Está marcada para esta terça-feira (29), no Senado, a votação em primeiro turno da proposta de emenda à Constituição (PEC 55/2016) que limita os gastos da União nos próximos 20 anos. Enquanto a oposição tenta travar a apreciação da matéria, membros da base aliada antecipam, inclusive, o placar com mais de 60 votos favoráveis ao projeto. Na tarde desta segunda-feira (28), o presidente Michel Temer convocou líderes de partidos aliados ao governo para discutir a votação da proposta, que vai a voto em plenário imersa em uma atmosfera de crise política.
A votação da proposta chega ao Plenário do Senado depois da tentativa do governo de abafar a mais recente crise política, com direito a coletiva de imprensa convocada por Temer, com os presidentes da Câmara e do Senado, em pleno domingo. O mau tempo que ameaça o governo Temer foi gerado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero – ao pedir demissão, no último dia 18, Calero acusou o também ex-ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) de pressioná-lo para produzir um parecer técnico ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) com o objetivo de favorecer a aprovação de um projeto imobiliário nos arredores de uma área tombada em Salvador, onde Geddel adquiriu uma unidade.
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Estopim da demissão de Geddel. um depoimento de Calero à Polícia Federal foi divulgado na quinta-feira (24) e, nele, aparece outra acusação de tentativa de influência sobre o caso. Desta vez, contra Michel Temer e outro ministro de sua confiança, Eliseu Padilha (Casa Civil). O imóvel, pivô da demissão do ex-ministro, tem valor avaliado entre R$ 2,6 milhões a R$ 4,7 milhões, segundo corretores de Salvador. O empreendimento, de 24 andares, incluindo uma cobertura duplex, tem 106 metros de altura e é erguido em uma das áreas mais nobres da capital baiana, na região da Barra. Em tempos de crise financeira, o assunto causa o pior desgaste para o governo Temer desde a posse definitiva do peemedebista, em 31 de agosto, confirmado o impeachment de Dilma Rousseff.
Diante da situação, senadores oposicionistas apresentaram representação à Procuradoria-Geral da República (PGR), na tarde desta segunda-feira (18), em que solicitam apurações sobre indícios da prática dos crimes de concussão, advocacia administrativa e improbidade administrativa contra o presidente Temer. De acordo com eles, o peemedebista cometeu os crimes ao interferir “em assunto privado envolvendo dois ministros de Estado”. Os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Fátima Bezerra (PT-RN), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Humberto Costa (PT-PE), além dos deputados Afonso Florence (PT-BA), Maria do Rosário (PT-RS) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), foram à PGR protocolar a denúncia.
Apesar de
Mas membros da base dizem não acreditar que a crise atrapalhe a aprovação da PEC 55. Ao Congresso em Foco, o líder do DEMno Senado, Ronaldo Caiado (DEM-GO), afirmou que, apesar das denúncias, a ampla maioria dos parlamentares da Casa deverá seguir favoráveis ao governo. Para ele, “a sociedade já entendeu a necessidade” da limitação dos gastos, e vai apoiar a decisão esperada pela base aliada. Caiado também destacou ainda que “os que promoveram todo o desmonte do país não estão vestidos com credenciais para falar a respeito do momento delicado por que passa o Brasil”, e minimizou as acusações feitas por Calero a Geddel, Temer e Eliseu Padilha.
Publicidade“Nós vamos superar essas discussões amanhã. Nada vai interferir na votação. Afinal de contas, nunca se viu tantos escândalos envolvendo ministros como no governo do PT. O que ocorreu foi um fato e, logo em seguida, o ministro renunciou à sua função. Nada vai alterar o que eu acredito que nós teremos como resultado mais de 60 votos favoráveis à PEC. A população entende que para nós recuperarmos agora, depois de toda essa destruição promovida pelo PT, nós teremos que tomar medidas que realmente são, neste momento, curativas de um mal maior que foi o governo”, ressaltou o líder do DEM no Senado.
Já para a oposição, a proposta apelidada de “PEC da maldade” vai “culminar o Brasil a 20 anos de estagnação econômica”. Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE) afirmou a este site que, “em tese, o governo tem força suficiente para aprovar a medida”, mas que as denúncias contra Temer e seus homens fortes “obviamente” serão utilizadas em plenário “como argumento para defender a tese de que esse governo não tem mais nenhuma condição política ou ética para continuar dirigindo o país”.
“E também não tem nenhuma condição de aprovar medidas que vão ter uma repercussão de tão longo prazo como essa proposta da PEC. Esse vai ser o nosso argumento. Se nós vamos conseguir, ou não, sensibilizar a maior parte dos senadores em relação a isso, não sabemos. Mas vamos lutar por isso”, enfatizou Humberto Costa.
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O Psol também reagiu às denúncias e protocolou um pedido de impeachment contra Temer na Secretaria-Geral da Mesa Diretora na Câmara. “Advocacia administrativa e tráfico de influência são crimes e Geddel e Temer os cometeram. Falta Calero responder ou divulgar a gravação”, acusa o líder do Psol na Câmara, Ivan Valente (SP).
Leia a íntegra do pedido de impeachment contra Temer
O pedido só terá tramitação, no entanto, se for aceito pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já declarou não ter visto qualquer indício de crime ou negligência por parte de Temer. Ontem à noite (domingo, 27), o Fantástico (TV Globo) veiculou entrevista em que Calero reafirmou que o presidente lhe propôs uma chicana (manobra jurídica) para resolver o problema apresentado por Geddel.
Mobilização popular
No mesmo dia previsto para a votação em plenário, movimentos sociais se organizam para realizar um ato contra a proposta. As medidas, apresentadas pela equipe econômica do presidente Michel Temer em 15 de junho, são tidas pelo governo como essenciais para a recuperação econômica do país. Para isso, limita as despesas primárias da União, estados e municípios com base na inflação do ano anterior.
Estimativas mostram que, se a nova regra estivesse em vigor desde 2006, o valor do salário mínimo seria de R$ 550, e não os atuais R$ 880 (com a vigência desde 1998, segundo a Fundação Getúlio Vargas, esse valor cairia para R$ 440). O orçamento do setor de saúde, segundo os cálculos com base nos últimos dez anos, cairia dos atuais R$ 102 bilhões para R$ 65 bilhões. O mesmo ocorreria com a área da educação, que não conseguiria alcançar um orçamento de R$ 103 bilhões previstos para este ano e ficaria restrito a R$ 31 bilhões. Esses cálculos levaram em consideração a variação do IPCA no período.
“Com tantos cortes nos gastos do governo para atender a demanda por serviços do Estado, esta emenda implicará transferência de renda às avessas, dos pobres para os ricos”, diz o diretor técnico do departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz.
O rigor da emenda também assusta a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O presidente da entidade, Cláudio Lamachia, questiona a constitucionalidade de um mecanismo que, mesmo com a necessidade de ampliação da assistência do Estado, não permitirá maiores investimentos.
“Na área da saúde, a emenda levará à redução de investimentos e a uma situação de caos, pois a população brasileira está aumentando e também está envelhecendo”, observa Lamachia.
O alerta para o excessivo rigor da emenda também vem da entidade nacional dos fiscalizadores de contas públicas. “Há saída nas renúncias de receitas, na redução de cargos comissionados, no freio à falta de limite para a dívida pública, entre outras. Os créditos subsidiados via BNDES, por exemplo, constituem caixas-pretas que drenam esses recursos”, diz a presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas, Cláudia Fernanda.
Novo regime
A proposta vai além da simples mudança no regime fiscal da União. Também impõe uma das mais importantes alterações no modelo de Estado desenhado pela Constituição de 1988, obrigando modificações em diversos artigos constitucionais e leis ordinárias que regem programas de governo e suas metas. As mudanças nas leis nacionais, estaduais e municipais serão obrigatórias para enquadrar na nova regra os orçamentos de todas as instâncias de poder.
Uma das primeiras modificações terá de ser feita nas leis que regem a política salarial dos servidores públicos. Todas as regras que vierem a prever aumento real, com reposição acima da inflação, não poderão sequer ser negociadas ou prometidas, sob pena de descumprimento do limite de gastos. Também haverá mudança nos critérios para o cadastramento e pagamento do Benefício de Prestação continuada (BPC), com previsão de salário mínimo para quem tem pelo menos 65 anos e nunca contribuiu para a Previdência. O dinheiro sai do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social e estará sujeito aos limites da PEC, mesmo que aumente o número de dependentes ou o valor do benefício.
A emenda também implicará mudanças nas regras de reajuste do próprio salário mínimo. Por lei, o piso remuneratório deve ser reajustado pela inflação do ano anterior, acrescido da variação do PIB de dois anos antes. Para não descumprir a regra constitucional do limite de gastos, a lei que reajusta o mínimo terá de ser modificada para evitar que as despesas da União, estados e municípios ultrapassem o limite de gastos impostas pela emenda.
A equipe econômica do governo e a base de sustentação parlamentar de Temer no Congresso – formada por PMDB, DEM, PSDB, PP, PSD e outras bancadas menores – consideram o remédio do limite de gastos “amargo”, mas necessário. Sem ele, argumentam, haverá o caos econômico, além da incapacidade de o país continuar honrando seus compromissos até mesmo com despesas corriqueiras, como salários de servidores e aposentadorias.
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