Desempregado, o ajudante de pedreiro Antonio Carlos Bastiliano de Carvalho, de 43 anos, lamenta nunca ter estudado. Ele mostra, com tristeza, o documento de identidade, com apenas a digital para “comprovar” que é analfabeto. Nascido na cidade de Lago da Pedra (a 300 km da capital São Luís-MA), veio tentar a vida na capital do país, mas com o pouco estudo, nada tem dado certo. Ele conta que as escolas na cidade natal eram bastante precárias. “Era muito atrasado, tinha aula hoje e passava uma semana todinha sem ter. Meu pai achou melhor botar pra trabalhar, mas eu me arrependi”. Histórias como a de Antonio não são raras na região administrativa do Paranoá, lugar que fica apenas a 16 quilômetros do Centro de Brasília.
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No Paranoá, que surgiu na década de 1950 como um acampamento para pioneiros que participavam da construção do principal lago do Distrito Federal, que deu nome à região administrativa, pelo menos 44% das pessoas que moram no lugar não completaram o ensino fundamental, um dos piores dados conforme indica a última pesquisa da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). O número é maior inclusive do que na maior favela do Distrito Federal (o Sol Nascente, com 39,1% de pessoas que não terminaram o fundamental). Para se ter uma ideia, no Plano Piloto (que reúne Asa Sul e Ana Norte), esse número é de 3,19%. As diferenças de oportunidades educacionais têm reflexos na renda per capita. Enquanto que no Paranoá é de R$ 868, no Plano Piloto chega a R$ 5.569.
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No caso de Antonio Carlos, o desemprego é uma história que o acompanha desde 2006, quando sofreu um acidente no trabalho, pelo o qual nunca foi indenizado. “Eu caí de uma escada e rompi o ligamento dos dois joelhos, operei duas vezes de um, uma vez de outro de outro e agora vou ter que fazer outra cirurgia”, conta. Antonio vive com pensão do INSS e afirma que o órgão insiste que ele volte a estudar para poder trabalhar em outra área e não poder se aposentar por invalidez. “Mas tô com quase 50 anos, não tenho vontade não, até porque isso aqui dói demais, dói tanto, principalmente a noite, tem platina nos dois”, diz ele apontando para os joelhos.
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Jaqueline também veio do Maranhão e é amiga de Antonio. Está no Paranoá há 23 anos. Ela explica que não concluiu os ensino básico por uma série de contextos. “Casei cedo, na verdade. Era cansativo você está em sala de aula tantas horas, pra eu que sou uma doméstica, dona de casa…”.
Canta ou assovia
José Paulo de Oliveira, de 60 anos, também está afastado do trabalho por motivos de saúde. Ele trabalhou por mais de 20 anos como vigilante de restaurante na Asa Norte e agora sente fortes dores nas costas. A pensão do INSS foi suspensa no último dia 11, ele diz. Cearense, José estudou até a 4 série. “Ou você canta ou assovia, não tem como você cantar e assoviar de uma vez só. Meu sonho era estudar mas tive que parar pra trabalhar. Trabalho desde os 12 anos tocando boteco, aí vim pra cá em 83”.
Ao ser questionado se tem vontade de voltar aos estudos, ele diz não ser possível. “Não tem como. Eu estudei no ano de 2016 por dois meses, mas eu tinha que trabalhar para complementar a renda”, justifica. Um amigo de José, da mesma idade, é pedreiro e retomou os estudos nesse semestre, “ele não sabia ler, nem escrever, dei muita força para ele voltar”, conta ele.
José acredita que, mesmo com estudo, as oportunidades continuam difíceis pra quem não vem de uma família com recursos, “minha filha é formada em jornalismo, mas filha do pobre, não colocam lá dentro da Globo não. Colocam se for filha do Alexandre Garcia, se for filha dos apadrinhados”, ele afirma.
Faltam recursos
O ambulante Flávio Moreira, de 36 anos, não volta a estudar por falta de opção. “O EJA (Educação de Jovens e Adultos), aquele que você conclui dua séries em um ano, só tem uma escola. Quando você vai atrás de vaga, não têm vaga, entendeu? No meio do ano quando você vai tentar de novo, não têm, mesmo que tenha alunos desistentes, não tem vaga”, ele explica.
O coordenador da Regional de Ensino do Paranoá, Isac Aguiar Castro, reconhece que há um déficit muito grande de escolas públicas na cidade. “A gente transporta alunos daqui para escola CEPIG no Lago Norte e para escola Classe 8 e 5, do Cruzeiro. Totalizando uma média de 700 alunos, do ensino fundamental”. O coordernador diz não saber exato “mas a gente realmente tem um número significativo de alunos fora da escola”, lamenta.
Estrutura escolar
O Paranoá possui cinco centros de ensino fundamental, um centro de ensino médio, o centro Darcy Ribeiro – que contempla ensino fundamental e médio – e um centro de ensino que era destinado a’ adultos que se desejavam retornar aos estudos (EJA), porém, como haviam muitas desistências, a escola passou a oferecer apenas ensino regular noturno, “o foco dele agora, é para alunos à partir de 15 anos, que se sentiam deslocados durante o dia, e está sendo feito um trabalho para que eles permaneçam na escola”, acrescenta.
A região administrativa tem a segunda maior área rural do Distrito Federal, tendo assim, um ritmo sazonal, onde uma época do ano se estuda, e na outra vai para as fazendas agrícolas, por conta das plantações, resultando numa grande evasão de adolescentes durante certa parte do ano.
Isaac afirma que existem outros fatores que levam os estudantes a abandonarem as aulas, “são muitos, desde as pessoas procurarem a escola com interesse no “passe-livre”, até a questão de segurança, trabalho, a questão da falta de interesse pelo estudos mesmo. Não dá para a gente eleger um fator como determinante, mas acho que a violência é um dos fatores mais importantes, devido às aulas serem de noite e apesar das EJAs serem localizadas em várias regiões da cidade, muitas pessoas têm medo de retornar das aulas tão tarde”, enfatiza.
Isaac afirma que a comunidade é muito empenhada em tentar trazer mais escolas para a cidade, “eles falam com um deputado, com outro, para destinar recursos…”. Um ponto positivo, é que recentemente, foi implantado no Paranoá, o Centro de Línguas (CIL), que oferece cursos de inglês, espanhol e francês. As vagas são destinadas a alunos matriculados na rede pública e aos moradores.
Por Manuela Correa, Saulo Branquinho, João Carrusca e Luiz Eduardo Certain
Imagem: Saulo Branquinho
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira
* Reportagem publicada originalmente na Agência UniCeub de Notícias
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