Bruna Serra *
Eu pensava que Eduardo Campos era imortal. Aquele jeito onipresente, uma forma firme de falar e, principalmente, os olhos grandes. O olhar passava a impressão de que ele não tinha tempo de sofrer ou esmorecer. Na estranha quarta-feira de 13 de agosto de 2014, entendi da maneira mais violenta possível que estava errada.
Nosso primeiro contato foi em 2006. Eu tinha acabado de me formar e trabalhava em um jornal do Recife. Passava da 1h da madrugada quando o carro do jornal estacionou na praça central de Afogados da Ingazeira, cidade sertaneja, distante 386 quilômetros da capital pernambucana.
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Em cima da carroceria de um caminhão estava o então candidato a governador Eduardo Campos (PSB). Apesar do frio, estranho ao interior nordestino, ele suava. Gritava ao microfone e arregalava os grandes olhos. A multidão, abduzida, o observava sem reações, mais ou menos como o povo pernambucano recebeu, ontem, a notícia de sua morte.
PublicidadeAo final do discurso, ele se agachou e pulou da carroceria como um adolescente. Fiz a entrevista e fiquei ouvindo os causos dele até que a praça foi esvaziando. Apesar do frio e do cansaço, os correligionários não arredavam pé, só gargalhavam.
Eduardo Campos dormia apenas quatro horas por noite. Depois que descobriu o Whatsapp, passou a acordar seus secretários com mensagens de trabalho, como aconteceu na concepção do programa Ganhe o Mundo, quando ele decidiu – após fazer uns cálculos rápidos em um guardanapo na mesa de jantar de casa – que mandaria alunos das escolas públicas para o exterior.
Passei uns tempos sem topar com ele profissionalmente porque fui cobrir a Prefeitura do Recife. Mas sempre que o entrevistava, reforçava em minha mente a necessidade de não me deixar levar por seu poder de convencimento e inegável pouco apreço ao contraditório.
Dudu, como era chamado no Recife, conhecia a equipe como poucos. Nenhum de seus secretários gostava de ser visto conversando com jornalista. Eram receosos com possíveis retaliações do chefe em caso de vazamento de informações.
Eduardo Campos era um homem intenso, essa é a impressão que eu tenho dele. O ditado “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje” para ele poderia ser trocado para “não deixe para amanhã o que você deveria ter feito ontem”.
As reuniões de monitoramento que marcaram seu governo eram uma verdadeira catarse. Alguns contavam já ter visto secretários chorando após os encontros bimestrais para acompanhamento das metas estabelecidas pelo plano de governo. Eduardo Campos queria ser o melhor administrador que Pernambuco já teve e, para isso, estava decidido a ser o primeiro a chegar e o último a sair do Palácio do Campo das Princesas.
A última vez que conversamos mais intensamente foi no desfile do Galo da Madrugada deste ano, que homenageou Ariano Suassuna, tio de sua mulher e seu amuleto da sorte. No meio de um grande empurra-empurra, parei a carrocinha de picolé. Pedi um de cajá. Ele ficou me olhando. Antes de abrir, ofereci-lhe. Parecia que queria, mas fez sinal de que não.
Uns 500 metros depois, fanática pela frutinha amarela, comprei uma sacolinha de cajá. “Eita menininha pra comer, visse?”, me disse, espantado com a minha boca cheia. Gargalhamos pela primeira vez. Nossas conversas eram sempre muito sérias. Nesta terça-feira, tremi quando soube de sua morte. Desde então, não paro de repetir mentalmente um trecho da música Cajuína, de Caetano Veloso. “Existirmos, a que será que se destina?”.
* Bruna Serra é jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco. Trabalhou por seis anos no Jornal do Commercio, em Recife, onde cobriu o governo Eduardo Campos. Atualmente em Brasília, é repórter do Congresso em Foco.
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