Desde a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, em 2018, termos associados às teorias de conspiração de Olavo de Carvalho passaram a ganhar espaço nas academias militares, especialmente em trabalhos de conclusão de curso da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Eceme). O Congresso em Foco acessou algumas das monografias desenvolvidas e apresentadas por majores da força terrestre, e pôde constatar um aumento no número de citações ao polemista, um dos principais ideólogos do bolsonarismo, que morreu na semana passada nos Estados Unidos, aos 74 anos.
Em um destes trabalhos, a dedicatória chegou a ser feita expressamente ao guru de Bolsonaro, “por ter avisado sobre os perigos contra a nação, quando ninguém acreditava”.
Somente em 2019, ao menos quatro majores do exército foram aprovados nos cursos de especialização da Eceme após apresentar trabalhos baseados em teorias de conspiração olavistas. Todos eles giram ao redor da ideia de “globalismo”: a narrativa, também defendida pelo ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, de que forças ocultas estariam procurando maneiras de minar as soberanias nacionais para impor pautas progressistas.
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Um desses trabalhos, com o título “O Globalismo e o papel do Exército Brasileiro”, defende que o enfrentamento da suposta ameaça globalista é “também, papel do Exército, influenciando outras instituições e a Pátria como um todo”. Seu autor, um major de cavalaria que referenciou livros e entrevistas de Olavo de Carvalho, afirmou que a suposta elite globalista governava o Brasil até ser derrotada com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e a vitória eleitoral de Bolsonaro em 2018.
Em seu trabalho, o major também afirma que “o papel do ambientalismo no conjunto das iniciativas globalistas é fundamental”, adotando a narrativa olavista para incluir movimentos de defesa do meio-ambiente na teoria de conspiração. Seu trabalho acabou sendo utilizado no ano seguinte como referência para outra monografia: “As principais ameaças à soberania brasileira na região amazônica no cenário geopolítico ambiental atual”, também de um major que estava se especializando na Eceme.
Este último afirma que a soberania brasileira sobre a Amazônia estaria sob ameaça de “um movimento ambientalista internacional que atua utilizando a pauta do globalismo ecológico”, e defende que “o Brasil, as suas Forças Armadas e o Exército Brasileiro devem permanecer diligentes a qualquer movimento de caráter globalista que venha a estimular qualquer campanha que possa ameaçar a soberania e os interesses nacionais brasileiro”. O oficial chega a acusar movimentos ambientalistas de estimular queimadas na Amazônia para comprometer a imagem do Brasil no exterior.
Já no trabalho “Os Cem anos da Revolução Russa (1917- 2017) e os reflexos para o Brasil”, elaborado ainda em 2018 mas também na Eceme, o autor entrou de forma ainda mais profunda na narrativa olavista. Em sua análise, o PT seguiu desde a década de 1990 um roteiro elaborado por Vladimir Lenin para construir uma ditadura. O suposto roteiro, de nome “O decálogo de Lenin”, foi um documento forjado por conspiracionistas estadunidenses da década de 1970, e divulgado em circuitos olavistas durante as manifestações de 2013. O PT, no entanto, já existia desde 1980.
Outro trabalho, com constantes citações de Olavo de Carvalho, chega a listar quais seriam as pautas associadas ao globalismo. São elas “o feminismo radical, o ambientalismo, o pacifismo, os direitos humanos, a ideologia de gênero, a homossexualidade, o racismo, a liberação do uso de drogas, a imigração permissiva, o fortalecimento de organizações globais, o desarmamento e a legalização do aborto e da eutanásia”. O autor cunhou sua monografia como “O globalismo e seu aparato ideológico: impactos na sociedade brasileira”.
Este último major, assim como os demais, defende a tese de que “as Forças Armadas deverão estar aptas a combater os efeitos perniciosos deste novo antagonista, o globalismo, por meio de ações de defesa nacional”.
Entenda com mais detalhes as principais características das teorias de conspiração alimentadas por Olavo de Carvalho:
Construção de longo prazo
O historiador Daniel Pradera, pesquisador da influência política de Olavo de Carvalho, explica que dificilmente o surgimento de trabalhos de teor olavista em academias militares se deu simplesmente por conta do resultado eleitoral de 2018. “Esse pessoal não virou teórico da conspiração do dia para a noite. Houve um processo de radicalização dentro das Forças Armadas”, alertou.
A vitória eleitoral de Bolsonaro, porém, serviu como catalisador para que oficiais simpáticos aos seus ideais demonstrassem sua postura. “Essas pessoas passaram a defender esses trabalhos, e se sentiram habilitadas pelo presidente recém eleito. (…) Existe aí a coragem para se habilitar em relação a isso, principalmente em relação ao alto escalão”, explicou.
Outro ponto que o historiador destaca é que a aprovação dos trabalhos de teor conspiracionista revela não apenas a visão dos oficiais que os elaboraram, como dos militares que compõem as bancas de avaliação. “Esses trabalhos não teriam sido aprovados se não fossem devidamente orientados e se não tivessem alguém impulsionando isso”. No caso de trabalhos da Eceme, as bancas são formadas por oficiais superiores: majores, tenentes-coronéis e coronéis.
A seguir, veja a íntegra da explicação do historiador sobre a ascensão do olavismo no Exército:
A reportagem contatou o Centro de Comunicação Social do Exército para questionar sobre os critérios de aprovação de trabalhos de conclusão de curso de especialização na Eceme, bem como se há posição oficial do Exército sobre o uso de teorias de conspiração em suas produções acadêmicas. Até a última edição desta matéria, não houve resposta. O espaço permanece disponível para caso o Exército Brasileiro decida se manifestar.