Celso Lungaretti *
Houve eleições municipais no domingo. Sabemos disso porque fomos obrigados a ir votar, ficamos sem o futebol dominical e não pudemos tomar umas e outras nos botecos.
Mas, faltava algo nas ruas: esperança. Ninguém dava mostras de acreditar que algo mudaria, fosse quem fosse eleito.
Menos, é claro, os feios, sujos e malvados que disputaram vagas na Câmara Municipal, movidos quase todos por ambições mesquinhas. Estes se atiraram à luta com a sofreguidão de quem vê uma chance única de subir na vida ou (os que buscavam a reeleição) manter-se num patamar muito acima do facultado por seus reais talentos.
O desfile dessas figuras grotescas no horário eleitoral gratuito parecia show de aberrações em mafuás da periferia. Pouquíssimos
sugeriam a mais remota possibilidade de servirem ao povo, já que saltava aos olhos sua escassa competência e a escassez ainda maior de caráter. Mal conseguiam dissimular que queriam mesmo é servir-se do povo, dos cofres públicos e das inesgotáveis benesses do poder.
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A principal conclusão a tirar-se dessas eleições já se sabia na véspera: a fisiologia impera, não existindo mais nenhum grande partido
movido por ideologia. O PT, última tentativa nessa direção, hoje não vê pecado nenhum em coligar-se com o PPS em 20,3% dos municípios brasileiros, com o PSDB em 19,7% e com o DEM em 17,2%.
Se associar-se aos dois primeiros já embaça as distinções que deveria haver entre situação e oposição, as alianças com o DEM constituíram verdadeira ignomínia: o PT, que nasceu da resistência à ditadura de 1964/85, irmanando-se ao partido herdeiro da Arena, criada pelos militares para dar aparência de legalidade ao jugo da força bruta.
De resto, ficou comprovado que o patrimônio político de Lula é pessoal e intransferível. Sua popularidade sobe aos píncaros, mas não se transmite ao PT e seus aliados, que tiveram desempenho apenas razoável em grandes capitais como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, além de amargarem derrotas sofridas em Curitiba e no Rio de Janeiro (onde o prejuízo foi total, pois perdeu ao lado do pior dos candidatos, depois que uma tentativa espúria de beneficiá-lo terminou em tragédia) .
As freqüentes comparações entre Lula e Getúlio Vargas omitem um dado importante: o segundo inspirava verdadeira devoção nos trabalhadores, tanto que foi capaz de eleger até um poste (Eurico Gaspar Dutra), quando impedido de disputar a eleição presidencial.
Já Marta Suplicy, peça-chave no tabuleiro de Lula, ficou exatamente no seu índice habitual de trinta e pouco por cento, apesar de todo apoio presidencial.
Pior: a arrancada de Gilberto Kassab em setembro indica que, quando o eleitorado paulistano passou a interessar-se pelo pleito, inclinou-se na direção do atual prefeito.
Será dificílimo, quase impossível, reverter essa tendência. Não é à toa que dirigentes petistas já aconselham Lula a evitar um
comprometimento excessivo com a campanha de Marta no 2º turno.
Finalmente, evidenciou-se que está bloqueado o caminho para outro partido repetir a trajetória do PT — seja porque o otimismo da década de 1980 cedeu lugar ao conformismo atual, seja por conta da decepção causada pelo próprio PT, ao frustrar as esperanças que despertou.
A classe média, capaz de mobilizar-se por ideais, mostra-se amarga e descrente. Por enquanto, o assistencialismo e o clientelismo estão sendo suficientes para garantir apoios que contrabalançam o êxodo dos melhores seres humanos.
Mas, já sem apelo para corações e mentes, Lula e o PT dependerão do que puderem oferecer para as barrigas. Enquanto proporcionarem melhoras materiais, mesmo que ínfimas, têm chance de perpetuarem-se no poder.
Se a crise cíclica do capitalismo atingir um estágio mais agudo, entretanto, já não haverá como manter essa sustentação, em última
análise, comprada. Aí vai lhes fazer muita falta a ardorosa militância que sustentava o partido nos tempos difíceis e foi trocada pelos interesseiros sempre em busca de partidos que os sustentem.
* Celso Lungaretti, 58 anos, é jornalista e escritor. Mantém os blogs O Rebate, em que publica textos destinados a público mais amplo, e Náufrago da Utopia, no qual comenta os últimos acontecimentos.
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