Arquiteto por formação, aos 84 anos Chico Whitaker encontra tempo e energia para atuar como ativista social. Homenageado pelo Parlamento sueco com aquele que é conhecido como o Prêmio Nobel Alternativo (em 2006), foi preso e exilado durante a ditadura militar e vereador pelo PT de São Paulo por dois mandatos. Há vários anos dedica-se a bandeiras não partidárias. Foi um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), responsável por transformar em lei dois projetos de iniciativa popular: o da ficha limpa e o que tornou crime a compra de votos. Secretário-executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz (da Igreja Católica) e um dos organizadores do Fórum Social Mundial, apoia causas ambientais e movimentos contra o uso da energia nuclear.
Leia também
Para ele, a solução da crise passa pelo aumento da credibilidade dos políticos. “No momento, partido nenhum e governo nenhum merece confiança”, afirma.
Mas também passa por uma nova atitude da população. “Tem de se interessar pela política, participar, protestar”, cobra. É contrário ao impeachment de Dilma: “O momento não é de tentar tomar o poder de ninguém, mas de buscar saídas”. E defende uma revisão da “máquina de produzir dinheiro”, que, na sua opinião, “está desacertada” em escala global. Ele critica o consumismo excessivo e a supervalorização dos bancos em prejuízo de quem produz.
O depoimento de Whitaker é um dos destaques da nova edição da Revista Congresso em Foco, que mostra a visão de sete pessoas dos mais diversos perfis sobre a atual crise política e econômica e os caminhos apontados por elas para tirar o país da atual encruzilhada. Interpretações diferentes à parte, todos concordam em um ponto: nunca o Brasil viveu uma crise como a atual.
Com a palavra, Chico Whitaker:
Publicidade“A crise não existe só no Brasil. E como as economias dos países são muito interligadas, qualquer coisa que aconteça com um repercute nos demais. Há quase oito anos os países mais ricos enfrentaram uma grande crise financeira. Os bancos começaram a emprestar além do que poderiam e deveriam de olho no lucro fácil. Empréstimos feitos para quem não tinha condições de pagar. Isso criou no sistema financeiro uma quantidade enorme de títulos que nunca seriam pagos. E quando o sistema bancário entrou em crise, toda a economia também entrou. Os governos socorreram os bancos entregando dinheiro e criando outro tipo de desequilíbrio, porque faltou dinheiro para saúde, educação, transporte.
Os bancos se recuperaram, mas não consertaram as coisas. Ou seja: quando se produz alguma coisa, você vende o produto, lucra um pouco, produz mais, vai girando. Mas bancos não produzem nada e dão lucro. E, apesar de tudo o que ocorre mundo afora, estão sempre ganhando dinheiro.
Para as pessoas, é muito mais interessante entregar recursos para os bancos ganhar dinheiro para elas do que produzir. É um desacerto geral. O outro lado é que o que nós fabricamos não se destina apenas ao mercado interno, mas também para outros países, porque assim podemos comprar de outros países o que não fabricamos aqui. E quando esses países entram em crise, a coisa repercute aqui. É o que vem acontecendo com a China, uma das economias que tinham mais importância para países como o nosso.
Quando ela começou a entrar em crise, não comprando mais tudo que costumava comprar, automaticamente os exportadores brasileiros começaram a vender menos. A crise só piorou.
Além do mais, o nosso sistema econômico é baseado no consumo. Não há consumo, a indústria que produziu fica em dificuldades. As pessoas são empurradas a comprar coisas, mesmo as supérfluas e que projetam algum prestígio de quem consegue adquirir, mostram que são ricas. É outro tipo de desequilíbrio que leva a outra situação complicada: a destruição da natureza. Vai-se produzindo cada vez mais, os consumidores pedem mais.
É a máquina de produzir dinheiro que está desacertada. É um consumo desnecessário. Uma coisa engrena com a outra e torna tudo muito difícil.
Se tivéssemos pessoas mais honestas trabalhando nos governos para tentar resolver as coisas, seria mais fácil. Falta para a população a noção de que ela é quem vai eleger quem vai tomar conta do país. E também de que ela está sendo manipulada e por isso não está escolhendo bem. No mundo da política existe muita gente que não está lá pra resolver coisa nenhuma, só para tirar proveito. E as pessoas precisam participar, protestar, se informar, tentar construir uma coisa diferente.
Tem de se interessar pela política. Saber quem são e como se comportam as pessoas que estão no poder. Precisamos escolher as pessoas adequadas e acompanhar para saber se elas estão fazendo corretamente o que têm de fazer e o que prometeram aos eleitores. Temos de nos organizar, adultos ou jovens. Lutar pelo direito à igualdade, à dignidade, porque a forma como os governos agem faz com que existam cada vez mais desigualdade, mais pobreza e cada vez mais ladrões. O que nos cabe é desenvolver a noção de cidadania, inclusive discutindo a violência que tanto ameaça os jovens e todo mundo.
Vamos ter de reconquistar um status de confiança política. No momento, partido nenhum e governo nenhum merece essa confiança. Nossos políticos estão desacreditados.
É preciso que o governo e os partidos façam um esforço para recuperar a confiança da população. Chamar gente mais séria para cargos importantes, tomar medidas que tenham efeitos objetivos, ver como encaminhar a economia. Aí, no clima de confiança, é que serão encontradas as medidas boas. Mas isso só poderá acontecer a médio prazo.
Não é só o governo que vai mal, mas os partidos todos. Em momentos de crise muito aguda, as pessoas deveriam, em vez de brigar, buscar soluções. O momento não é de tentar tomar o poder de ninguém, mas de buscar saídas. Isso terá de contar com o apoio da população.
E não haverá esse apoio se os políticos não forem capazes de mudar o próprio enfoque. Educação é a parte essencial disso tudo, mas precisa ser voltada para a cidadania, não apenas para consumo, para gozo material. Se o exemplo que vem de cima é o de cada um por si e Deus por todos, não adianta. Não vai haver mudança estrutural nenhuma. As pessoas precisam sair da posição de espectadoras e exigir dos políticos que tenham comportamentos adequados com a busca do bem comum, não do bem particular de cada um deles.”
Acesse a revista e leia outros destaques desta edição
Se você não é assinante do UOL da revista, entre aqui e faça sua assinatura agora
Deixe um comentário