Sylvio Costa e Edson Sardinha |
Porta-voz do ex-presidente Fernando Collor de Mello, o jornalista Cláudio Humberto Rosa e Silva personificou o estilo “bateu, levou” de um dos mais breves e controversos governos da história do país, naufragado em 1992 em meio a denúncias de corrupção. Quase 13 anos após a queda de Collor, Cláudio Humberto identifica – agora não mais como personagem, mas como espectador – diferenças entre a crise enfrentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a que resultou no processo de impeachment do “ex-caçador de marajás”. “A crise atual começa exatamente pelo fim da crise do Collor, com a certeza de que o presidente Lula sabia (das supostas irregularidades cometidas pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares), que ele foi informado por várias pessoas. Tal como Collor foi acusado naquela ocasião, ele prevaricou”, afirma o colunista, sempre fiel à polêmica. Outros dois fatores que teriam influenciado na derrocada de Collor, agora estão, segundo ele, do lado de Lula: a boa vontade dos jornalistas com o presidente e o desinteresse da oposição pela derrubada imediata do governo petista. “Há uma grande boa vontade com Lula, assim como havia uma má vontade naquela ocasião com Collor”, acredita. Publicidade
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Apesar de ressaltar que não estava no Brasil na época da crise que derrubou Collor (em 1992, o jornalista se mudou para Portugal, onde foi adido cultural), Cláudio Humberto também vê semelhanças no comportamento dos dois presidentes. “Collor, como Lula, tinha nojo de político. Collor, como Lula, não tinha a menor paciência de lidar com político. Collor, como o presidente Lula, não se dava conta de que negociar e conviver com o Congresso é algo próprio do jogo democrático”, observa. “Ele (Lula) acredita firmemente até hoje que o Congresso é dominado por 300 picaretas. E foi por isso que o mensalão foi introduzido”, complementa. O receio dos assessores mais imediatos em transmitir informações sobre a dimensão da crise é outro contorno que aproximaria os dois inquilinos do Palácio do Planalto, aponta. PublicidadeAs comparações entre o atual momento político e a crise do governo Collor passaram a ser suscitadas por setores da oposição desde a denúncia do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), de que o tesoureiro do PT pagaria mesada a deputados aliados em troca de apoio ao governo nas votações. A entrevista de Jefferson chegou a ser comparada à dada por Pedro Collor, irmão do ex-presidente, à revista Veja, na qual ele acusou o ex-tesoureiro Paulo César Farias de comandar um esquema de corrupção, cobrar propina e se valer do tráfico de influência. As investigações concluíram que Collor não só sabia do esquema como dele era beneficiário. Em dezembro de 1992 o presidente renunciou ao mandato para não ser cassado. Gostem ou não os desafetos que colecionou nos últimos 16 anos – desde a campanha eleitoral de Collor, da qual foi um dos coordenadores –, Cláudio Humberto é certamente o colunista político mais lido do país hoje. Sua coluna é reproduzida diariamente por 38 jornais. A leitura de suas notas, quase sempre apimentadas, faz parte do dia-a-dia dos políticos e inspira reportagens de grandes jornais e revistas. Ele foi, por exemplo, uma das fontes citadas pelo repórter Larry Rohter, do New York Times, na reportagem sobre o suposto hábito de bebericar do presidente Lula. “Tenho a impressão de que, se naquela ocasião (governo Collor), nós tivéssemos um presidente que fosse dado aos maus hábitos do presidente Lula ao copo, isso não ficaria barato como tem ficado neste governo”, diz ao exemplificar a suposta boa vontade da imprensa com o petista. Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Cláudio Humberto conta as dificuldades que enfrentou para se reerguer após a queda do governo que ajudou a erigir e não economiza críticas à esquerda, ao sistema presidencialista, à imprensa e aos parlamentares. “Se algum coronel tentasse fechar o Congresso pelas armas, tenho impressão de que a sociedade civil não iria pra lá protestar. Talvez protestasse contra a truculência, mas não em defesa do Congresso”, afirma. “A crise atual começa exatamente pelo fim da crise do Collor, com a certeza de que o presidente Lula sabia, que ele foi informado por várias pessoas. Tal como Collor foi acusado naquela ocasião, ele prevaricou” Congresso em Foco – Que semelhanças e diferenças você enxerga entre a atual crise enfrentada pelo governo Lula e a vivida pelo ex-presidente Fernando Collor? Cláudio Humberto – Há muitas semelhanças entre o caso Collor e o caso Delúbio, a crise atual. Eu estava morando fora do país quando a crise do Collor começou. Não havia internet e não se sintonizava emissora de rádio e TV do Brasil em Portugal naquela época. Eu ficava muito feliz em não ler os jornais brasileiros. Por isso, não posso compará-la de forma precisa com esse clima que a gente está vivendo. A grande diferença que há é que a crise do Collor foi permeada o tempo todo por uma dúvida: se ele sabia ou não das atividades de Paulo César Farias. Lembro-me até da capa da revista Veja quando concluíram: “Collor sabia”. Foi isso que selou o destino dele e acabou degenerando no impeachment. A crise atual começa exatamente pelo fim da crise do Collor, com a certeza de que o presidente Lula sabia, que ele foi informado por várias pessoas. Tal como Collor foi acusado naquela ocasião, ele prevaricou. Essa é a única diferença? Há uma boa vontade generalizada em relação ao presidente Lula, ou porque não interessa a ninguém a derrubada do governo – nem mesmo aos tucanos e aos pefelistas, para os quais é interessante que o governo vá ao chão e siga se arrastando até a eleição – ou porque há uma tolerância com a ignorância do presidente com as leis. Ignorância com os mais elementares deveres de ofício, como o de, por exemplo, ouvindo a denúncia do deputado Roberto Jefferson ou do governador Marconi Perillo (de Goiás), determinar providências imediatas. Ou talvez porque o PSDB não quer ser o Lula ou o Collor amanhã, nem transformar a retirada de presidente em rotina. Se foi relativamente fácil derrubar Collor, não me parece que haveria grande dificuldade em repetir isso com Lula. Enfim, há uma grande tolerância em relação ao comportamento do presidente em não tomar providências quanto ao “mensalão”. Mas o grupo que chegou ao poder após Collor não foi exatamente aquele que esteve à frente do processo que resultou na derrubada do presidente. Não haveria um receio da oposição de que a história pudesse se repetir? Havia um grande desgaste do governo Collor, fadiga de material. Eu mesmo deixei o governo em dezembro de 1991 por entender que o modelo do meu trabalho esgotara, não fazia mais sentido. Havia o sentimento de que o governo tinha problema de esgotamento e a mudança era fundamental. Mas acho que Collor demorou muito a promover essas alterações. Ao convocar o chamado ministério de “notáveis”, ele priorizou mais a qualidade das pessoas. Mas havia um problema básico, nenhum daqueles ministros tinha qualquer compromisso pessoal ou afetivo com o presidente. “Lembro-me que, na campanha eleitoral de 1989, os jornalistas vaiaram o Collor quando ele ia embarcar no hangar da Líder para o primeiro debate com Lula. Os jornalistas fizeram um corredor polonês e cantaram Lula-lá” Lula também não está mais escorado no Congresso e na imprensa do que Collor naquela época? Sem dúvida nenhuma. Naquela época vivemos uma experiência muito triste. Vejo hoje que talvez tenha sido até necessário o país ter passado por tudo aquilo. Lembro-me que, na campanha eleitoral de 1989, os jornalistas vaiaram o Collor quando ele ia embarcar no hangar da Líder para o primeiro debate com Lula. Os jornalistas fizeram um corredor polonês e cantaram Lula-lá. Jornalistas que cobriam o presidente, antes mesmo de ele tomar posse, também o vaiaram. Havia muita raiva. Tenho a impressão de que a esquerda tinha esperança de que, naquele momento, a classe operária chegaria ao paraíso à brasileira, sem precisar promover nenhum tipo de revolução social. Isso não aconteceu. Essa frustração motivou tudo isso. Mas os donos dos jornais eram simpáticos a Collor. Durante certo tempo, até o início do governo, o patronato da imprensa tinha uma posição no mínimo de tolerância quanto ao Collor, mas essa boa vontade dos patrões chegava de maneira muito tênue às redações. A partir de determinado momento, deixou de chegar, tanto que os jornalistas foram autorizados a fazer o que quisessem em relação ao governo. Era um processo de amadurecimento de tudo, inclusive da imprensa, um vale-tudo extraordinário. Tenho a impressão de que, se naquela ocasião, nós tivéssemos um presidente que fosse dado aos maus hábitos do presidente Lula ao copo, isso não ficaria barato como tem ficado neste governo. Há uma grande boa vontade com Lula, assim como havia uma má vontade naquela ocasião com Collor. “Collor, como Lula, tinha nojo de político. Collor, como Lula, não tinha a menor paciência de lidar com político. Collor, como o presidente Lula, não se dava conta de que negociar e conviver com o Congresso é algo próprio do jogo democrático” E no Congresso, o que há de diferente entre as duas crises? Primeiro, naquela época não havia mensalão. Mas há muita semelhança com relação ao tratamento dos dois presidentes. Collor, como Lula, tinha nojo de político. Collor, como Lula, não tinha a menor paciência de lidar com político. Collor, como o presidente Lula, não se dava conta de que negociar e conviver com o Congresso é algo próprio do jogo democrático. O Congresso tem grandes poderes de atrapalhar o governo. Os dois presidentes tinham muito isso em comum. Outra diferença importante – e o mensalão revela isso – é que o presidente Lula e o PT, ao assumirem um comportamento mais pragmático para ganhar a eleição e governar, começaram a fazer tudo aquilo que eles imaginavam que os outros faziam. Conheço muita gente boa, jornalistas e políticos estavam na oposição que naquela época, que suspeitavam de que no governo Collor havia mensalão, como houve no governo Sarney e em todos os outros governos. Então, resolveram fazer, por acreditar que aquilo existia. Não estou dizendo que não existisse troca de favores, aquele toma-lá-dá-cá, mas não havia nessa dimensão. Não havia essa coisa de o governo comprar o apoio dos partidos políticos com dinheiro. “Ele (Lula) acredita firmemente até hoje que o Isso acontece em parte por que o PT ignorava um pouco qual era a prática dos governos anteriores nesse relacionamento com o Congresso? No último “Café com o Presidente” (programa quinzenal de rádio), o presidente Lula começou a elogiar com muita propriedade o trabalho da Polícia Federal, dizendo assim: “Quando eu era sindicalista, vivia cobrando que o presidente tinha de prender. Hoje eu sei que o presidente não pode prender”. Na verdade, é isso. O Lula só se deu conta de que o presidente não podia prender quando assumiu a presidência da República. Eu não acredito que ele seja desonesto o suficiente para ter mentido aos sindicalistas naquela ocasião e hoje estar pedindo desculpas. Não. É ignorância mesmo. Não é nem no sentido do analfabetismo intelectual, é ignorância do processo. Ele acredita firmemente até hoje que o Congresso é dominado por 300 picaretas. E foi por isso que o mensalão foi introduzido. Isso foi dito a mim por um ministro dele da área política e um líder do PT no Congresso no mesmo dia. Eu fui checar outros fatos com eles, mas eles tinham a mesma perplexidade: com a absoluta ojeriza de Lula à classe política. O problema dele, como era o de Collor, é de ignorar o processo político. Lembro que Collor, depois de um ano de governo e muita insistência nossa, resolveu fixar um dia na semana para receber os parlamentares: quinta-feira. Ele já saía do Palácio na quarta-feira irritado com o dia seguinte. Ele chegava lá chutando quina de mesa, muito tenso. Por quê? Sempre dizia que era algo incompreensível receber um deputado que, em vez de tratar com ele de questões de interesse nacional, fosse pedir a substituição do diretor da Escola Técnica Federal de Caruaru. Ele achava aquilo um absurdo, ainda mais quando descobria que o indicado era um parente do deputado. Lembro que ele tomou vários cafés da manhã com a cúpula do PSDB, namorando o partido. Eles tomaram café da manhã uma meia-dúzia de vezes, às escondidas, no Alvorada, que era para despistar. Collor voltava dessas conversas sempre muito orgulhoso. Gostava de conversar, sobretudo, com Fernando Henrique, que hoje ele detesta, e Euclides Scalco (ex-deputado por Paraná). Eles conversavam durante duas horas e nunca pediam emprego ou indicação. Com o doutor Ulysses (Guimarães, ex-presidente da Câmara), apesar de toda boa reputação que ele tem, com inteira justiça, porque era um sábio, não tinha uma votação no Congresso que não fosse precedida de uma pequena chantagem. De que tipo? Ele ligava pro embaixador Marcos Coimbra, por exemplo, e dizia: “Olha, embaixador, tenho um sobrinho competente que está sem trabalho. Ele gostaria de ser diretor-administrativo da Usiminas”. Ele ligava pra tratar da votação que ocorreria naquela tarde e introduzia a facada. Isso é indecente? Não é. É do jogo mesmo, sobretudo nesse presidencialismo parlamentarista que nós vivemos. A ascensão e a queda de Collor foi algo impressionante para quem acompanhou de fora. Todo mundo que colaborou com a subida dele pagou de alguma forma junto com o ex-presidente. Como foi esse processo pra você? Hoje eu consigo racionalizar e viver com isso. É próprio da nossa cabeça de jornalista ter o hábito de analisar os fatos com certo distanciamento, sobretudo com a ajuda do tempo. Mas foi um período muito sofrido. Eu nunca deixei de dormir uma única noite, nem mesmo no momento mais agudo da crise, porque não fiz nada de errado. Aliás, pelo contrário, acho que, do ponto de vista do meu trabalho, fiz tudo certinho na campanha e no governo. Assumi até um personagem que ele (Collor) criou para mim (o estilo “bateu-levou”), uma coisa que foi se construindo. Aquilo era ele, eu estava exercendo ali um papel. Se bem que a expressão “bateu-levou”, atribuída a mim, é do Mario Sérgio Conti, ex-diretor de redação da Veja. Foi uma coisa muito sofrida, mas passou. Sofrida do ponto de vista mais pessoal que se possa imaginar. Acabei por ter uma experiência em Portugal que nunca havia passado na vida. Não digo que passei necessidade, mas foi muito duro passar ali uma semana com a luz cortada porque não tinha dinheiro para pagar a conta. Ou faltar comida. Você continuou em Portugal após o fim do governo? Eu pedi demissão da embaixada dois dias antes da aprovação, na Câmara, do afastamento de Collor. Naquela ocasião, recebi convite para encontrar na Feira do Livro de Frankfurt o meu editor, o Luiz Fernando Emediato. Eu resistia muito à idéia de escrever. Quem me convenceu foi o José Nêumane Pinto (jornalista de O Estado de S. Paulo). Ali fiz um contrato pelo qual receberia uma quantia enquanto escrevesse o livro. Parte disso era adiantamento dos direitos autorais, e outra era um acerto que fiz para que minha família não sofresse muito com a queda de qualidade de vida. Afinal de contas, pedi demissão de um emprego de US$ 10 mil mensais. Levei cinco meses trabalhando dia e noite pra escrever o livro até ele ser lançado em março de 1993. Vendeu 45 mil exemplares na ocasião. Aquilo me permitiu viver com certa dignidade nos primeiros dezoito meses de Portugal sem emprego. Voltei ao Brasil no final de 1995. “Grande parte do entorno do presidente tem medo de levar uma má notícia pra ele, de ser identificado como portador de más notícias. Isso acontecia muito com Collor” Há semelhança entre a reação do presidente Lula e a do ex-presidente Collor ao desenrolar da crise? Uma das principais semelhanças é esse “ensimesmamento” – se é que existe essa palavra – dos presidentes. O presidente Lula não assistiu ao depoimento de Roberto Jefferson, mas, ao contrário do que o Planalto divulgou, ninguém lhe informou o tamanho do problema. Nem José Dirceu, nem Aldo Rebelo, nem Luiz Dulci, ninguém contou a ele que o negócio havia sido com aquela gravidade. Ele só tomou conta disso lendo os jornais de quarta-feira. Grande parte do entorno do presidente tem medo de levar uma má notícia pra ele, de ser identificado como portador de más notícias. Isso acontecia muito com Collor. Eu não tinha muito isso porque era do meu trabalho. Aliás, eu tinha a faculdade de entrar na sala dele, a não ser que tivesse uma luz vermelha acesa no gabinete. Se havia uma questão urgente eu podia entrar. Com o Lula acontece a mesma coisa. As pessoas têm medo de levar má notícia para Lula e ele morre na ignorância. “O PT, depois de 25 anos de pregação moralizadora, acabou revelando que os nossos governantes não são divididos entre bons e maus, nem em honestos e desonestos, mas entre os que se deixam pegar e os que não se deixam pegar. O governo Lula se deixou pegar” Quais os desdobramentos dessa história? O que você acha que vai acontecer? Descartada a possibilidade do impeachment, na qual não acredito, aconteceu que o governo Lula mostrou que é igual a qualquer outro. O PT, depois de 25 anos de pregação moralizadora, acabou revelando que os nossos governantes não são divididos entre bons e maus, nem em honestos e desonestos, mas entre os que se deixam pegar e os que não se deixam pegar. O governo Lula se deixou pegar. Esse rótulo que ele adquiriu vai ser, como o episódio Collor, muito importante para o amadurecimento político do PT e da sociedade brasileira, que, depois disso, perdem o direito de acreditar em duendes e contos da carochinha. “Se algum coronel tentasse fechar o Congresso pelas Quem perde mais: Lula, o PT, o Congresso ou a esquerda? Todos perdem, ninguém ganha com essa história. A oposição pode ganhar pela expectativa de poder. Mas as pesquisas sobre o conceito que a sociedade tem em relação ao Congresso são arrasadoras. Se algum coronel tentasse fechar o Congresso pelas armas, tenho impressão de que a sociedade civil não iria pra lá protestar. Talvez protestasse contra a truculência, mas não em defesa do Congresso. Ou se mobilizasse para impedir que novamente a brigada se aventurasse a assumir o poder e nos impor uma nova ditadura. Como a oposição se manifesta através do Congresso, ela também não tem muito a ganhar. A esquerda não perde mais? A esquerda perde muito. Como disse o Gabeira (deputado Fernando Gabeira, que deixou o PT e se filiou recentemente ao PV) na Veja, é triste que a esquerda tenha chegado ao poder nessas circunstâncias e que tenha se revelado um governo que, por insegurança, medo ou despreparo, fez a opção pelos primados neoliberais que sustentaram os últimos governos, sobretudo o de Fernando Henrique. Que tenha se envolvido com a questão da corrupção e a prática política fisiológica mais escrachada que se pode imaginar. Sou muito cético em relação aos governos de modo geral. E muito compreensivo também, porque sei que é muito difícil ser governo, ainda que meu trabalho não revele essa compreensão. A coisa mais fácil do mundo é ser oposição. Escolher todos os dias quem ganha e quem perde. Nas últimas eleições presidenciais, grande parte da sociedade depositou esperança de que com o PT o país mudaria. Com essa crise, que força política tende a crescer? A tendência é haver cada vez mais um isolamento dos partidos de esquerda. Os partidos de esquerda são uma raça em extinção. A tendência é consolidar um bipartidarismo disfarçado. Neoliberais radicais de um lado – PFL, PSDB e PMDB – e, de outro, neoliberais com preocupação social mais aguçada, que é o que vai sobrar do PT. Acho que o PT vai ficar muito parecido com os trabalhistas ingleses e os democratas americanos. Certamente vai se aliar com os tucanos. A coisa mais próxima do PT neste momento já é o PSDB. Com essa crise, o Gushiken (Luiz Gushiken, secretário de Comunicação de Governo) ficou o tempo todo pregando, de um lado, a demissão do José Dirceu e, de outro, a aproximação com o PSDB. Quando o Gushiken, um dos ideólogos do PT, prega isso, mostra para que lado eles vão debandar. “Não é que eles sejam iguais, mas são todos muito parecidos, assim como republicamos e democratas. Divergem no atacado, mas o que os mobiliza e os motiva é a disputa pela tomada e o exercício do poder. Nisso, todos são muito parecidos” Com isso você quer dizer que os políticos são todos iguais? Do ponto de vista do ensinamento político para a sociedade brasileira, não é que eles sejam iguais, mas são todos muito parecidos, assim como republicamos e democratas. Divergem no atacado, mas o que os mobiliza e os motiva é a disputa pela tomada e o exercício do poder. Nisso, todos são muito parecidos. Essa deterioração do governo Lula acaba mostrando isto na prática: o mundo não é dividido entre bons e maus. Mostra que todos têm suas qualidades e seus defeitos. Ao assumir o poder, o PT manteve aquilo que é o mais transformador na vida de uma nação, que é a economia. Eles tinham tanto medo de errar que pediram que a turma do Malan continuasse no Ministério da Fazenda. E está lá até hoje. É uma opção pela margem segura. Com isso, estão pagando o ônus de deixar pra trás todo o discurso. Há um processo de amadurecimento muito forte sobretudo no PT. Você pega esses senhores que estão na capa do Correio Braziliense (diz, apontando para a foto em que aparecem Dirceu e Lula), eles são o retrato da prostração, jogaram a toalha. O que deveria ser feito para que tivéssemos um país em que as coisas fossem diferentes, sem mensalões ou troca de favores? Eu vivi em Portugal, um país parlamentarista. Não tenho a mínima dúvida de que pra acabar com isso é preciso dar todo poder ao Congresso. Pode parecer uma coisa meio incongruente, já que o Congresso é uma instituição tão desmoralizada e desacreditada. O parlamentarismo que pratica a maior parte dos países da Europa é perfeito. Uma das propostas em discussão na reforma política é a instituição das listas partidárias. Só isso já joga no chão o custo de campanha, do ponto de vista de marqueteiro, fecha todas as possibilidades de empreiteiras estarem financiando campanha de deputado para formar bancada de lobby de luxo no Congresso para arrancar contratos e emendas parlamentares e acaba com todos esses ralos que drenam a confiabilidade da política do Parlamento. O parlamentarismo é um achado, a melhor expressão de maturidade política que o homem já introduziu na democracia. Vai permitir, por exemplo, que um gênio da economia ou um professor que tenha militância partidária, mas que não tem paciência pra posar para fotografia, tenha assento no Congresso. No parlamentarismo, se um deputado discorda da posição de seu partido sobre qualquer tema, ele pode até votar contra o partido. Acaba de votar e entrega a carta de renúncia ao mandato ao partido. Não existe essa troca de favores, nem mensalão. Dar todo o poder ao Congresso por meio de listas partidárias é a saída. Mas, hoje, nos diferentes partidos há gente séria, como Pedro Simon e Fernando Gabeira, que acaba sendo isolada, reduzindo-se o espaço para quem tem mais potencial transformador. No parlamentarismo, isso também ocorre, porque prevalecem as lideranças partidárias. Mas a vida partidária é muito mais intensa. Ainda que o parlamentar seja sufocado pela liderança partidária, ele tem todo espaço possível para se manifestar nas instâncias partidárias. Os congressos partidários são um acontecimento. Isso é interessante porque não funciona só no governo da nação, funciona nas cidades. O presidente da câmara municipal de cada cidade é o chefe do partido que foi mais votado na cidade. No parlamentarismo, o presidente da câmara é o prefeito. Embora o PT tenha resistido ao parlamentarismo no plebiscito realizado em 1993, o presidente Lula não esconde que prefere esse sistema ao presidencialismo. O Lula nem sabe o que é isso. O PT e o PDT foram contra (o parlamentarismo) porque o projeto de um e outro centrava na figura de seus líderes, Lula e Brizola. Agiram acertadamente do ponto de vista deles, porque tinham uma esperança de poder. No parlamentarismo, o presidente é o que menos importa. No parlamentarismo, a sociedade é muito mais presente, o que determina o comportamento do partido no Parlamento é o congresso partidário, que é um acontecimento. O partido deixa de ser um negócio oportunista, essa vigarice. Deus me livre de meu filho, que é interessado em política, querer fazer um curso de formação política no PL. No presidencialismo, o presidente é obrigado a fazer como Lula, que até está fazendo isso de maneira organizada, que todo dia tem de aparecer em um factóide. Aí dá uma certa noção de nação, mas é o presidente que decide a ponte que vai ser construída no rio Caicó, se vai capear a pista que liga Gramado a Canela. “Lula se tornou presidente depois de ficar 25 anos sem dar tapa numa broa. Não é fácil. O presidente Lula não trabalhou em metade da vida economicamente ativa dele” Mas aí a culpa não é só de Lula, qualquer presidente passaria pela mesma dificuldade, não? Não há administrador experiente, craque em gestão, que consiga exercer como deve ser feito o poder de presidente da República, ainda mais alguém como Lula, que se tornou presidente depois de ficar 25 anos sem dar tapa numa broa. Não é fácil. O presidente Lula não trabalhou em metade da vida economicamente ativa dele. Naquele primeiro ano do governo dele, havia um deslumbramento total, ele bebia em todo almoço, atrasando as solenidades no período da tarde – até passaram as solenidades pra de manhã por causa disso – além da falta de hábito de ir ao trabalho. Como esse cara pode ter clareza, organização e disposição interna para tomar decisões como essas. Ele não toma. Por que o governo está desse jeito? O ex-ministro Cristovam Buarque (da Educação) foi recebido pelo presidente uma única vez enquanto esteve no Ministério da Educação. Ele disse que, em dez dias, entregou para a Casa Civil minutas de projetos de lei, medidas provisórias e decretos que resgatavam absolutamente todos os compromissos programáticos do PT. Não fizeram absolutamente nada. “(Sobre Collor) Nunca o chamei de você, sempre de senhor. Pelo que você fala, a gente percebe que ainda há uma certa admiração pelo ex-presidente Collor e uma certa antipatia pelo presidente Lula. Essa percepção é correta? Não. Nem convivo com ele. A última vez que falei com Collor, eu estava em Maceió, em fevereiro, quando ele demitiu o filho das empresas. Por coincidência, cheguei à cidade no dia seguinte e fui visitar meus velhos amigos no jornal onde trabalhei por muitos anos. Circulou a notícia de que eu estava na redação, ele soube e pediu pra que eu passasse na sala dele pra tomar um café. O encontro anterior havia ocorrido em outubro de 2003. Antes disso, fiquei três anos sem falar com Collor nem por telefone. Até porque, antes de eu trabalhar com ele, nunca houve uma relação pessoal. Tanto que o nosso relacionamento é formal até hoje. Nunca o chamei de você, sempre de senhor. O primeiro abraço que ele me deu na vida foi em outubro de 2003, quando nos reencontramos aqui. Mas você não acha que pega muito no pé do presidente Lula? Com relação a Lula e todos os demais governantes, minha posição é como jornalista. Gosto muito da frase atribuída ao Millôr Fernandes de que jornalismo é oposição e o resto é armazém de secos e molhados. Nosso dever é fazer oposição mesmo. Jornalista tem de pegar no pé. Digo isso com a tranqüilidade de quem já viveu o outro lado do balcão. Lembro que as pessoas ficavam muito nervosas com as pancadas que o governo Collor tomava e não compreendiam por que eu conversava uma vez por semana, por exemplo, com o Gilberto Dimenstein, da Folha. Lembro que quando deixei o governo, a revista Veja fez duas páginas muito “generosas” a meu respeito, mas pelo menos uma justiça ela fez. Reconheceu que, ainda que houvesse muito embate entre governo e imprensa, eu nunca fechei a porta para ninguém. Recebi todos, era meu dever de ofício conversar com eles e tentar de alguma maneira ajudar o governo a chegar até os jornalistas e vice-versa. Mas quem está no poder tem de sofrer. É muito poder. Então você não tem nenhuma antipatia particular por Lula? Nenhuma. Pelo contrário. Na segunda campanha pelas diretas, na qual o Collor participou, eu convivi com o Lula. A gente ia de cidade em cidade, fazendo comício, e conviveu muito em hotéis e restaurantes. A minha relação com o governo Lula é a melhor que já tive como colunista até hoje. Terça-feira, por exemplo, houve aquela reunião da cúpula do governo para avaliar o pronunciamento do Jefferson. Eu ouvi três pessoas que estavam lá na reunião. |
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