Osiris Lopes Filho*
A ministração de informações sobre a chamada reforma tributária (PEC 233/08) para o público, os padecentes tributários, foi feita gota a gota por pessoa não versada na matéria. Alardeou-se que, nas transações interestaduais de mercadoria, adotar-se-ia o princípio de destino, para a definição do local onde será pago o ICMS. Não é bem assim.
Em verdade aperfeiçoou-se a sistemática que vinha sendo utilizada – dividir a arrecadação entre o estado de produção e o estado de consumo. Em realidade, a disciplinação existente é amplamente favorável ao estado produtor das mercadorias em detrimento do estado dito consumidor, onde as mercadorias terminam sendo adquiridas no mercado, para consumo. Ao longo dos anos, esse mecanismo de divisão da arrecadação tem sido aperfeiçoado. Gradativamente, é verdade.
Foi-se atenuando, lenta e gradativamente, o favorecimento explícito estabelecido em favor dos estados industrializados, localizados no sul maravilha. Simplificando, a alíquota aplicável às transações interestaduais são menores do que as internas, para possibilitar uma arrecadação maior nos estados consumidores do que se fossem aplicadas em nível nacional as alíquotas internas.
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Posteriormente, foram fixadas alíquotas interestaduais ainda menores, quando as transações fossem feitas com estabelecimentos localizados nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste do país.
Permaneceu inerente a essa sistemática o desequilíbrio, favorecendo os estados mais fortes e potentes. Alguns teóricos componentes do time dos colonizados, permanentemente insatisfeitos com as soluções adotadas neste país – dotadas de criatividade própria – fizeram crítica fundamentada no modelo das relações de intercâmbio internacional de mercadoria.
Este mecanismo operativo é o seguinte: na fase de exportação, isenção de impostos, com a anulação de todas as incidências internas que oneraram a mercadoria ou a restituição dos tributos correspondentes; na fase de importação, incidência de imposto compensatório, objetivando igualar o preço da mercadoria importada ao da nacional.
É a adoção da tributação baseada no princípio do destino. Exporta-se a mercadoria livre de tributos e, na vertente de importação, faz-se a incidência dos tributos pertinentes, para nivelação da carga tributária da mercadoria estrangeira à nacional.
Na Federação brasileira, nessas transações realizadas entre estados distintos, a legislação do ICMS estabelece o tratamento já descrito, favorável aos estados centrais, industrializados e desenvolvidos. Aplicou-se critério misto entre a origem e destino.
A PEC em apreciação aperfeiçoou a sistemática. Previu, regra geral, uma alíquota de 2% na origem, deixando para o estado de destino a parte mais significativa da incidência. Pelo visto, não se adotou o princípio puro do destino. Agiu bem, nessa área, o governo Lula. Em país de dimensões continentais, a cobrança do imposto é mais factível na origem, pela concentração de operações na fase de industrialização.
O modelo adotado incentiva o estado produtor a controlar as saídas das mercadorias destinadas a outros estados, pois as suas administrações tributárias têm algo a arrecadar. A falha na PEC é a de aplicar nas remessas de petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos e derivados, e de energia elétrica, o princípio puro da tributação no destino.
Vale dizer, nos envios a outros estados desses produtos, não haverá retenção do ICMS no estado da produção. Inexistente essa arrecadação, a fraude e a sonegação vão prosperar. O modelo que se está propondo introduzir, em linhas gerais, é mais aperfeiçoado e significa progresso do modelo brasileiro adotado no ICMS.
O lamentável a se deplorar é vir no bojo de uma reforma constitucional, que se aplicará no futuro, se for aprovada. A atual Constituição, no seu art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “d”, já possibilita a mudança do critério de cobrança do ICMS e a valorização do princípio de destino. Vale dizer, não é necessário passar com um trator sobre o modelo tributário para aperfeiçoá-lo. Basta aproveitar a sua potencialidade para mudança, e melhorá-lo.
*Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB), foi secretário da Receita Federal.
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