José Antonio Moroni *
O Congresso Nacional debate neste momento uma nova proposta de “reforma política” – como em outras ocasiões, olhando apenas para as próximas eleições. Não teremos, entretanto, um sistema político legítimo e representativo se essa postura do Parlamento brasileiro não mudar. Independentemente das propostas aprovadas, a leitura que se faz do que tramita hoje no Congresso é a de que não se trata de melhorar nosso sistema eleitoral, algo tão necessário, mas de assegurar o mandato de inúmeros parlamentares envolvidos com corrupção, garantindo-lhes o foro privilegiado e a impunidade jurídica.
Por isso, após três dias de reunião em Brasília, com mais de 110 representantes de distintos movimentos sociais que lutam há mais de uma década pela democratização do poder e por uma verdadeira reforma política, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político vem a público manifestar sua posição sobre a proposta em debate no Parlamento.
O relatório apresentado pelo deputado Vicente Cândido incorpora, no geral, três elementos defendidos pela Plataforma: fortalecimento da democracia direta, financiamento público de campanhas e lista pré-ordenada. Mas as semelhanças com o que vem sendo historicamente reivindicado pela sociedade civil organizada terminam por aqui.
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Quando falamos de democracia direta, defendemos o poder de o povo convocar plebiscitos e referendos. Queremos que determinados temas, como privatizações e a execução de grandes obras, sejam decididos por estes instrumentos. O relatório apresentado na Comissão da Reforma Política pouco avança nesta direção.
Sobre a adoção do financiamento público exclusivo de campanhas, defendemos que ele seja adotado em conjunto com outras medidas, como a democratização dos partidos políticos, o financiamento dos partidos por seus filiados (e não por recursos públicos) e mudanças nos critérios de partilha para não privilegiar as grandes legendas. O relatório tampouco avança nesta direção.PublicidadeNo que se refere à lista pré-ordenada, instrumento importante para tornar os partidos programáticos, ela deve ser acompanhada de mecanismos que impeçam a definição da lista pelas oligarquias partidárias. Defendemos listas escolhidas em prévias partidárias e sem candidaturas natas, para que sejam um instrumento poderoso de enfrentamento às sub-representações nos espaços de poder, especialmente das mulheres, do povo negro e dos povos indígenas. Por isso, defendemos a paridade de sexo na elaboração da lista. E o relatório pouco avança neste sentido.
Para a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, democratizar o poder significa ir além de uma reforma eleitoral conjuntural e incapaz de alterar as desigualdades estruturantes da sociedade brasileira, que impedem a maioria da nossa população – mulheres, o povo negro, jovens, população LGBTI, indígenas – de participar efetivamente das decisões políticas do país. Um país verdadeiramente democrático deve ser capaz de pensar formas de afirmação de uma cidadania ativa, fazendo valer o princípio primeiro democrático de que o “poder emana do povo”.
Para nós, por fim, essa reforma deve ir além do urgente aperfeiçoamento da democracia representativa. Deve, necessariamente, incluir a adoção de mecanismos inovadores de democracia participativa (como um sistema de participação social); o estabelecimento de uma real democracia direta; a democratização da informação e das comunicações e do sistema de Justiça.
Sem isso, qualquer reforma virá apenas para perpetuar os grupos que eternamente ocupam o poder no Brasil. É hora de romper com este ciclo de poder hereditário e alicerçar o sistema político brasileiro na soberania popular. É o que exige a nossa democracia.
* Gestor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), filósofo e pós-graduado em História do Brasil, José Antonio Moroni é conselheiro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), órgão colegiado da Presidência da República.
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