Quando foi instalada, a gente disse aqui que a CPI do Cachoeira seria a CPI do carro desembestado, sem freio, sem motorista, descendo ladeira abaixo. E essa vai sendo mesmo a sua sina. De fato, empurraram o carro, e ele vai descendo, ora apontando para um rumo, ora apontando para outro, reduzindo a velocidade se a ladeira fica menos íngreme, acelerando quando fica menos plana. Onde vai parar, ninguém sabe.
Até agora, todas as tentativas de frear o carro ou controlá-lo resultaram totalmente infrutíferas. Vítima mais grave, parece até agora só ter feito mesmo o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO). Mas a verdade é que a CPI já deixou alguns atropelados leves pelo caminho. E pode pegá-los de novo na próxima esquina.
O fato é que a investigação à qual o Congresso se debruça é tão ampla e variada que qualquer tentativa de acordo se frustra porque fica impossível combinar tudo com todos. Na semana passada, governo e oposição, a partir de seus integrantes na CPI, parecem ter ensaiado um acordo. Isso ficou evidente na reunião administrativa da última quinta-feira (17), quando se decidiu quebrar o sigilo da Delta restrito apenas à região Centro-Oeste e deixou-se de fora da investigação no momento os governadores envolvidos e outros políticos de maior coturno.
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No mesmo dia, o acordo já começou a desmoronar. Um dos entes que não faz parte do acordo – um cinegrafista – flagrou o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), trocando mensagens de celular que pareciam ter por propósito blindar o governador do Rio, Sérgio Cabral. Recuos e discursos de que ninguém seria blindado vieram imediatamente.
O silêncio absoluto de Carlinhos Cachoeira na terça-feira (22) completou o quadro. Diante da evidência de desmoralização completa, num quadro de interrogatórios patéticos de testemunhas mudas para não se incriminarem, a CPI teve de admitir mudar de rumos. O sigilo da Delta em nível nacional, um dos pontos que se queria preservar, deverá agora ser quebrado, como já indicaram o presidente e o relator da CPI, senador Vital do Rego (PMDB-PB) e deputado Odair Cunha (PT-SP). Quebrado o sigilo nacional, é bastante provável que surjam indícios que envolvam obras da empreiteira em vários estados, que justifiquem depoimentos de responsáveis – governadores e até mesmo autoridades do governo federal.
Outros sigilos quebrados, outros documentos que aparecerão, também indicarão novos nomes, lançarão outras suspeitas, desenrolando um novelo cujo tamanho final é meio imprevisível.
Como acontece com tudo o que não se controla, não é muito possível se saber o tamanho do estrago que a CPI poderá produzir nas reputações e na vida dos envolvidos. Mas esse carro desgovernado já esbarrou – com maior ou menor força – em várias pessoas. Vamos a algumas delas, ficando apenas nos políticos:
Demóstenes Torres – Embora ninguém tenha coragem de apostar sequer na sua cassação (o voto é secreto e ninguém sabe o que os outros fazem no silêncio de uma cabina de votação), o fato é que Demóstenes já viu ruir completamente a sua reputação. Ele jamais poderá novamente brandir a sua antiga espada de guardião da moralidade. Sem partido, aparentemente sem as hostes de eleitores de curral que outros caciques têm para continuarem se elegendo “se lixando” para a opinião pública, é difícil mesmo saber que futuro político Demóstenes poderia ter mesmo escapando da cassação. Ele já não pode mais usar a fantasia do personagem que criou e que representava tão bem. Que papel, então, lhe resta?
Marconi Perillo – De todos os governadores envolvidos, é o que hoje está mais enrolado. As investigações das Operações Vegas e Monte Carlo mostram ele próprio ligando para Cachoeira, para lhe desejar feliz aniversário e reclamar de não ter sido convidado para a festa. Marcando jantar. As investigações falam em tentativas de entrega de remessas de dinheiro. A imagem de Perillo já está a essa altura um bocado chamuscada. Entre os governadores, é aquele que mais fortemente justificaria uma investigação da CPI. A seu favor: se for chamado, politicamente leva à chamada dos governadores dos demais partidos.
Agnelo Queiroz – De acordo com o que disseram na CPI os próprios delegados responsáveis pelas investigações, não haveria até o momento indícios de envolvimento direto de Agnelo com o esquema. Mas há indícios de envolvimento de pessoas de seu governo. Mesmo que ele consiga provar, como repete, que resistiu a todas as tentativas do grupo de Cachoeira de entrada em seu governo, o problema para Agnelo é que o Caso Cachoeira, no seu caso, é uma de várias histórias desestabilizadoras que ele enfrenta desde que assumiu. Há brigas internas no PT local, desconfianças com relação a aliados que até então sempre foram adversários, a começar pelo seu próprio vice, arapongas instalados em todos os cantos. Agnelo está longe de ter vida fácil.
Sérgio Cabral – Sua sorte é que as menções a ele não estão nas operações da Polícia Federal e em outros documentos à disposição da CPI. Aparecem das ligações notórias que ele tem com o ex-presidente da Delta, Fernando Cavendish. Antes mesmo do fim da Operação Monte Carlo e do início da CPI, essas ligações já constrangeram Cabral, quando, no ano passado, caiu um helicóptero que levava convidados à festa de aniversário de Cavendish no sul da Bahia. Sérgio Cabral foi à festa, em outro helicóptero. A coisa complicou-se quando o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) publicou fotos de Cabral confraternizando com Cavendish em Paris. A tentativa de blindar Cabral acabou escancarada com a publicação da mensagem de Vaccarezza. Ainda que Cabral se safe, sua vida já se complicou. Cabral tinha pretensões de ser vice-presidente da República numa futura chapa com o PT, alavancado pela popularidade da pacificação das favelas, da final da Copa do Mundo, das Olimpíadas. Esse projeto já ficou de alguma forma comprometido.
E assim vai seguindo o carro desembestado. Quem mais ele vai pegar pelo caminho?
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