O mundo da tecnologia não vem favorecendo o ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Quando senador, perdeu seu mandato por causa da manipulação do painel eletrônico da casa legislativa; quando governador, foi filmado recebendo dinheiro de propina e chegou a ficar preso dois meses por isso, perdendo o cargo; agora, mais dois vídeos revelam que está fazendo de tudo (todas as tramoias possíveis) para manter sua candidatura, que foi cassada pelo Tribunal Regional Eleitoral do DF assim como pelo Tribunal Superior Eleitoral. O que ele disse nos dois vídeos (que chegaram às mãos da revista Época)? Vamos às transcrições:
Ele revelou os bastidores e táticas para impedir que o TSE confirmasse sua inelegibilidade, conforme decretou o TRE [no Brasil, luta-se por voto nos tribunais como se pede votos a eleitores; tudo com uma naturalidade incrível; as bases morais da nossa democracia e suas instituições parecem esgoto a céu aberto]
Assegurou “ter dois votos” no TSE para o julgamento [no final, como se sabe, a decisão contra Arruda foi tomada por seis votos a um; o único voto que ele conseguiu foi do ministro Gilmar Mendes]
Leia também
Disse que “estava trabalhando tudo” para garantir os quatro votos que lhe salvariam a candidatura. Numa frase difícil de acreditar, afirmou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso estava “trabalhando” para convencer o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que também está no TSE [FHC confirmou que falou com Arruda e que também falou com Gilmar, não sobre o sentido do voto, mas, sim, sobre a possibilidade de julgamento rápido do recurso; de qualquer modo, Arruda estava certo: o voto de Gilmar estava garantido, mas isso, disse o ministro, não porque alguém lhe tenha pedido, sim, por sua convicção, fundada na jurisprudência do STF]
Arruda fala em “trabalhar” e “garantir” votos nos tribunais superiores como se fossem votos no Congresso ou nas eleições [as instituições do Estado brasileiro estão em frangalhos; a corrupção e a vigarice contaminaram todas elas]
“É mais difícil conseguir quatro votos (no TSE) do que um milhão de votos (para governador)”, disse Arruda [que bom que seja assim; que bom que ainda existam juízes independentes; ruim que a população o tenha como o mais apto para cuidar do dinheiro público, mesmo depois de filmado embolsando propina]
PublicidadeEle afirmou que “o quadro no TSE não é bom”. Afirmou que pediria ao ex-procurador-geral do DF que conseguisse um voto de “um amigo” que participaria do julgamento – ele não declina o nome no vídeo. “Tenho que fazer de tudo”. [o compadrio é o estilo de se governar no Brasil; cuida-se das coisas públicas como se cuida da vida privada; os costumes da casa ingressam na vida pública sem nenhuma alteração; as redes de amizade favorecem todos que estão nas cúpulas dominantes; o Brasil e suas instituições são tratadas como negócios privados]
Arruda assegurou aos interlocutores que “tinha 90% de certeza” de que, mesmo a possível derrota no TSE, reverteria tudo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “É o mesmo relator”, diz Arruda. Ele se refere ao ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que concedera uma liminar, em 24 de junho, impedindo o julgamento de Arruda no Tribunal de Justiça [Arruda continua confiante numa nova liminar de Napoleão Nunes Maia Filho; tem 90% de certeza do seu voto; os votos dos ministros são quantificáveis; não sabemos as bases empíricas dessa quase certeza; misturar votos de juízes com números é coisa muito complicada]
Arruda se tornou inelegível? Sim, depois do julgamento do TJ-DF que confirmou sua condenação por improbidade administrativa. No momento do pedido de registro da sua candidatura era inelegível? Não, porque a lei da Ficha Limpa exige condenação de órgão colegiado para impedir a candidatura.
O registro de uma candidatura é um ato simples (basta pedir) ou um ato complexo (há um pedido, análise de documentos e condições de elegibilidade e uma decisão admitindo ou não a candidatura)? É um ato complexo. O primeiro a levantar esse tema em cima do “caso Arruda” foi Marlon Reis (no jornal Estado de S. Paulo).
Como decidiram o TRE e o TSE? É um ato complexo. Durante a tramitação do pedido de registro veio a confirmação da condenação de Arruda por órgão colegiado.
Como foi a votação no TSE? Foram seis votos pela inelegibilidade e um voto (de Gilmar Mendes) pela elegibilidade.
Essa foi a primeira vez que o TSE interpretou a lei da Ficha Limpa (nesse ponto)? Sim.
A decisão do TSE contraria a jurisprudência do STF? Sim. Para o STF, a elegibilidade deve ser aferida no dia do pedido do registro da candidatura. Para o TSE, a inelegibilidade pode acontecer durante o “processo complexo de registro da candidatura”.
A posição do STF foi tomada com base na lei da Ficha Limpa? Não. O STF não tomou sua decisão em cima dessa lei, mas do Código Eleitoral.
Contra a decisão do TSE cabe recurso? Sim, para o STF, porém, a chance de sucesso é remota, porque o TSE interpretou uma lei federal (não a Constituição). Ao STF levamos as questões constitucionais (não as questões de interpretação de uma lei).
Arruda pode continuar em campanha? Legalmente não (essa também é a posição do Procuradoria-Geral da República, Rodrigo Janot, e do ministro Luiz Fux), salvo se conseguir alguma liminar (no STJ ou no STF). Sua candidatura hoje está aniquilada, por uma decisão judicial. Para ganhar vida, depende de outra decisão judicial (uma liminar, que tem “90% de sair”, no STJ, conforme a fala de Arruda, que está misturando números com votos de juízes: essa é uma aproximação extremamente perigosa).
O que o “imbróglio” Arruda (já cassado anteriormente e já flagrado em corrupção) nos sugere?
Desde logo, se já vigorasse no Brasil a impossibilidade de reeleição para cargos eletivos, não estaríamos discutindo a candidatura do Arruda. Que mais? A falência da redemocracia (instaurada depois de 1985, com o fim da ditadura militar). A democracia no Brasil, até hoje, sempre foi um processo fracassado. Diga-se a mesma coisa da República. Na verdade, passa-se algo mais grave: o Estado brasileiro e todas suas essenciais instituições (democracia, mercado, justiça e sociedade civil) nunca foram fortes. Há uma infinidade de “ismos” que nunca deixaram o Brasil ser uma nação: patrimonialismo, fisiologismo, nepotismo, clientelismo, compadrismo etc.
O naufrágio da democracia contamina as outras instituições. A necrose moral é generalizada. O mal (a peste) da corrupção, do parasitismo e da vigarice corroeu todas as bases das instituições. Todas estão maculadas. A debacle se propagou. Nenhuma instituição consegue se isolar da contaminação geral. A única notícia boa é a seguinte: o mal, no Brasil, é uma criação do humano, logo, ele pode reverter o caminho e tomar o rumo do bem. O mal aqui não é uma lei da física nem da natureza. Sendo assim, sempre existe a possibilidade de se tomar o caminho correto (do bem, do sustentável, do moralmente correto, do eticamente irretocável, do exemplar). No dia em que tivermos uma elite dominante que volte sua atenção para o país, para o povo, para a nação, para a ética, tudo pode ser diferente.
Assine a Revista Congresso em Foco em versão digital ou impressa
Deixe um comentário