Thomaz Pires
Defensor dos direitos sociais, o deputado Chico Alencar (PSol-RJ) abraçou a ideia de inserir na Constituição a garantia à felicidade. A proposta, que passou a ser chamada de PEC da Felicidade, estabelece que os direitos sociais básicos são fatores fundamentais para a conquista pelo cidadão da satisfação e da felicidade. A iniciativa, encampada pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), deve ser protocolada no Senado já na próxima quarta-feira.
Procurado pelo Congresso em Foco para opinar sobre o assunto, o deputado Chico Alencar avalia com otimismo o início da tramitação no Senado. “Essa emenda vai passar, eu não tenho dúvidas. Vamos ter a tramitação normal e uma aprovação unânime”, destaca. “A felicidade é um direito essencial do ser humano e tem a mesma importância de direitos básicos como educação, saúde e cultura”, completa.
Pela proposta, a emenda deverá ser inserida no artigo 6° da constituição, que trata dos direitos sociais. Pela legislação atual, a constituição trata hoje como prioridade os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Com a modificação, o texto acrescentaria que tais direitos são fundamentais para a conquista da felicidade.
O texto final da PEC está nas mãos do senador Cristovam Buarque, que deverá fazer as modificações da proposta até o início da próxima semana. Após protocolada na secretaria-geral da Casa, ela precisará de pelo menos 27 assinaturas para que possa ser encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que ficará encarregada em verificar a admissibilidade jurídica.
Na entrevista que concedeu nesta quarta-feira (16) ao Congresso em Foco, o deputado Chico Alencar foi categórico nas ponderações. Para ele, o Estado tem obrigação de se posicionar sobre o assunto na Constituição federal e garantir os mecanismos pela busca à felicidade. Alencar também avalia que a PEC permitirá ao parlamento brasileiro discutir pela primeira vez um assunto que há tempos já deveria ter sido tratado pelo Congresso Nacional.
Confira a entrevista:
Congresso em Foco – O senhor acha que a felicidade é algo possível de ser garantido pelo Estado e incluído na Constituição?
Chico Alencar – A Constituição do Brasil, além da afirmação de direitos objetivos, tem um valor simbólico. Incorporar esse direito à felicidade que vem através de outros direitos fundamentais e concretos, como a educação, a saúde, a moradia, o bem estar material, é muito bom. Eu acho que agregar esse elemento de subjetividade, mas indicando não aquela felicidade que cada um descobre por razões filosóficas, religiosas ou existenciais, mas aquela que deriva de condições dignas de vida. Isso tem a ver com a Lei e isso precisa sim estar na Constituição.
E o senhor acredita que a proposta contará com o apoio que realmente precisa entre as bancadas no congresso para seguir adiante?
Essa é uma emenda constitucional que vai passar. Ninguém vai ser contra. Eu a comparo com aquela que inseriu o direito à alimentação como direito fundamental do povo brasileiro. Ela teve uma tramitação demorada, como é natural em toda emenda constitucional, mas passou sem contestações. Nesse caso também, de incorporar o direito à felicidade nesse capítulo mais geral dos direitos fundamentais concretos. Nós vamos ter a tramitação normal da PEC, mas a aprovação unânime. Eu não imagino quem possa ser contra isso.
E por quais motivos o senhor passou a defender o tema? Qual a grande importância da felicidade para o ser humano na sociedade contemporânea?
Todo ser humano tem fome de pão e de beleza. O que compete ao Estado, ao poder público, à política, é garantir o direito ao pão. Saciar as pessoas todas, ainda mais em uma sociedade injusta e desigual como a nossa. A beleza fica nesse elemento da subjetividade. É claro que o Estado e o poder público têm que garantir a todos o acesso à cultura, que está junta, inclusive, com o acesso à educação. Mas, no que diz respeito à isso, o pão, inclusive o pão da cultura, é dever do Estado e deve estar na Constituição. O elemento da felicidade individual e psicológica aí é assunto privado de cada um.
Quem é conta a emenda argumenta que o Estado já é incapaz de garantir direitos como a educação e a saúde. Como vai assegurar algo tão subjetivo como a felicidade?
Eu acredito que aqueles que não têm entusiasmo pela proposta vão dizer que ela é inócua, que ela é simbólica, que ela não tem conseqüência prática, mas não para fazer um movimento de resistência ou oposição a essa emenda constitucional. Podem apenas não valorizá-la. E qualquer argumento que for apresentado nesse sentido vai merecer o contra-argumento de que a inserção do direito à felicidade está na declaração de independência dos Estados Unidos, de 1776, e é uma felicidade que a gente está vinculando à fruição dos direitos sociais que já estão assegurados pelo menos no texto da Constituição. Falta muito para assegurá-los na prática para todos os brasileiros. Com essa perspectiva da busca da felicidade através da garantia do direito elementar da educação, casa, da moradia e do trabalho, da vida digna, a gente consegue superar qualquer resistência.
Comparado a outras propostas, a PEC da felicidade é só mais uma proposta que chega ao Congresso para aguardar uma longa tramitação ou o senhor acredita que ela irá realmente ter possibilidades de ganhar a adesão dos parlamentares, inclusive para ter uma tramitação mais acelerada?
Já tivemos uma audiência pública no Senado, que foi muito rica e interessante, e provocou uma discussão que não é muito usual no parlamento. Inclusive sobre o que é a felicidade, o que é o bem estar. O filósofo Freud, em 1930, escreveu um texto muito importante falando do mal estar na cultura, dizendo que os valores da vida passaram a ser o prestígio, o sucesso, o poder e o dinheiro. Isso na verdade amplia a angústia humana. Então, a gente vai poder fazer uma discussão que a sociedade do consumo contínuo mascara. Ver o sentido mais profundo dos valores materiais que levam à felicidade do ser humano. Hoje você tem muitos bens materiais, mas nunca como antes se vendeu tanto psicotrópico, barbitúrico e calmante. Algo está errado. Há um mal-estar também agora, tantos anos depois, tantas décadas depois que Freud denunciou essa situação ainda na primeira metade do século passado. Então esse debate vai ser muito bom. Agora, eu insisto… eu não vejo que haja muita resistência à PEC a não ser a resistência da inércia, de achar que colocar a busca da felicidade na Constituição não seja algo importante.
Então o senhor acredita que o Legislativo estava em dívida? Os deputados e senadores já deveriam ter se posicionado para garantir a felicidade na forma de Lei à sociedade?
Sem dúvida alguma. Eu sou autor de um projeto que recupera o lema positivista original e recoloca na bandeira brasileira o amor, pois o lema é o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim. Ficou só a ordem e o progresso. E na prática da história republicana funciona da seguinte forma: ordem para os de baixo, progresso só para uns poucos de cima. Ou seja, é preciso colocar amor na bandeira. A mesma coisa eu posso dizer sobre a busca pela felicidade, que tem mais concretude até do que o simbólico do amor na bandeira. Então, eu acho que a gente vai conseguir e deve passar essa ideia adiante.
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