A novela da reforma política continua na Câmara. Pelo segundo dia consecutivo apenas nesta semana – o terceiro ao todo –, deputados não conseguiram concluir a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 77/2003, relatada pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), mas ao menos avançaram em dois pontos importantes: a retirada do cálculo para a fixação do Fundo de Financiamento da Democracia (0,5% da Receita Corrente Líquida da União, o que daria R$ 3,6 bilhões), a ser criado pela proposta, e a exclusão do artigo que definia em dez anos os mandatos para juízes de tribunais superiores e do Tribunais de Contas da União. Devido a um impasse entre as lideranças partidárias, a PEC voltará a ser examinada na próxima semana.
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“Houve uma avaliação realista do ânimo no plenário e sinalizou-se a não aprovação de nada. Antes que nada fosse aprovado, resolvemos nos conceder mais algum tempo, mesmo que as dificuldades sejam ainda maiores depois”, admitiu o vice-líder do governo na Câmara Carlos Marun (PMDB-MS).
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Mas os motivos para o novo adiamento não se resumem às divergências sobre o modelo adequado para o sistema político-eleitoral brasileiro. Diante da falta de consenso apontada por Marun, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), percebeu a controvérsia entre os líderes e resolveu pautar a votação da Medida Provisória 777/17, que extingue a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e, para seu lugar, cria a Taxa de Longo Prazo (TLP), incidente sobre financiamentos autorizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Depois de derrubado um requerimento de retirada da matéria de pauta, por 269 votos a 38, a discussão da MP teve início.
O texto, relatado pelo deputado Betinho Gomes (PSDB-PE) em comissão mista, define que a TLP será aplicada em empréstimos concedidos a partir de 1º de janeiro de 2018, tendo como base juros de mercado atrelados a um título do Tesouro Nacional, o NTN-B, mais a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Reforma difícil
Os deputados tentam votar o texto-base do deputado petista desde a semana passada. Na terceira tentativa de votar a reforma política em plenário, e diante das dificuldades da votação em si, a maioria dos deputados decidiu fatiar a análise da matéria. Assim, inverteu-se a pauta para votar um destaque de retirar do texto o cálculo do valor do fundo bilionário de financiamento de campanhas, antes mesmo de que seja levado a voto os termos de sua criação. Apresentado pelo PT, o destaque foi aprovado por 441 votos a 1.
Agora, resta aos deputados a votação da parte do texto referente à criação do fundo, cujo valor passará a ser definido anualmente, no âmbito da Lei Orçamentária Anual. De acordo com o esquema organizado por líderes para a votação de plenário, essa decisão será tomada depois das deliberações sobre o sistema eleitoral. Modelos de voto como o “distritão” e o distrital misto, os que mais têm chance de serem aprovados na atual composição da Câmara, dividem a preferência a ponto de terem pesado na decisão pelo novo adiamento.
Muito criticado por quem defende a renovação da política, o distritão prevê a eleição de vereadores e deputados (estaduais e federais) por ordem de votação, na prática extinguindo o sistema proporcional e aplicando o modelo majoritário (presidentes da República, governadores, senadores e prefeitos) para o legislativo. Defendida pelo chamado “Centrão”, grupo de parlamentares que ganhou força com a gestão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), condenado por imposição da Operação Lava Jato, a mudança na regra é considerada uma reação diante da perspectiva de grande renovação na Câmara justamente devido às denúncias da Lava Jato – apenas na delação premiada da Odebrecht, nove ministros, 12 governadores, 24 senadores e 39 deputados federais chegaram a ser envolvidos nas denúncias de corrupção na Petrobras, segundo lista liberada em 11 de abril.
Tais parlamentares apostam na visibilidade que têm entre o eleitorado, algo reforçado com o modelo do distritão. A avaliação é que os mais conhecidos, que já exercem mandato, têm mais chance de ser lembrado na hora da votação sob esse modelo – favorito, a propósito, do presidente Michel Temer, também envolvido no petrolão e outros esquema de corrupção, e adotado em apenas quatro países: Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Pitcairn.
O PSDB, na outra ponta, quer aprovar o chamado voto distrital misto, com vigência a partir de 2022. Por esse modelo, o eleitor vota duas vezes: em um representante de seu distrito (região que será definida dentro estado ou município) e em um partido político, responsável por definir uma lista pré-ordenada de candidatos. Metade das vagas seria preenchida pelos eleitos no distrito, e a outra, pelos partidos.
Parlamentares do centrão são contra a mudança. Já os tucanos admitem o distritão, desde que seja apenas como forma de transição para o distrital misto já a partir das eleições de 2020, quando há eleições municipais. Nesse caso, as novas regras alcançariam os vereadores.
Fim da vitaliciedade
Já na etapa da análise fatiada do texto, foi excluído do texto o trecho que fixava mandato de dez anos para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dos demais tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e dos tribunais de contas (União, estados e municípios). Atualmente, tais magistrados não têm período de mandato, mas têm que se aposentar aos 75 anos, por imposição da aposentadoria compulsória.
Durante as discussões de plenário, e já na fase de debates na comissão especial, grande parte dos deputados considerou a fixação de mandato como um “jabuti” legislativo, ou seja, enxerto de texto apresentado sem qualquer relação com o conteúdo da reforma política. Com a retirada, o dispositivo passa a tramitar separadamente, por meio de outra proposição.
O dispositivo – um dos pontos polêmicos do relatório de Vicente Cândido aprovado na comissão especial –, todos os membros do STF, do Superior Tribunal Militar e dos tribunais de contas teriam mandatos de dez anos em todos os casos de composição. No caso dos outros órgãos, como STJ, Tribunal Superior do Trabalho (TST) e tribunais federais, tal limitação só valeria para os magistrados indicados pelo Ministério Público ou pela categoria dos advogados.
A mudança não retroagiria, ou seja, não valeria para a atual composição dos tribunais. Só depois da eventual promulgação da proposta o limite de mandato passaria a ser praticado no Brasil nos casos acima mencionados.
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