O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), acatou nesta segunda-feira (7) o pedido de prorrogação do inquérito que investiga se o presidente Michel Temer recebeu propina para favorecer a empresa Rodrimar S/A, concessionário do Porto de Santos, ao editar o Decreto dos Portos (Decreto 9.048/2017) em maio do ano passado. Barroso também negou, no mesmo despacho, pedido da defesa do emedebista para que o processo fosse arquivado. Temer é suspeito de integrar esquema de corrupção no Porto de Santos, área de influência do MDB ha décadas.
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O magistrado alegou “ser necessário aguardar-se a conclusão das diligências em curso para que se possa formar opinião sobre a existência material dos delitos investigados”, seguindo entendimento do Ministério Público Federal (MPF). A prorrogação das investigações também foi defendida pelo MPF a partir de pedido da Polícia Federal, que apontou diligências pendentes de execução. Procuradora-geral da República, Raquel Dodge divulgou parecer na última semana por meio do qual recomendou a Barroso, relator do caso, que desse mais prazo de apuração aos delegados da PF.
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“Já quanto aos pedidos de arquivamento do Inquérito, formulados pela Defesa do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, razão assiste ao Ministério Público Federal ao salientar ser necessário aguardar-se a conclusão das diligências em curso para que se possa formar opinião sobre a existência material dos delitos investigados”, anotou Barroso no despacho.
Alvo de mais um inquérito no STF e outras duas denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR), ambas barradas pela Câmara, Temer já teve seu sigilo bancário quebrado no transcorrer das apurações. Em relação ao Decreto dos Portos, o presidente nega ter cometido os crimes apontados por delatores e diz jamais ter sido procurado por empresários do setor portuário para negociar a edição do instrumento legal. Em dezembro do ano passado, o emedebista teve que responder perguntas da PF sobre a acusação de favorecimento à Rodrimar.
Medida provisória
No inquérito, o presidente é apontado como suspeito de cometer os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Embora a Rodrimar atue no Porto de Santos, base de diversas operações do setor petrolífero, o caso não guarda relação com a Operação Lava Jato.
A suspeita é de que o decreto de Temer – atrelado à edição da medida provisória editada em 2013, quando Temer era vice-presidente – serviu como contrapartida ao recebimento de propina paga pela Rodrimar. A negociata da chamada “MP dos Portos”, segundo as investigações, foi intermediada pelo ex-assessor especial da Presidência da República Rodrigo Rocha Loures (PMDB), suplente de deputado pelo Paraná que passou a ser chamado de “deputado da mala”.
Em 29 de abril, Loures foi filmado pela PF fugindo por uma rua de São Paulo com uma mala com R$ 500 mil em espécie e virou réu devido ao episódio. Blindado por deputados da base em duas votações de plenário, Temer, a quem foi atribuído o dinheiro, foi beneficiado pela legislação vigente e só pode ser investigado por ato cometido no exercício do mandato, e mesmo assim com autorização da Câmara. Com a negativa da Câmara, a continuidade do processo contra o presidente só terá curso quando ele deixar o mandato.
Além de Temer e Rocha Loures, executivos da Rodrimar também são investigados. O inquérito também apura o eventual vínculo entre a atuação dos representantes da Rodrimar e a edição do Decreto dos Portos.
Fator Funaro
A acusação contra Temer já havia sido reforçada com a delação premiada de Lúcio Funaro. Ele é apontado como operador do PMDB em esquemas de corrupção e um dos condenados da Lava Jato que ganharam benefício da prisão domiciliar nesta terça-feira (19), e sem precisar usar tornozeleira eletrônica (Marcelo Odebrecht, dono da empreiteira que leva seu sobrenome, terá que usar o aparelho de rastreamento). Além de dizer que o ex-deputado peemedebista Eduardo Cunha “funcionava como um banco de corrupção de políticos”, Funaro disse em depoimento que o presidente atuou para defender interesses de empresas portuárias justamente por meio da tramitação da MP dos Portos.
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Em vídeo veiculado no site do jornal Folha de S.Paulo em 13 de outubro, Funaro diz que o então vice-presidente pedia a Eduardo Cunha, na época líder do PMDB na Câmara, para atuar no sentido de aprovar projetos que beneficiassem as corporações, especialmente em projetos no Porto de Santos. “Essa MP foi feita para reforma do setor portuário e ela ia trazer um grande prejuízo para o grupo Libra, que é um grupo aliado de Cunha e, por consequência, de Michel Temer, porque é um dos grandes doadores das campanhas de Michel Temer. O grupo Libra não ia mais poder renovar suas concessões portuárias, porque tinha vários débitos fiscais inscritos em dívida ativa”, relatou Funaro, apontando a restrição contida na MP e, em seguida, a providência tomada por Cunha.
“O que Eduardo Cunha fez? Pôs dentro [sic] dessa MP uma cláusula [garantindo] que empresas que possuíam dívida ativa inscrita pudessem renovar seus contratos no setor portuário desde que arbitrassem arbitragem para discutir esse débito tributário”, acrescentou o delator, para quem Temer recorria a Cunha porque o então deputado estava à frente das negociações em torno da votação da medida provisória.
À época do depoimento de Funaro, a defesa de Temer disse em nota que as acusações de Funaro são “vazias e sem fundamento”. “As afirmações do desqualificado delator não passam de acusações vazias, sem fundamento em nenhum elemento de prova ou indiciário, e baseadas no que ele diz ter ouvido do ex-deputado Eduardo Cunha, que já o desmentiu e o fez de forma inequívoca, assegurando nunca ter feito tais afirmações”, diz trecho do documento. Já a Rodrimar negou a tese de favorecimento e disse que o Decretos dos Portos era uma reivindicação antiga do setor portuário.
MP da discórdia
Com novas regras para o setor portuário, a Medida Provisória 595/2013, editada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, foi aprovada em 16 de maio de 2013 a cinco horas de perder a validade, em meio a um verdadeiro turbilhão de protestos da oposição da época, formada principalmente por PSDB e DEM, e disputa de bastidores. Revogando a Lei dos Portos, que estava em vigência desde 1993, a matéria liberou os portos privados para operarem qualquer tipo de carga, entre outras disposições.
As novas regras concederam à União a prerrogativa da gestão e planejamento estratégico do setor e, para os estados, a prerrogativa de administrar os portos. A medida também permitiu a movimentação de cargas de terceiros nos Terminais de Uso Privado (TUPs) e muda os critérios de desempate das futuras licitações. Para o governo, a proposta daria competitividade ao setor.