Semana passada estava dentro de um avião da Gol, sentado ao lado da minha esposa. Tinha terminado de ler o Relatos de mar y tierra, de Álvaro Mutis, e começava a retomar a leitura de “La mano de Fátima”, de Ildefonso Falcones. Retomava uma leitura interrompida tempos atrás.
La mano de Fátima é um romance histórico sobre a rebelião mourisca, ocorrida em 1568 na região de Alpujarras, próxima a Granada, Espanha. Os mouriscos se rebelaram contra a humilhação, exploração, espoliação e todo tipo de violência impingida a eles pelos cristãos da época. Rebelião esta que termina com a sua derrota e consequente dispersão por todo o reino de Castilla.
Com a cabeça baixa, concentrado na leitura, surge de pé ao meu lado, no corredor do avião, um homem. Em voz relativamente alta, para o ambiente, sorriso irônico nos lábios, dedo em riste, arrogante e provocador, ele me faz uma pergunta. Como estava concentrado na leitura, não entendi. Ergo a cabeça e ouço: “Você é do PT que morreu hoje”?
Neste momento minha esposa responde: “Quem morreu hoje foi a Marisa Letícia, esposa do Lula”. E em seguida complementei: “Sim, sou filiado ao PT e ele não morreu hoje. Quem faleceu foi a esposa do Lula”. Que, ao desembarcar em Guarulhos (SP), soube que ainda não havia falecido.
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Sem uma reflexão mais profunda, no momento, concluí tratar-se de uma besta, tanto no sentido do substantivo como no adjetivo. Ou será que é um informado fascista?
Tento recuperar a leitura do livro, mas por um bom tempo não consegui. Uma espécie de sombra caiu sobre mim. Não tenho pensamento de raiva e tampouco de ódio. Sinto uma espécie de compaixão no sentido da infelicidade que esse homem, com o comportamento de besta, vive.
Alguém que sente felicidade pela morte do próximo é um infeliz. É um ser que está com a própria alma morta. Perdeu toda capacidade de humanismo e de solidariedade cristã. Assemelha-se aos cristãos de Alpujarra em 1568.
Há responsáveis por este tipo de comportamento que tomou conta do Brasil nos últimos anos. Há responsáveis pela construção deste ódio. A mídia privada é a que tem maior responsabilidade (Organizações Globo com suas rádios, TVs, jornais e revistas, a Veja, Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e demais redes nacionais de TV). Em seguida, aparecem várias instituições públicas e privadas, entre as quais o Conselho Federal de Medicina (CFM).
Nos últimos anos, o CFM fez oposição política aos governos do PT, principalmente ao de Dilma. De maneira agressiva, colocaram-se contra o programa Mais Médicos.
O CFM negava o Mais Médicos e, consequentemente, negava o direito da população ao atendimento à saúde. O método e os discursos usados pelo CFM contra o Mais Médicos permitiu a construção do ódio, preconceito e intolerância em parte dos médicos e médicas.
Hoje, assiste-se como algo normal atos como a da pediatra Maria Dolores Bressan, que nega, por ideologia, o atendimento de uma criança. Permite-se, por ideologia, a quebra do sigilo profissional como fez a (doutora?) Gabriela Munhoz. Ou pior, como fez Richam Faissal El Hossain Ellakkis, que, pelas redes sociais, além de chamar os colegas médicos de fdp, pregou o assassinato através de procedimento clínico-terapêutico.
O CFM, que fazia política, muitas vezes de aspecto partidário, contra o governo Dilma, deixa (é legal) todos esses casos para os Conselhos Regionais. Porém, ética e moralmente, através de nota, deveria condenar este tipo de prática.
A maioria das médicas e médicos brasileiros, com certeza mais de 99%, é gente séria, honesta e exerce a profissão atendendo indistintamente todas as pessoas. Ao não se manifestar, o CFM coloca esta grande maioria, aos olhos da população, no mínimo, em situação constrangedora.
A posição do CFM condenando este tipo de prática corroboraria para a atuação dos Conselhos Regionais. Ou será que vai esperar a construção de bestas e fascistas como Josef Mengele?
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