de que o IVA conserta uma das principais distorções no processo de tributação sobre o consumo. “Se em tese eu, que moro em Mariana Pimentel (RS), comprar um veículo em Porto Alegre com o meu CPF e meu endereço, o tributo do IVA vai para o meu município, onde eu moro. Isso acabaria com a ideia muitas vezes difundida de que município pequeno precisa acabar”, explicou.
O Simplifica Já, por outro lado, é visto por Ziulkoski como o caminho mais fácil de aprovação de reforma tributária no Congresso Nacional por apresentar mudanças em grande parte consensuais. Ainda assim, o presidente da CMN prefere o risco do modelo trabalhado na Câmara. “Se não for IVA, não há reforma tributária. Seria uma reforma do ICMS e do ISS, continuando esse manicômio tributário”, defendeu.
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