A Comissão de Direitos Humanos da Câmara vai requisitar documentos dos serviços secretos do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Chile sobre a Operação Condor. A intenção dos deputados é descobrir detalhes que joguem luz sobre a morte do ex-presidente João Goulart em 6 de dezembro de 1976. O motivo do requerimento foi o depoimento prestado na última sexta-feira (7) a integrantes do colegiado pelo ex-agente do serviço secreto uruguaio Mario Neiva Barreto, que reafirmou que Jango foi assassinado a mando dos generais brasileiros.
O presidente da comissão, Luiz Couto (PT-PB), e os deputados Pompeo de Mattos (PDT-RS) e Domingos Dutra (PT-MA) estiveram no Rio Grande do Sul para colher o depoimento de Barreto. Por aproximadamente três horas, eles ouviram do ex-agente um extenso relato sobre as circunstâncias da morte do ex-presidente. “Foi uma conversa longa. O tema é muito complexo e envolve uma série de ações daqui pra frente”, avaliou Domingos Dutra.
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De acordo com o ex-agente, aproximadamente 20 dias antes da morte de Jango houve uma reunião com a presença de integrantes dos serviços secretos dos quatro países, além de um representante norte-americano e do então chefe do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, Sérgio Paranhos Fleury. Nesse encontro, ainda segundo relato do uruguaio, ficou decidido como seria o assassinato de Jango: por meio de uma overdose de medicamentos.
Os deputados que ouviram o ex-agente acreditam que é necessário buscar provas físicas para comprovar as declarações de Barreto. Oficialmente, Jango morreu vítima de um ataque cardíaco no município argentino de Mercedes. Por conta da ditadura militar da época, não houve necropsia no corpo do ex-presidente. Somente foi emitido um laudo médico.
Ao viajar para Charqueadas, na região metropolitana de Porto Alegre, os deputados queriam de Barreto a confirmação das declarações dadas por ele ao jornal Folha de S. Paulo em 27 de janeiro de 2008. Na época, ele disse que João Goulart foi envenenado por ordem de Sérgio Fleury, com autorização do presidente da época, Ernesto Geisel (1908-1996). Com a confirmação da acusação e os detalhes fornecidos, a comissão pretende montar, a partir desta semana, um plano de trabalho para continuar as investigações.
Junto com o pedido de documentos que estejam disponíveis e não tenham sido destruídos, os deputados querem apoio da Câmara na continuidade das investigações. “Precisamos que a Câmara nos dê condições de investigar”, antecipou Dutra. O petista diz que, se o Parlamento der suporte à Comissão de Direitos Humanos, a apuração pode ser aprofundada.
Provas físicas
A principal preocupação dos deputados é com a falta de provas físicas. De acordo com Barreto, o medicamento que teria causado a morte de Jango não deixaria vestígio por muitos anos no sistema sanguíneo. Mesmo assim, Dutra não descarta a possibilidade de a comissão pedir uma exumação do corpo do ex-presidente. “Apesar das declarações, sem uma prova técnica fica meio complicado fazer uma acusação”, disse o maranhense.
“Por isso, a necessidade dos documentos”, reforçou Pompeo de Mattos. Entre os primeiros arquivos a serem vasculhados pela comissão estão os papeis do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), entidade criada pelo governo brasileiro em 1969 para coordenar e integrar as ações dos órgãos de combate às organizações armadas de esquerda. “Segundo Barreto, o Dops e o DOI-CODI eram constantemente informados de todos os detalhes da operação”, relatou o deputado gaúcho.
Golpe
Com o golpe militar de 31 de março de 1964, Jango exilou-se no Uruguai e mais tarde na Argentina. No dia 2 de abril, o Congresso Nacional declarou a vacância de João Goulart no cargo de presidente, entregando o cargo de chefe da nação ao então presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Dez dias após o golpe, João Goulart teve seus direitos políticos cassados por dez anos, com a publicação do Ato Institucional Número Um (AI-1).
A morte de Jango, assim como a do ex-presidente Juscelino Kubitschek, vive cercada de dúvidas até hoje. Tanto que, em julho de 2008, uma comissão especial da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul divulgou um relatório afirmando que “são fortes os indícios de que Jango foi assassinado de forma premeditada, com o conhecimento do governo Geisel”.
Entre as sugestões dadas pelos deputados estaduais gaúchos, estava a requisição de informações do médico brasileiro que, segundo o ex-agente uruguaio, participou de reuniões de trabalho com um colega uruguaio para a preparação do composto químico que, na versão dele, matou o ex-presidente Goulart. A comissão da Assembleia do Rio Grande do Sul também recomendou que fosse ouvido o hoje senador Romeu Tuma (PTB-SP), ex-integrante do Dops que, segundo os deputados estaduais, seguiu os passos de Jango no exílio na França. “Algumas pessoas citadas por Barreto ainda estão vivas. Vamos atrás delas para solicitar informações”, antecipou Mattos.
A Operação Condor, da qual a Comissão de Direitos Humanos pretende buscar documentos, consistiu numa aliança político-militar entre os regimes militares do Brasil, da Argentina, do Chile, da Bolívia, do Paraguai e do Uruguai para coordenar a repressão a opositores dessas ditaduras na América do Sul. Uma das ações do movimento foi o sequestro de filhos de presos e perseguidos políticos nas décadas de 1970 e 1980.
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