Num depoimento tumultuado e cheio de contradições, a secretária Fernanda Karina Somaggio afirmou que o ex-patrão, o publicitário Marcos Valério Fernandes, realizava ou ordenava fazer saques de elevados valores às vésperas de encontros com dirigentes do PT. Ao longo de quatro horas de depoimento no Conselho de Ética da Câmara, na condição de testemunha de defesa de Roberto Jefferson, a ex-secretária detalhou aos deputados esses contatos.
“Ele (Valério) viajava sempre para encontrar o Delúbio. Na véspera, havia um saque grande de dinheiro nas contas do Banco Rural”, disse Fernanda. As conversas entre Valério e Delúbio antes das viagens para os encontros eram geralmente feitas pelo telefone, cuja chamada era feita por Karina.
Ao conselho, Fernanda revelou também que, além de Delúbio, Valério conversava com o secretário-geral do PT e com o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Com Dirceu, hoje deputado, havia uma forma de contato peculiar de modo a não levantar suspeitas: primeiro, ela fazia a ligação para o telefone; só depois ele retornava à ligação.
“Mentira”, rebateu Dirceu, ao ver, pela televisão, o que Karina falava. Diceu disse que só iria se pronunciar sobre o caso no Conselho de Ética e na CPI. Mas teria dito a amigos que a quebra de sigilo telefônico de Valério desmontaria a tese de que ele conversava com o publicitário.
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Os encontros entre a cúpula do PT e Valério eram realizados ora em Brasília ora em São Paulo. O publicitário, acusado por Roberto Jefferson como um dos operadores do ‘mensalão’, viajava acompanhado de funcionárias do setor financeiro de uma de suas empresas de publicidade: Simone Vasconcelos ou Geiza Dias. Segundo Fernanda, as duas e os contínuos da empresa faziam os saques.
Uma vez na capital, contou Karina ao conselho, Simone passou o dia inteiro contando dinheiro. “Ela diz que ficava cansada contando dinheiro”, afirmou Karina. A ex-secretária, contudo, não sabe de onde vinha o dinheiro sacado, nem o destino dele.
À revista Istoé Dinheiro, a ex-secretária disse que a origem era das estatais. Karina ainda sustentou que os saques para políticos vinham de governos anteriores, e havia acertos com os governos de Minas Gerais e do Distrito Federal.
Karina rebateu o que Marcos Valério disse sobre seus investimentos em animais. O publicitário afirmara que gastava dinheiro comprando gado. “Enquanto eu trabalhei lá não tive notícia de ele comprar gado. O Marcos Valério é criador de cavalos”, afirmou a ex-secretária.
Karina se contradisse várias vezes. Após ter desmentido à Polícia Federal o que disse à revista Istoé, a ex-secretária disse que voltaria atrás novamente: “Eu mudei meu depoimento por orientação do meu advogado. Se meu advogado mandar, eu mudo sim, se for melhor para a ação (judicial).”
Na avaliação dos membros do conselho, o depoimento foi aquém do esperado. “Em alguns momentos ela desmentiu o que estava na reportagem e em outros jogou a informação na boca de outras pessoas. Mas é um depoimento importante e temos que continuar as investigações”, afirmou Jairo Carneiro (PFL-BA), relator do Conselho de Ética.
Hoje, o Conselho de Ética ouve os depoimentos de Carlos Rodrigues (PL-RJ) e Pedro Henry (PP-MT), às 14h. Os dois são apontados como participantes do esquema de mensalão na Câmara.
Contradição e obviedade
Num dia marcado por bate-boca e poucas novidades para os trabalhos, a CPI dos Correios ouviu ontem o depoimento do advogado Joel Santos. Ele confirmou aos deputados e senadores ser o autor da gravação que flagrou Maurício Marinho, funcionário da estatal, recebendo R$ 3 mil de propina em nome do PTB.
Segundo Joel, o pagamento foi uma forma de ajudar o empresário e seu amigo Artur Wascheck Neto, que estaria sendo preterido em licitações nos Correios. O advogado desmentiu que recebeu o dinheiro de uma consultoria, conforme depoimento de Marinho à CPI na semana passada.
”Ao marcar nosso último encontro pelo telefone, adiantei a Marinho que lhe pagaria R$ 15 mil para que nos abrisse as portas nas licitações dos Correios e avisei que daria R$ 3 mil de adiantamento. A idéia foi minha de dar o dinheiro”, disse Joel aos parlamentares. Uma vez por mês havia, segundo Joel, uma reunião com Roberto Jefferson para prestar contas. O advogado disse ter gravações sobre o suposto esquema de corrupção nos Correios.
Em um depoimento que durou quase cinco horas, Joel não trouxe fatos novos e ainda entrou em contradição com o depoimento que havia dado à Polícia Federal. Integrantes da CPI o chamaram de mentiroso.
Quem apareceu de surpresa na sala do depoimento foi o sócio de Wascheck, Antonio Velasco. Antes de ter sido reconhecido, Joel dissera que Antonio não sabia das gravações. O deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) classificou a ida surpresa de Velasco como “intimidatória”.
Outro que depôs na CPI foi o consultor Arlindo Molina, que tinha em mãos as fitas de corrupção nos Correios. Ele negou a tentativa de extorquir Roberto Jefferson com a gravação do pedido de propina de Marinho, versão divulgada pelo deputado. Ao dizer que tem relação "estreita" com Jefferson, estranhou o que ele disse: "Gostaria de ter sido acareado com ele para perguntar isso a ele (a tentativa de extorsão)", afirmou Molina.
Um terceiro envolvido no caso de corrupção dos Correios, Jairo Martins, não compareceu à comissão. Por fax, alegou que não recebeu “intimação pessoal”. Ele disse que soube pela imprensa.
Bate-boca
A oposição reclamou ontem em alto e bom tom dos depoentes escolhidos pela mesa dos trabalhos da CPI dos Correios. O auge do bate-boca ficou por conta da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), que discutiu rispidamente com o deputado Maurício Rands (PT-PE) por causa da inclusão do genro do deputado Roberto Jefferson, Marcus Vinícius, no rol de depoimentos previstos para amanhã.
A preferência da oposição era escolher outros nomes mais ligados aos Correios. Eles ainda reclamaram de não estarem recebendo a documentação para embasar os depoimentos. “É óbvio que não estamos preparados para argüi-los”, afirmou o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). Delcídio Amaral (PT-MS), presidente da CPI, concordou com a precariedade das informações para a sessão de hoje. Contudo, manteve a agenda.
Ciro confirma que Jefferson falou do ‘mensalão’
Foram necessários apenas seis minutos para que o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, confirmasse ontem à Comissão de Sindicância da Câmara o que já havia dito à imprensa: o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) conversou com ele sobre um suposto pagamento de mesada a deputados. A conversa foi há um ano e meio e Ciro sustentou que não viu, à época, fundamento para levá-la adiante. “Acho uma aberração que uma coisa dessa tenha acontecido”, disse.
A Comissão ouve hoje os depoimentos do presidente do PT, José Genoino, e do publicitário Marcos Valério, dono da agência SMP&B, acusados pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) de envolvimento no esquema de mensalão. Também deve ser ouvido o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que, segundo Jefferson, teria sido informado pelo deputado sobre o suposto pagamento.
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