O caminhoneiro sobe devagar e com cuidado o aterro que leva à entrada da ponte sobre o rio Inajá, com extensão de 50 metros, cerca de dez quilômetros após o povoado Casa de Tábua, em Santa Maria das Barreiras, no Sul do Pará. O trecho é de terra, não há proteção de guard rail e a ponte é de mão única. Os pilares de concreto e duas vigas sem utilização ao lado da pista mostram que o projeto previa duas vias, mas a obra ficou inacabada. A carreta de 50 toneladas vai entrando aos poucos numa espécie de grade gigante de ferro, com o chão vazado, cerca de 10 metros acima do leito do rio. Tábuas de madeira colocadas sobre placas de metal rangem sob o peso da carreta. Mais adiante, há enormes buracos formados pela retirada de algumas dessas placas. Outras estão amassadas, tortas. A pista de rolamento está restrita à largura do caminhão. Um palmo para o lado e o veículo fica preso, ou até mesmo cai da ponte. O motorista sabe que alguns colegas perderam a vida no trecho das “pontes da morte” nos últimos anos. Muitos fazem a travessia à noite.
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Não se trata de um trecho de estrada municipal, daquelas que não têm qualquer manutenção ou fiscalização do poder público. Estamos na BR-158, por onde passa boa parte da produção de milho e soja do nordeste do Mato Grosso – cerca de 1 milhão de toneladas ao ano –, também conhecida como Vale do Araguaia. É o caminho para os portos do Norte do país. Mas muitos caminhoneiros preferem fugir do perigo e andar o dobro da distância até os portos do Sul, como Santos e Paranaguá.
Naquele rincão esquecido pelo poder público, pontes de ferros instaladas provisoriamente há 30 anos pelo Exército apodrecem a céu aberto num trecho de 110 quilômetros entre Casa de Tábua e Redenção, a maior cidade da região. Estão tomadas pela ferrugem, remendadas. Uma delas caiu por inteiro após um acidente com um caminhão. O mais impressionante é que elas continuam sendo utilizadas diariamente por centenas de carros de passeio, ônibus e caminhões. Pedaços da estrutura estão expostos ao público, numa espécie de cemitério de pontes.
Publicidade“Culpa do governo”
O motorista não tira os olhos da ponte, mas segue conversando com o repórter na cabine que não para de balançar. A carreta se aproxima do maior buraco. Ele aponta e comenta:
– Olha o perigo. Se o motorista erra a direção, pega aquele buraco ali. Isso arrebenta com o caminhão. Não tem condições de andar numa estrada assim. Aqui é onde o governante se esquece da categoria. Culpa de quem? Culpa do governo. Onde está indo a verba que vem pra arrumar isso aqui?
Ele prefere não se identificar, mas conta que o seu patrão já falou várias vezes em vender o caminhão. Só não vendeu para não deixá-lo desempregado.
– Não pode continuar assim. Se não melhorar, como fica um pai de família como eu, pelejando pra trabalhar, pra ser honesto, mas o governo não ajuda. Infelizmente, o nosso país não está funcionando. Tem que ter uma pessoa que faça as coisas por nós.
Enquanto não aparece quem resolva o problema, os motoristas apelam para Nossa Senhora Aparecida ou diretamente a Deus. “Deus cuida de mim”, diz um adesivo. Mas o slogan preferido, que aparece em vários caminhões, diz: “Tem que ter fé”.
Com a imagem de Nossa Senhora pintada no para-brisa, Danilo Gomes Ramos, de Confresa (MT), se sente mais seguro. Nesta viagem, transporta 31 toneladas de soja. No som da cabine, a propaganda de uma mercearia local. O locutor fala: “Eu estava ali na mercearia São Gabriel, do nosso amigo Bento Nobre. Lá, fica aberto até às dez horas. É o ponto onde a gente encontra os amigos, toma aquela cervejinha gelada. E lá tem de tudo”.
Danilo já passou várias vezes na ponte e nunca caiu num buraco.
– Graças a Deus, não!
Poucos minutos depois, o motorista Sebastião Campo, de Santo Inácio (PR), entra na ponte mais tranquilo. O caminhão está vazio, mas ele passou ali com 49 toneladas, transportando soja que foi descarregada em São Luís. Questionado se já viu colegas acidentados na região, responde prontamente:
– Já vi vários. Cai, fica no buraco, constantemente acontece isso aí.
Ele tem a mesma opinião sobre os motivos das precárias condições daquela estrada.
– É questão de política, né, são os políticos. Deve ser, porque eles que mandam no nosso país. E a gente sofre risco de ser assaltado, sofrer acidente.
No dia 17 de junho de 2014, o motorista Devenilson Sales chegou à ponte do rio Inajazão, como é mais conhecido na região, exatamente às 17h10. Já estava escurecendo, mas ele decidiu passar com o caminhão Scania bitrem de nove eixos com reboque. Transportava adubo a granel. Seguia em zigue-zague para desviar dos buracos que resultaram da soltura de placas de metal. O cavalo e a primeira parte da carreta passaram, mas o reboque trancou num dos buracos e caiu no rio (foto abaixo), puxando junto todo o conjunto do veículo. Um tanque de combustível estourou, mas o líquido foi parar no rio, o que evitou uma explosão.
Não era o dia de Devenilson partir. Além de ferimentos pelo corpo, sofreu a ruptura do tímpano do ouvido esquerdo. Parte da carga foi carregada por pessoas que passavam pelo local do acidente. Quem vê as fotografias registradas na Delegacia de Polícia de Casa de Tábua custa a acreditar que o motorista tenha escapado com vida do acidente. A carreta ficou emborcada, com as rodas para cima. O reboque e a carroceria ficaram embaixo d’água, mas a cabine caiu no barranco na margem do rio. Sorte do motorista. Um policial disse que muitos dos acidentes não são registrados na localidade. Os motoristas preferem fazer a ocorrência policial na cidade de origem. Isso inviabiliza um levantamento completo dos acidentes.
Cemitério de pontes
Doze quilômetros adiante, em direção a Redenção, surge a ponte de ferro sobre o rio Inajazinho, do mesmo porte e estrutura da primeira, mas com menor altura. Foi construída uma ponte de madeira ao lado, mas boa parte dos caminhoneiros ainda prefere ir pela de ferro, que recebeu remendos e está em melhores condições.
Pego carona na cabine de uma carreta (vídeo acima) e vou conversando com o motorista Valdemir Santos da Silva, de Ourilândia (GO). Ele transporta calcário e a carga total é de 47 toneladas, o máximo permitido. E a ponte suporta isso?
– Uai, nós passa [sic] direto aqui, né? De vez em quando os caras se engancham aí. Estoura pneu nessas quinas de ferro, nessas pontas.
Pergunto por que as pontes estão assim há tanto tempo.
– É falta de administração. O pessoal não arruma os trem direito. Faz só embolsar o dinheiro e não arruma. Dinheiro tem demais. Todos que entra [sic] lá rouba, né? E não arrumam a estrada e nem as pontes.
Outro motorista prefere não se identificar, mas diz que a situação já foi pior.
– Agora tá melhor, tinha que passar desviando dos buracos. Agora tem essas madeiras, antes tinha os buracos. Onde estão esses remendos, ó, tinha que desviar em cima.
Logo entendo por que quer ficar no anonimato. Transporta 60 toneladas.
Em outubro de 2012, o motorista Avelino Alvarenga, de Vila Rica (MT), aventurou-se a atravessar a ponte do Inajazinho às 20h com a sua Scania carregada de 30 toneladas de calcário. Um dos pneus caiu num dos buracos existentes nas grades de ferro e a carreta tombou no rio, derramando e perdendo toda a carga. O pior é que o motorista já havia terminado de pagar o veículo, mas ainda não havia feito seguro. Perda total. O cavalo caiu emborcado e ficou embaixo d’água, mas motoristas que passavam conseguiram retirar Avelino da cabine. Ele escapou com apenas ferimentos leves no rosto.
Depois de um trecho de 25 quilômetros, logo após uma lanchonete de beira de estrada, no rio das Araras, a ponte de ferro também tem só uma mão, mas já conta com pista de rodagem de concreto. Os caminhões passam roçando na guarda e a meio metro da beirada da pista. Uma enorme fila de carros aguarda para fazer a travessia.
No Córrego Urerê, 15 quilômetros adiante, os veículos passam numa ponte de madeira em condições razoáveis ao lado de uma ponte de ferro abandonada. Mas a imagem mais impressionante está no rio das Arraias. Quatro enormes vigas de uma ponte de ferro caíram em bloco após acidente com caminhão, anos atrás. Mas permanecem lá, apodrecendo, como se fizessem parte de um cemitério de pontes (foto abaixo). Ao lado, uma travessia de madeira improvisada permite a passagem de carretas com dezenas de toneladas. A pista de rolamento tem tábuas podres e alguns buracos capazes de fazer tombar os caminhões. Há ainda o esqueleto de uma terceira ponte de madeira mais ao lado, certamente abandonada após alguns anos de uso, sem que fosse construída outra de concreto.
Buracos na cabeceira dessa ponte provocaram a queda de mais um caminhão em abril de 2012. O trânsito foi interrompido durante horas, até que um trator e um guincho retirassem a carreta do rio, que é raso. A cabine não ficou submersa e o motorista escapou da morte apenas com alguns ferimentos.
A BR-158/PA era uma rodovia estadual até 2005, quando foi federalizada e passou a ser administrada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). A autarquia informa que, no momento, está auxiliando a Superintendência Regional do Pará na restauração de todo aquele trecho. Em agosto, serão enviadas à superintendência as minutas para “a sequência nos atos preparatórios da licitação”, que “poderá” ocorrer no segundo semestre deste ano. O projeto inclui o reparo ou a construção de seis pontes. A estimativa de custo é sigilosa.
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Tudo isso e ainda ser obrigado a trafegar com faróis acesos dentro dos perímetros urbanos. A quem essa legislação dos faróis acesos beneficia? Certamente ao mercado de auto-peças, com seu lobby colossal, pois serão necessárias mais reposições de lâmpadas e baterias, e aos DETRAN das cidades que encherão os bolsos do poder público com o dinheiro fácil das multas. O menor beneficiário dessa legislação é o usuário uma vez que as velocidades nas áreas urbanas são baixas em conjunto com o clima de nossas cidades que favorece a visibilidade de outros elementos do trânsito a uma distância segura. A argumentação de que os faróis acesos aumentam a segurança do trânsito em áreas urbanas é improcedente!
Esses são os locais ideais para a passagem da “tocha olímpica” com toda a imprensa internacional mostrando para o mundo as irresponsabilidades dos gestores públicos resultado da absoluta falta de respeito com o dinheiro do contribuinte que paga uma das mais altas cargas tributárias do planeta com retorno medíocre para a sociedade.