Camilla Shinoda e Eduardo Militão
A Câmara dos Deputados gastou R$ 78,5 milhões com a verba indenizatória desde o início da atual legislatura – de fevereiro a dezembro do ano passado. Os dados são de levantamento do Congresso em Foco, feito entre 7 e 14 de janeiro, a partir de informações que a Casa publica na internet. O dinheiro é usado pelos parlamentares para ressarcir despesas com combustível, locomoção (diárias e refeições, por exemplo), divulgação do mandato, consultorias, aluguel de escritórios políticos, material de expediente, serviços de segurança e assinatura de publicações, TVs a cabo, internet e programas de computador.
No ano passado, a maior parte da verba foi usada com combustível e locomoção. Com esses dois itens, foram consumidos quase R$ 36 milhões, o equivalente a 46% de toda a verba indenizatória. Cada deputado tem direito a gastar até R$ 15 mil por mês. Não estão computadas aí as passagens aéreas, que os parlamentares recebem à parte. Os senadores têm esses mesmos benefícios, mas o Senado não divulga em que nem quanto cada um deles gasta.
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No caso dos combustíveis, o reembolso é limitado a 30% de toda a verba, ou seja, a R$ 4.500. Esse valor foi reduzido em 2006 por conta de uma série de denúncias de uso de notas frias para comprovar gastos com gasolina, álcool e lubrificantes.
TABELAS COMPLETAS
por Deputado – Quem gastou 100%
por Estado – por Partido
por Locomoção – por Combustível
por Consultoria – por Divulgação
Fonte: Congresso em Foco, com base em informações da Câmara dos Deputados, referentes ao período de fevereiro a dezembro de 2007
Pé na estrada
Em 2007, os deputados gastaram R$ 16,4 milhões apenas com combustível. Isso equivale a 6,5 milhões de litros de gasolina, cotada a um valor médio de R$ 2,50. Considerando-se o consumo de um automóvel de 10 quilômetros por litro, seria possível viajar 65 milhões de quilômetros. Daria para ir à lua e voltar 86 vezes.
O terceiro lugar nas despesas ficou por conta da rubrica que inclui consultorias, pesquisas e trabalhos técnicos. Foram R$ 12,8 milhões, ou seja, 16% do total da verba indenizatória. Gastos semelhantes foram totalizados com a divulgação parlamentar, que consumiu R$ 12,5 milhões.
Duas propostas para acabar com a verba acabaram não vingando na Câmara. Os Projetos de Resolução 328 e 329, de 2006, pretendiam extinguir o pagamento do benefício aos deputados. O autor de uma das propostas, o líder do PDT, Miro Teixeira (RJ), afirma não ser razoável receber ressarcimento de consultorias, já que a Câmara tem funcionários específicos para isso.
Além disso, o deputado lembra que os parlamentarem já recebem benefícios como verba de gabinete (R$ 50 mil), auxílio-moradia (R$ 3 mil), passagens aéreas (de R$ 4 mil a quase R$ 19 mil) e cota postal e telefônica (R$ 4,2 mil).
Para Miro Teixeira – que nem tocou no benefício no ano passado –, certos gastos com a verba são “ofensivos ao princípio da razoabilidade”. Mas a proposta dele foi arquivada no início do ano passado. O segundo projeto, de autoria da Mesa, foi retirado de pauta.
Para o deputado Fernando Lopes (PMDB-RJ), a verba indenizatória é uma “quase uma remuneração por fora” para os parlamentares. Por isso, ele é a favor da extinção gradativa do benefício e da divulgação de cada uma das notas de ressarcimento. “A falta de transparência dá margem a usos indevidos, que acaba alcançando todos”, disse ele, que, assim como Miro, também não usou a verba no ano passado.
Controverso
Nem todos pensam como eles. O líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), defende a manutenção do benefício. “Ela é útil, sim, se bem fiscalizada, embora haja abusos e distorções”, disse ele ao Congresso em Foco. O deputado considera importante a manutenção dos escritórios parlamentares nos estados. “Quando o deputado está em Brasília, tem alguém no estado trabalhando por ele”, ressaltou.
Gustavo Fruet (PSDB-PR) afirma que os parlamentares sem estrutura econômica dependem da verba para trabalhar. “O controle sempre é necessário para evitar desvios, pois eles põem em dúvida a verba usada por todos os deputados.”
Fruet diz ser a favor da redução ou do congelamento da verba indenizatória. Ele admite discutir a extinção do benefício. “Podemos pensar nisso”, avaliou, ressaltando a necessidade da apresentação de uma proposta para compensar a perda. “Como aumentar os salários ou cobrar imposto de renda sobre essa verba”, exemplificou.
O líder do PMDB discorda. Na opinião de Henrique Eduardo, os dois assuntos não devem ser misturados. “Aumentar os salários dá margem de distorção. A verba deve ficar como está, bem fiscalizada”, afirmou o deputado, que é primo do presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN).
Custo da máquina
Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Octaciano Nogueira, discutir a verba indenizatória é pouco. Ele defende uma avaliação institucional de todos os custos da máquina administrativa nos três poderes. “Há o negócio dos cartões corporativos, o pessoal da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] que viaja de graça…”, citou o professor.
Nogueira, que foi funcionário da Câmara e do Senado entre 1952 e 1990, acredita que há um exagero nos gastos do Congresso. “A Câmara tinha [até os anos 60] 304 deputados e 325 funcionários. Hoje são 513 deputados e 13 mil funcionários. Isso aqui é um desperdício”, avaliou.
Nos anos 50 e 60, só o presidente e o primeiro-secretário da Câmara tinham gabinetes próprios. Os vice-presidentes e os secretários da Mesa dividiam uma sala comum. “Os outros deputados recebiam as pessoas num salão e nos corredores”, relembrou Nogueira.
Criação
A verba indenizatória foi criada em 2001, pelo Ato 62 da Mesa Diretora, na gestão do tucano Aécio Neves (MG), hoje governador de Minas Gerais. Os deputados tinham direito a R$ 12 mil por mês. Hoje são R$ 15 mil. O valor não utilizado no mês anterior se acumula para o próximo dentro de cada semestre. Em 2006, após o escândalo das notas frias, as despesas com combustível foram limitadas.
Em junho do ano passado, uma decisão liminar da juíza Mônica Sifuentes, da 3ª Vara da Justiça Federal de Brasília, conseguiu suspender a verba indenizatória provisoriamente. Ela argumentou que os ressarcimentos aos deputados e aos senadores – que também têm o benefício, embora não o divulguem – eram indevidos porque já estariam contemplados com outras prerrogativas dos congressistas.
“A verba em comento não violaria apenas o art. 39, §4º, da CF/88, mas também, e essencialmente, o princípio da moralidade administrativa”, disse a juíza, à época. Dias depois, a decisão de Mônica foi suspensa pelo Tribunal Regional da 1ª Região.
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