O projeto estabelece normas para compra, posse, porte e circulação de armas de fogo e munições, definindo penas para eventuais violações das regras. Entre os pontos polêmicos da proposta está o que garante ao cidadão, sob certas condições, o direito de adquirir e portar na rua até nove armas de fogo. O texto também aumenta o número de munição para portadores de armamento: de 50 balas por ano para 50 balas por mês. A proposta enfrenta resistência do governo, que prefere manter as diretrizes da atual legislação.
De autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), o projeto passou pela primeira audiência pública da comissão na última quarta-feira (26). E já pode ter seu relatório final encaminhado ao plenário daqui uma semana, tão logo seja realizada a segunda audiência, prevista para amanhã (quarta, 3). O relator, Cláudio Cajado (DEM-BA), chegou a apresentar uma nova versão para o projeto em outubro de 2013. Mas a discussão acabou ficando para este ano. E, se depender da comissão especial, desta vez será aprovado. O deputado trabalha em novo parecer.
Procurado pela reportagem, Cajado preferiu não adiantar o teor de seu relatório. Por meio de sua assessoria, disse que aproveitará as duas reuniões desta semana para nortear seu parecer. Mas ele comentou o assunto, na última sexta-feira (28) em seu perfil no Facebook. “A discussão do tema é muito importante, visto que o Estado não consegue amparar a população e essa iniciativa garante aos brasileiros o direito à segurança e defesa pessoal. Mais uma vez, reforcei no encontro [na comissão] a minha posição como relator e cidadão brasileiro de analisar todas as sugestões das diversas entidades e adotar de forma democrática os anseios da população. Assim, mais um passo foi dado em prol da vida do cidadão brasileiro”, disse, sinalizando apoio à revisão do estatuto. Diversos seguidores do deputado na rede social manifestam apoio ao projeto de lei.
“Por que um cidadão comum precisa ter nove armas e 50 munições por mês? O projeto é desastroso”, disse ao Congresso em Foco o cientista político e professor de Relações Internacionais Marcelo Fragano Baird. Coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz para a área de Sistemas de Justiça e Segurança Pública, Marcelo apresentou em primeira mão a este site um levantamento sobre as doações de campanha, por parte da indústria de armas e munições, para parlamentares que disputaram as eleições deste ano.
O estudo mostrou que quase metade dos integrantes do colegiado foram financiados por fabricantes de armas. Entre os 24 membros titulares da comissão especial, dez receberam financiamento do setor em 2014 – e foram estrategicamente distribuídos pelos principais postos de comando do colegiado, diz o instituto. Entre eles estão os deputados Marcos Montes (PSD-MG), presidente da comissão; Guilherme Campos (PSD-SP), 1º vice-presidente; e João Campos (PSDB-GO), 2º vice-presidente (leia mais).
Dedo no gatilho
Na hipótese de a comissão especial não aprovar o projeto ainda nesta legislatura, os defensores da proposição estarão a postos na próxima. Como o ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que volta à Câmara em 2015. Coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, Fraga foi um dos líderes da bancada contrária ao Estatuto do Desarmamento. Na audiência da última quarta-feira (26), ele disse que criticar as armas é “falta de argumento”. “É o cidadão que aperta o gatilho. A culpa não é da arma”, disparou.
Diante dos requerimentos apresentados para mais audiências públicas, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) pediu a palavra ao presidente da comissão especial, Marcos Montes, para se certificar de que o projeto vai à votação nesta quarta para evitar “medidas protelatórias”. “Ninguém tem esse compromisso de ter ou não ter medida protelatória. Acho que estamos buscando um consenso para acelerarmos este processo”, rebateu Montes. “É muito importante votarmos esse relatório.”
Já o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), membro da comissão especial, dirigiu-se ao relator Cláudio Cajado na audiência para reclamar que, na prática, o PL 3722/2012 revoga a lei vigente. “Nós temos bons efeitos do Estatuto do Desarmamento. Um dos bons efeitos é que tínhamos uma escalada dos crimes por arma de fogo no Brasil. E, depois do estatuto, paralisamos essa escalada e conseguimos diminuir as mortes praticadas por arma de fogo”, disse o petista, para quem a legislação “é um dos vetores de diminuição da violência”. “Onde não houve o cumprimento do estatuto e a política de segurança não foi boa, os homicídios continuaram altos.”
Defensor contumaz do porte de armas, um dos membros da comissão contestou Paulo Teixeira. “Quero falar um pouco de vida real. Primeiro, dizer que, em relação à pesquisa, está resolvido no Brasil. porque nunca antes 60 milhões de brasileiros demonstraram na urna, claramente, a sua vontade – que tem sido negada pelo atual governo, de maneira peremptória”, criticou Onyx Lorenzoni (DEM-RS), referindo-se ao referendo que, em 2005, fez a seguinte pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. Venceu justamente o “não”, com 63,94% dos votos, contra 36,06% do “sim” (leia mais aqui).
“São as ordens do Ministério da Justiça para delegado não conceder posse [de arma], não conceder porte; instrução para psicólogos reprovarem [requerentes de armamento] nos exames. Se tem um governo que não respeita a vontade popular é o que está instalado no Brasil hoje. Por isso, na minha opinião tem que revogar, mesmo, esse estatuto, e colocar uma lei mais equilibrada no lugar. Algum governo tem o direito de negar a Declaração dos Direitos Humanos? Está lá escrito: o ser humano tem o direito de ir às últimas consequências para manter o bem maior, que é a vida. O Brasil é signatário!”, protestou Onyx.
Por sua vez, Alessandro Molon (PT-RJ) pediu a Cajado que fundamentasse seu relatório em pesquisas sobre segurança pública e uso de armas de fogo. “Parece-me que o que falta no debate é exatamente isso: quais são os números que levam a quais conclusões? Há afirmações, na justificativa do projeto, ou que foram apresentadas pelos membros das Mesas, que não se sustentam. Por exemplo, quando se faz referência a matérias do Jornal Nacional, como foi dito aqui [na comissão], isso não tem validade estatística alguma. Estamos falando aqui de política pública!”, alertou Molon, que tem reclamado da “pressa” da comissão em aprovar a matéria.
Flexibilização
No capítulo “disposições gerais”, o projeto diz que o número máximo de armas que o cidadão pode manter em sua propriedade, “excetuados os colecionadores, atiradores e caçadores devidamente registrados junto ao Comando do Exército”, é de “três armas curtas de porte, três armas longas de alma raiada e três armas longas de alma lisa” – na raiada, há ranhuras no interior do cano, para estabilização do tiro. “Não se incluem nestas quantidades as armas obsoletas”, diz o parágrafo único, referindo-se a armas antigas e tornando, na prática, ilimitada a quantidade de unidades para a posse.
Continua vetado o porte de arma por cidadãos comuns em locais públicos com aglomeração, ou se o portador estiver sob efeito de substância entorpecente. Na definição de posse ilegal de arma de fogo, o projeto diz: “Possuir, deter, receber, manter, adquirir, fornecer ou ocultar arma de fogo de uso permitido ou restrito, sem registro, no interior de sua residência ou dependência desta, ou no local de trabalho, sem prejuízo das penas cominadas para algum outro crime cometido”. A pena fixada é de um a três anos de prisão se a arma for de uso permitido e de dois a quatro anos se for de uso restrito.
O projeto flexibiliza as regras atuais e diminui os custos do processo para a concessão do porte de arma. O requerente deve ter ao menos 21 anos, apresentar documentos básicos e não ter antecedente criminal ou inquérito por qualquer tipo de violência. Além disso, deve fazer curso técnico e atestar sanidade mental. Atualmente, o cidadão deve comprovar a necessidade de ter uma arma para então requerer sua posse, submetendo-se a ditames burocráticos mais detalhados e o devido exame psicológico.
Regulamentação
Na justificativa de seu projeto, Rogério Peninha critica a tramitação do atual estatuto. “A par do grande impacto que causaria na sociedade brasileira, o Estatuto do Desarmamento ingressou no mundo jurídico sem a necessária discussão técnica sobre seus efeitos ou, tampouco, sua eficácia prática para a finalidade a que se destinava: a redução da violência. Fruto de discussão tênue e restrita ao próprio Congresso, sua promulgação ocorreu bem ao final da legislatura de 2003, ou, como identifica o jargão popular, no ‘apagar das luzes’”, diz o deputado.
Ele defende novo “conceito” para o tema (“Estatuto de Regulamentação das Armas de Fogo”), e também menciona o referendo de 2005. “O desarmamento civil, portanto, é uma tese que, além de já amplamente rejeitada pela população brasileira – o que, por si só, já bastaria para sua revogação –, se revelou integralmente fracassada para a redução da violência, seja aqui ou em qualquer lugar do mundo em que implantada. Ao contrário, muito mais plausível é a constatação de que, após o desarmamento, muito mais cidadãos, indefesos, tornaram-se vítimas da violência urbana”, ponderou.
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