A Câmara é acusada de provocar um rombo de pelo menos R$ 26 milhões no sistema previdenciário brasileiro no momento em que o governo Michel Temer tenta emplacar uma reforma com impacto direto em milhares de contribuintes do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Seria apenas uma questão de cálculo, no contexto do discurso governamental de deficit e ameaça de colapso na Previdência, mas a situação encobre manobras de deputados em busca de aposentadorias mais elevadas.
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O dinheiro foi retirado dos cofres da Previdência do contribuinte comum e repassado ao Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC). As retiradas foram detectas pela Receita Federal, que em agosto do ano passado percebeu a movimentação, considerada ilegal. Na ocasião, o órgão notificou a Casa e questionou o motivo da compensação, “que não possui previsão em lei”.
O repasse de um regime previdenciário para outro é realizado há mais de 20 anos. No entanto, devido à chamada prescrição tributária, apenas a devolução do dinheiro referente aos últimos cinco anos deve ser considerada. Ou seja, o rombo causado pela Câmara seria ainda mais elevado caso tal limite temporal não existisse.
Desde a notificação, feita há mais de um ano, a Câmara até o momento não deu satisfações à Receita Federal – que então formalizou, em julho passado, nova notificação avisando que o débito da Casa junto aos cofres da Previdência já está em R$ 28 milhões, considerando-se juros e multas. Além disso, o órgão fiscal ameaçou inscrever a dívida no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin). Para a Receita, a compensação feita pela Câmara é “ilegal”.
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Para valer a pena, o deputado precisa exercer pelo menos dois mandatos na Câmara para ter direito à aposentadoria superior àquela fixada no teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e é aí que uma manobra tem sido recorrente. Apesar de o prazo ser de 30 dias, após o início da legislatura, para que se possa escolher entre o regime geral ou o PSSC, parlamentares em dúvida quanto à própria reeleição deixam para entrar com recurso pedindo a adesão ao plano especial apenas quando se reelegem. Ou seja, quatro anos após chegar à Casa, já na certeza de um segundo mandato e, consequentemente, de uma aposentadoria mais polpuda.
Além de pedir o benefício fora do prazo estabelecido, no recurso os congressistas também solicitam o ressarcimento dos últimos anos como deputado mesmo enquadrados anteriormente no Regime Geral da Previdência, já que migrarão para o PSSC e, a partir de então, passará a ser considerada a contribuição na nova modalidade. Diante do pedido de adesão e de ressarcimento, a compensação ao deputado é feita com dinheiro do regime geral, ou seja, do trabalhador comum, o que levou ao rombo de R$ 26 milhões na Previdência. A situação foi regulamentada pelos próprios parlamentares, em um ato da Mesa Diretora da Câmara em 2014.
No Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), o desconto varia de acordo com o ganho do trabalhador, mas mesmo ganhando acima de R$ 30 mil mensais, só pode ser descontado até o limite de 11% sobre o teto, que hoje dá R$ 608,44. Já no PSSC, o parlamentar contribui com 11% do valor do seu salário, que atualmente é de R$ 33,7 mil. Neste caso, o desconto é de R$ 3.713,93 e a Câmara entra com uma cota de igual valor, retirada dos cofres públicos.
Quando o parlamentar opta somente após o segundo mandato, ele deixa de contribuir proporcionalmente ao seu salário e ainda tem a concessão do benefício sem qualquer restrição.
A maior parte dos trabalhadores brasileiros contribui para o regime geral e está sujeita a regras como o fator previdenciário ou a fórmula 85-95, que alongam o tempo necessário para o recebimento do benefício integral. Além disso, essa grande maioria populacional não pode receber acima do teto do INSS.
Já a aposentadoria dos políticos é concedida sob condições especiais. Ex-deputados e ex-senadores podem se aposentar a partir dos 60 anos de idade e 35 de contribuição. A questão é que, ao atingir tais condições, parlamentares recebem um benefício proporcional ao subsídio parlamentar. Assim, quanto mais mandatos exercidos, maior será a aposentadoria. De acordo com levantamento recente do jornal O Estado de São Paulo, os segurados do PSSC recebem em média R$ 14,1 mil, enquanto o benefício médio do regime geral é de R$ 1.862,00.
Procurada, até o fechamento da matéria a Câmara ainda não havia se manifestado sobre a notificação.
Conforme já mostrou este site, em alguns casos, deputados se aposentam com apenas dois anos de mandato, já que o PSSC conta com regras bem mais brandas e flexiveis do que as previstas na reforma da Previdência proposta pelo governo Temer e em discussão na Casa. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já anunciou que a reforma será desidratada, mas que não abrirá mão de eliminar privilégios e igualar direitos de servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. No entanto, os benefícios dos parlamentares não serão atingidos pela reforma.
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O valor exato é determinado pela divisão dos anos exercidos de mandato por 35 – período mínimo de contribuição. Assim, com a atual remuneração de R$ 33,7 mil, se um deputado tiver exercido 12 anos de mandato, receberá aposentadoria igual a 12/35 do teto remuneratório, o que resulta em algo em torno de R$ 11,5 mil. O caso mais recente é do ex-ministro petista José Dirceu, que pediu à Câmara para averbar seu tempo de exercício de parlamentar na Casa na contagem do tempo de contribuição.
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Dirceu foi cassado em 2005, após seu envolvimento no mensalão – dez anos depois, em decorrência da Operação Lava Jato, o ex-parlamentar foi condenado a pouco mais de 30 anos de prisão. Antes disso, ele exerceu mandato na Câmara de 1991 a 1995, depois de 1999 a 2003 e, na última passagem pelo Congresso, de 2003 a 2005, quando perdeu o mandato. A área técnica da Câmara já deu parecer favorável ao pedido de Dirceu, que tem direito a receber aposentadoria como ex-deputado. O pedido está na mesa do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e aguarda apenas sua assinatura. Maia já disse que não atuará politicamente e sinalizou que acatará o entendimento do órgão técnico.
Opção
O Plano de Seguridade Social dos Congressistas, criado pela Lei nº 9.506, de 30 de outubro de 1997, está em vigor desde 1º de fevereiro de 1999. Trata-se de um plano especial de previdência parlamentar de participação facultativa. Para se aposentar, um deputado precisa ter 60 anos de idade e 35 de contribuição.
Esse tempo de contribuição, no entanto, pode ser somado a outros trabalhos exercidos antes do mandato parlamentar. Em razão da função eletiva, o parlamentar tem direito a receber aposentadoria acima do limite do teto estabelecido pela Previdência para o trabalhador comum, que atualmente é de R$ R$ 5.531,31. Em outras palavras, o regime especial de seguridade implica, ao passo em que garante mais ganhos ao parlamentar, menos dinheiro recolhido aos cofres públicos, a título de contribuição previdenciária.
No entanto, para aderir ao PSSC o deputado deve apresentar Requerimento de Opção Previdenciária em até 30 dias após o início do exercício no cargo. Neste caso, a adesão produz efeitos desde o início do mandato.
Em agosto deste ano, a Procuradoria Geral da República (PGR) ingressou com uma ação que contesta o PSSC. Para o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a lei criou um sistema previdenciário próprio, com regras brandas e flexíveis, para deputados e ex-deputados. Pelo plano, um deputado pode se aposentar a partir de apenas um ano de exercício do cargo, desde que faça averbações de outros mandatos ou contribuições ao INSS. O questionamento é feito enquanto a Câmara discute, ainda longe de consenso, a polêmica reforma da Previdência.
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