Divergências de mérito levaram ao adiamento, para a próxima terça-feira (13), do Projeto de Lei 2126/2011, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Apresentado pelo Poder Executivo em agosto de 2011, a matéria é vista como uma espécie de Constituição do mundo virtual, a partir da qual a conduta dos usuários e as obrigações dos provedores de internet brasileiros devem ser norteadas pelo conjunto de normas em apreciação no Congresso.
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Relator da matéria, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ) encontrou dificuldades para levar o texto para a votação em plenário. Tanto que a reunião de líderes partidários realizada no transcorrer desta quarta-feira (7), na última tentativa de deliberação ainda nesta semana (a matéria está há meses em discussão na Câmara), chegou ao fim sem acordo. Até o Ministério das Comunicações, na figura do ministro Paulo Bernardo, entrou em rota de colisão com o relatório de Molon.
Confira a íntegra do relatório de Molon
Um dos pontos de discordância, disse Molon depois da reunião, diz respeito à regulamentação das “exceções de neutralidade” da grande rede – ponto do texto incluído de última hora depois de acordo costurado ontem (terça, 6) com o Planalto. Molon explicou que foi retirada do projeto a menção ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) – segundo o deputado, o governo alegou que, como o órgão existe por decreto, e não por lei, não faria sentido dar tal atribuição ao comitê. “Argumento do qual discordo”, disse Molon, que resolver recuar para garantir a votação do projeto.
Segundo o deputado, uma nova redação do parecer deixará claro que a responsabilidade pela regulamentação das exceções de neutralidade será do Executivo, e não da Anatel, como foi cogitado.
“Apenas o Poder Executivo podia fazer a regulamentação, isso foi dito com todas as letras na reunião com o governo na data de ontem [terça-feira], com representantes de todos os ministérios envolvidos. Me surpreendi hoje que, da parte do Ministério das Comunicações – e eu vi isso numa entrevista do ministro Paulo Bernardo –, a interpretação é de que esse texto permite a regulamentação pela Anatel. Para que não paire dúvida, eu vou mudar mais uma vez o texto para deixar claro que não cabe à Anatel essa regulamentação. Para o o ministro, para qualquer parlamentar, para qualquer cidadão”, protestou o deputado, negando que o adiamento da votação foi provocado apenas pela divergência de Paulo Bernardo.
Neutralidade
Segundo Molon, outro dos principais elementos de divergência foi a chamada “neutralidade da rede”, que é o tratamento isonômico a consumidores com contas de valores diferentes. O relator quer evitar que provedores privilegiem usuários de pacotes de internet mais caros. Além da isonomia, a neutralidade impede que provedores de conteúdo priorizem portais com mais gastos com publicidade.
Mas deputados como Ricardo Izar Júnior (PSD-SP) defendem o tratamento diferenciado para o consumidor internauta, uma vez que, segundo ele, investimentos de aumento da capacidade da rede só começarão a ter efeito em alguns anos. “Informações passam como que por estradas. Temos que dar prioridade para quem paga mais. Tem quem pague menos, só acesse o e-mail, mas tem gente que paga o pacote mais caro, tem um tráfego mais intenso de dados”, defendeu o parlamentar paulista, para quem o sistema brasileiro ainda não suporta tal congestionamento.
Molon diz que esse ponto do texto deve ser “o mais seguro possível”. “O adiamento deveu-se a uma série de dúvidas e preocupações com alguns temas do marco civil. Há resistência à neutralidade da rede. […] É tema complexo, que envolve diversas áreas, em que até os especialistas têm dúvidas”, acrescentou Molon, para quem o tema é o “mais sensível” do projeto.
“Poucos países conseguiram avançar nele, e o Brasil é pioneiro. Dela [neutralidade] depende o futuro da internet no Brasil, e se continuaremos tendo liberdade de escolha, ou se são os nossos provedores de internet que vão escolher por nós o que a gente vai ler, acessar, o que chega rápido e o que chega devagar”, reclamou o deputado, ao criticar o papel de provedores que prometem uma velocidade de internet que não entregam ao consumidor. “O que acontece é que as teles [empresas de telefonia] querem ganhar ainda mais dinheiro com a venda de acesso à internet. Eles deveriam estar preocupados, neste momento, em garantir a entrega daquilo que elas vendem, e que nós pagamos.”
Combate à pirataria
O deputado disse ainda que a ministra da Cultura, Marta Suplicy, manifestou preocupação com a parte do projeto que fala sobre direitos autorais na rede. “Em acordo” com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Marta foi ao Congresso na manhã desta quarta-feira (7) e disse que “qualquer mudança” a respeito do assunto deve ser operada por meio da reforma da lei sobre direitos autorais. Segundo Molon, Marta “enviaria em breve” para a Câmara o novo projeto de legislação.