Afonso Moraes*
Especial para o Congresso em Foco
O jornalismo investigativo mundial perdeu uma de suas maiores referências no último dia 8 de janeiro. Andrew Jennings morreu aos 78 anos, vítima de “uma doença repentina e breve”, de acordo com as redes sociais do próprio repórter britânico.
E eu, pessoalmente, perdi uma das minhas maiores inspirações como profissional e um querido amigo. Ao longo da última semana, muito se falou (merecidamente) sobre a carreira brilhante e premiada de um dos repórteres mais intrépidos e ousados do jornalismo.
Por essa razão, vou dedicar apenas alguns parágrafos para lembrar reportagens relevantes do Andrew Jennings que reforçaram a importante influência dele na criação de um modelo de jornalismo investigativo mais arrojado. Segundo ele, “os jovens jornalistas deveriam ir mais para a rua conversar com fontes e ler menos releases de assessorias”.
O intuito desse texto é revelar o lado humano do meu “comrade” – camarada em inglês – como costumávamos nos tratar presencialmente, por centenas de e-mails e nas incontáveis ligações por Skype que trocamos ao longo dos últimos 8 anos.
Também pretendo contar alguns bastidores da época em que tive o imenso privilégio de trabalhar ao lado dele com a missão de revelar aos brasileiros que os organizadores da Copa 2014 não passavam de, nas palavras dele: “senhores ridículos, pervertidos e corruptos”.
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Tive até a honra de hospedá-lo por alguns dias na minha humilde residência, em 2012, quando ele se propôs a visitar Brasília furtivamente. Confesso que foi muito emocionante receber aquele personagem tão inusitado, famoso e controverso. Ainda mais vendo aquele senhor de cabelos brancos desfilando pela minha casa com o famoso macacão azul marinho de fazendeiro, colete de jornalista beje e de meias coloridas (ele preferia as vermelhas e cor-de-rosa). Tivemos conversas incríveis sobre vários assuntos e que levarei para o resto da minha vida (e para um futuro livro que pretendo publicar).
Veja imagens de Andrew Jennings, pelo olhar de Afonso Moraes
O objetivo da visita era fazer contatos, elaborar e discutir estratégias de como “derrubar” o então “intocável” Ricardo Teixeira da presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Meses depois, o mandatário caiu e Jennings soube até primeiro do que eu. Inesquecível quando recebi a ligação dele todo feliz comemorando o resultado de nossas ações que enfraqueceram Trick Ricky – Ricardinho Trapaceiro em português –, como ele costumava chamar Ricardo Teixeira. “Derrubamos o primeiro. Agora vamos atrás de Joseph Blatter, Jerome Valcke e João Havelange”, disse, após dizer que as autoridades brasileiras deveriam prender Ricardo Teixeira.
Nascido na Escócia em 1943, Jennings ficou conhecido mundialmente como jornalista esportivo depois de revelar o “jogo sujo” de corrupção e dutos por onde jorravam centenas de milhões de dólares em propina nas maiores entidades esportivas do planeta: a Federação Internacional de Futebol (FIFA) e o Comitê Olímpico Internacional (COI).
Mas antes de jogar luz no submundo do esporte, ele dedicou a carreira ao noticiário político e a temas gerais. Andrew expôs a máfia russa na Chechênia, investigou o envolvimento do Reino Unido no escândalo Irã-Contras, na década de 80, e produziu um documentário para a BBC de Londres sobre um esquema de corrupção na Scotland Yard, a polícia de elite do Reino Unido.
Anos depois, em uma de nossas conversas num bar da capital federal, eu perguntei a razão pela qual deixou a política para cobrir o mundo esportivo. Explicou que estava cansado de tanta corrupção, das coberturas arriscadas e então decidiu migrar para algo mais leve. Ele estava muito enganado!
“Não imaginava que a política esportiva era tão suja. Denunciei a máfia russa, agentes corruptos da Scotland Yard, traficantes, apenas para descobrir que os maiores bandidos e mais refinados estão na FIFA e no COI”, contou.
Assim, ele passou a produzir reportagens, documentários e escreveu livros bombásticos sobre a estrutura do poder nas organizações que comandam o futebol e os esportes olímpicos. Escancarou o modus-operandi dos cartolas a quem considerava “verdadeiros mafiosos”. Sempre de maneira irreverente e com bom humor.
Ele foi o pioneiro que levou o jornalismo esportivo a deixar de ser instrumento para entreter os torcedores para se tornar uma ferramenta de fiscalização e controle dos esquemas corruptos idealizados pela alta cúpula do esporte mundial.
Muitos jornalistas ao redor do mundo, inclusive eu, passaram a acompanhar mais de perto o trabalho irretocável de Andrew Jennings e descobriram que havia muito mais a ser apurado além das linhas dos campos e quadras esportivas.
Mas só foi em 2011, quando fui convidado pelo ex-jogador Romário para compor sua equipe na Câmara dos Deputados como assessor de imprensa, que entrei em contato com o repórter britânico.
Entusiasmado com o novo mandato de deputado federal, o boleiro decidiu criar um blog para publicar informações sobre a organização da Copa 2014. Como um dos responsáveis pela publicação, dei a ideia de procurarmos o jornalista inglês, reconhecido como o “inimigo número 1 da FIFA” para propormos uma entrevista no lançamento do blog.
Com o aval do parlamentar, consegui o e-mail do Andrew Jennings e lancei o convite. Poucos dias depois, para a minha surpresa, ele respondeu humildemente que topava. Mas, para o meu desespero, só enviou a entrevista poucas horas antes da inauguração do site, o que me obrigou a ficar em claro naquela madrugada para traduzir o texto a tempo para o português. Tal esforço da minha parte rendeu um belo elogio por parte dele que se disse “surpreso com a velocidade da tradução”.
Combinamos de antecipar superficialmente alguns tópicos para toda imprensa na véspera; eu fiquei responsável por pautar a mídia brasileira e ele avisou os colegas da imprensa no exterior. A entrevista foi um sucesso! Naquele momento percebi que tínhamos desenvolvido uma ótima afinidade porque nossos objetivos e ritmo de trabalho eram os mesmos.
Ele aproveitou a chance de usar a mídia em torno do ex-jogador para divulgar evidências do envolvimento de Ricardo Teixeira em alguns casos de corrupção e questionar a presença dele como presidente do Comitê Organizador Local da Copa 2014 (COL).
Passou a ser assediado pela imprensa brasileira e observou que poderia usar esse espaço para expor sua investigação em torno do ex-presidente da FIFA João Havelange e de Ricardo Teixeira. Começamos a nos comunicar pela internet para discutirmos formas de como ele poderia divulgar suas descobertas.
Para isso, sugeriu que conversássemos por Skype sempre que possível e e-mails não paravam de chegar na minha caixa postal. Muitas vezes ele aparecia na tela do computador direto da sua fazenda no Norte da Inglaterra mostrando as mãos sujas de terra. Ele gostava de contar, orgulhoso, que estava cuidando para que sua plantação de batatas não congelasse.
Uma das coisas que ele me disse foi que precisávamos usar a influência do Romário como interlocutor. Mas depois começou a perceber um comportamento errático por parte do ex-jogador e lamentou algumas atitudes do Baixinho, como a vez em que ele visitou o COL ao lado do Ronaldo Fenômeno e do Ricardo Teixeira, em dezembro de 2011, e quando o Marín lascou um beijo no Romário publicamente assim que substituiu Teixeira na presidência da CBF, em 2012.
Drible no presidente Sarney e na bancada da bola
Com o reconhecimento que acabara de conquistar no Brasil, sede da Copa do Mundo 2014, Jennings aceitou um convite para apresentar suas investigações na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal (CE), em outubro de 2011.
Ocorre que a atuação da nefasta bancada da bola que age nos meandros do Congresso Nacional em benefício dos interesses nada republicanos dos cartolas é e sempre foi muito intensa. Assim que os parlamentares ligados à CBF souberam da reunião, tentaram de tudo para inviabilizá-la. Inclusive e principalmente, o então presidente do Senado Federal, José Sarney, pai de Fernando Sarney que é um dos vice-presidentes da CBF e conselheiro da FIFA.
Ao mesmo tempo, Ricardo Teixeira entrou com um processo de difamação contra o Andrew Jennings usando a entrevista que ele concedeu ao blog do Romário para tentar mantê-lo longe do Brasil. Curiosamente, Jennings havia dado declarações tão contundentes meses antes à ESPN Brasil, mas foi apenas quando ele falou ao campeão do Tetra (também desafeto de Teixeira) que “Tricky Ricky” se mexeu.
O jornalista, sempre muito bem humorado, passou a relatar que oficiais de Justiça estavam tentando localizá-lo em Londres e que certa vez foram até à sede da BBC de Londres. “Os desavisados não sabiam que eu era Pessoa Jurídica e não funcionário da empresa. Como eu apenas prestava serviços remunerados à BBC, ninguém lá assinou o documento”, contou sorrindo ao debochar dos esforços equivocados de Teixeira.
Mas à medida que a data da audiência pública no Senado se aproximava, Andrew passou a ficar preocupado. Sempre articulada, a bancada da bola agia de forma coordenada para impedir a presença do jornalista. De acordo com fontes da época, Ricardo Teixeira e diversos senadores, ligaram diretamente a Sarney para interceder. E deu certo. Pelo menos no início.
O ex-presidente da República recusou pagar as passagens e a hospedagem para a visita dele. Os membros da bancada da bola também questionaram o requerimento, obrigando a atuação mais efetiva do então secretário da CE, Júlio Linhares, para aglutinar senadores favoráveis à audiência. Depois dessa ação, Linhares passou a ser muito respeitado por Andrew Jennings. “É uma das poucas pessoas no Senado brasileiro que merece meu respeito”.
Além disso, a imprensa especulava qual seriam as implicações se o Andrew Jennings fosse encontrado pelos oficiais de justiça no dia da reunião no Senado. Ele deveria assinar a intimação ou não? Diante dessa questão, ele consultou a embaixada da Inglaterra em Brasília e soube que não poderia ser obrigado a assinar qualquer termo fora do seu país natal. Entramos em contato também com um advogado paulista ligado ao esporte que garantiu que nada aconteceria se ele não assinasse a intimação.
Mas além da falta de recursos para a viagem que o Sarney continuava a recusar a custear, apesar da pressão da imprensa que passou a acompanhar a questão mais de perto, Andrew começou também a se preocupar com a própria integridade física diante de tantos esforços da CBF para impedir sua vinda ao Brasil. Foi aí que exigiu ao Senado escolta durante sua estada, caso a viagem fosse confirmada.
Ao perceber que a bancada da bola foi “driblada” pelos aliados de Jennings, José Sarney decidiu ceder. Mas aprovou apenas parte do valor das passagens aéreas. No último momento, muito próximo do dia da viagem, entrou em cena uma verdadeira força-tarefa formada por jornalistas, servidores-públicos, empresários e advogados (que um dia prometo revelar no livro que pretendo publicar) para bancar não só o restante das passagens, mas também a hospedagem do repórter. Afinal, o Brasil não poderia perder a chance de ouvir as declarações de Andrew Jennings e o resultado de suas investigações.
Do momento que desembarcou em Brasília até o hotel, Jennings foi escoltado pela Polícia Legislativa. Dias antes, a presidência da CE emitiu ofício garantindo a segurança do repórter. Outro gol marcado por Júlio Linhares que convenceu o senador Paulo Bauer, então vice-presidente da comissão, sobre a importância da visita do jornalista britânico.
A apresentação de Andrew Jennings aos senadores na comissão foi transmitida ao vivo não só pela TV Senado, mas pela ESPN Brasil e outros diversos veículos de comunicação. A repercussão não poderia ter sido melhor diante de tantas revelações no Congresso Nacional.
Entre elas, o jornalista afirmou que Ricardo Teixeira e João Havelange receberam propinas para assinaturas de contrato com a ISL, uma das maiores empresas de marketing esportivo e responsável por negociar os direitos de transmissão da Copa do Mundo. De acordo com ele, ambos teriam confessado à Justiça suíça o recebimento ilícito e fizeram um acordo judicial para devolver parte do dinheiro e pagar multa para que, em troca, não tivessem os seus nomes divulgados pela justiça.
As informações se confirmaram sete meses depois quando a Justiça da Suíça atendeu pedido de diversas empresas de comunicação e liberou dossiê de 41 páginas revelando que os dois dirigentes brasileiros de fato receberam subornos milionários da ISL.
A CBF e seus políticos de estimação no Congresso Nacional tinham razão para se preocuparem com a realização daquela audiência pública, por que ela acabou se tornando um dos embriões do FifaGate, em 2015 – quando diversos dirigentes de alto escalão foram presos pelo FBI, na sede da FIFA, na Suíça.
Alguns documentos, evidências e contextos apresentados aos senadores foram usados como subsídio no processo da justiça norte-americana que culminou na prisão, inclusive, do sucessor de Ricardo Teixeira na presidência da CBF, José Maria Marín.
Logo depois da audiência pública, no corredor do Senado em frente ao gabinete do senador Álvaro Dias, uma oficial de Justiça abordou o repórter britânico. Educadamente e muito bem humorado como sempre, recusou assinar o documento que nem sequer estava escrito em inglês. À noite, ele, eu e outros companheiros fomos comemorar aquela vitória num barzinho em Brasília.
O jogo de volta no Senado
Em 2015, quando ele voltou ao Congresso Nacional como convidado na CPI do Futebol, instalada pelo agora senador Romário, ele me ligou muito decepcionado após seu depoimento. A bancada da bola dessa vez contra-atacou e foi eficiente ao esvaziar a comissão. Só havia dois senadores no plenário. “Você e o Júlio Linhares fizeram muita falta na coordenação dessa comissão”, disse. Acontece que, um ano antes, eu havia me desligado do Romário justamente por ter percebido as “inconsistências” do ex-jogador na política. E o Júlio Linhares já havia deixado o cargo de secretário no Senado.
“Dessa vez não vai dar em nada”, concluiu Andrew. E ele estava certo. Mesmo com o relatório paralelo apresentado por Romário, ninguém foi preso ou processado até os dias de hoje.
O “circo” de Ricardo Teixeira e Jerome Valcke
Poucos dias depois da passagem de Andrew pelo Brasil, ainda em 2011, a Câmara dos Deputados instalou a Comissão Especial da Lei Geral da Copa. Com a presença massiva de representantes da bancada da bola, a comissão teria a missão de blindar a CBF e os interesses da FIFA em relação à organização da Copa do Mundo 2014.
Avisei ao Andrew e ele imediatamente mandou uma lista de estratégias para desmoralizarmos os dois primeiros convidados diante do público brasileiro: o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e o secretário-geral da FIFA, Jerome Válcke. Para quem não se lembra, Valcke era um dirigente francês e, irritado com atrasos na construção dos estádios da Copa, declarou que “os brasileiros precisavam de um chute no traseiro”.
Muito bem informado sobre os assuntos relacionados à FIFA, Jennings se comprometeu a me enviar uma “bomba” para envergonhar Valcke. Segundo o jornalista, ele teria chantageado Joseph Blatter que à época presidia a FIFA. Até então, Andrew não conhecia o teor da ameaça, mas conseguiu um documento no qual Blatter respondia que não cederia à chantagem. Mesmo assim, meses depois, Valcke foi promovido.
Recebi a carta escrita por Blatter endereçada a Jerome Valcke em papel timbrado da FIFA e lá fui fazer a tradução novamente. A estratégia foi toda arquitetada pelo Andrew.
Ele me pediu para depois de traduzir, tirar cópias das duas versões, grampeá-las e entregá-las, juntas, para todos os membros da comissão. Detalhista, aconselhou que o Romário fosse o último a chegar na comissão para criar o suspense e aí eu entregaria as cartas aos deputados. Na hora certa, o Romário pediria a palavra e começaria sua fala dizendo: “isso aqui é um circo” e mostraria o teor da carta e perguntaria de maneira direta e objetiva o que o francês teria contra o Blatter de tão sério a ponto de ele ter conseguido a promoção mesmo após a negativa de Blatter.
O clima pesou, Valcke gaguejou, e passou a atacar Jennings porque sabia que aquela carta só poderia ter sido revelada pelo repórter-caçador de corruptos.
Mais um gol de placa marcado pelo “inimigo número 1 da FIFA”.
“Eles vão bater na sua porta em breve”, FIFA
Em 2013, fui convidado para participar do Play the Game, conferência internacional organizada de dois em dois anos na Dinamarca, com o intuito de fortalecer a ética esportiva e promover a democracia, a transparência e a liberdade de expressão no esporte.
Entre os participantes, há empresários, consultores esportivos e até assessores da FIFA. Muitos jornalistas investigativos comparecem e o mais esperado sempre foi Andrew Jennings. Carismático e controverso, ele podia não agradar a muitos, mas certamente todos os presentes ouviam com muita atenção as intervenções e apresentações do britânico.
E naquela época, a um ano para a abertura da Copa no Brasil, os ânimos estavam alterados. Todos queriam saber o que ele tinha de novidade sobre as investigações contra a FIFA.
Jennings chegou atrasado devido ao mau tempo. Além do frio esperado daquele país nórdico, chovia muito. Ele entrou no hotel onde estava acontecendo o evento e cumprimentou a todos com muita simpatia como de costume. Foi então que aconteceu o inusitado.
Andrew avistou o italiano Walter di Gregorio, que ocupava o cargo de diretor de comunicação da FIFA, e com toda a educação do mundo foi conversar com ele. Desconfiado, di Gregorio apertou a mão do “adversário” e trocaram algumas palavras por alguns minutos. Infelizmente eu estava distante e não pude ouvir a conversa. Mas notei que todos no saguão observavam a cena. Os dois jornalistas, cada qual com seu ponto de vista, dialogando de maneira respeitosa.
Quando ele veio ao meu encontro, logo perguntei: “O que tanto conversaram, comrade?” e ele respondeu de pronto: “Eu perguntei como estava o clima na FIFA e ele disse que estava tudo bem, como sempre. Aí eu avisei que um furacão estava para chegar na Suíça” (onde ficava a sede da FIFA), concluiu com sarcasmo.
No dia seguinte, no mesmo evento, após ouvir a apresentação de outro representante da entidade máxima do futebol, ele lançou uma pergunta à queima-roupa que deixou todo o auditório em silêncio: “o senhor sabe dizer se o FBI já apareceu na FIFA”? Todos os presentes ficaram surpresos, afinal, o que os policiais norte-americanos, poderiam querer com a alta cúpula do futebol internacional?
O representante da FIFA respondeu de maneira arrogante que ainda não e que não acreditava que eles apareceriam na Suíça. Foi então que o Andrew replicou: “eles estão chegando e vão bater na sua porta em breve”.
No encerramento da palestra, todos foram conversar com Jennings e ele preferiu não expor totalmente a verdade. Mas à noite, depois do jantar, ele me confidenciou que fora procurado pelo FBI e que passou a municiar os agentes com informações e documentos. Suas reportagens atraíram a atenção das autoridades estadunidenses.
Menos de dois anos depois, em maio de 2015, na Suíça, uma operação do FBI autorizada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos prendeu 14 dirigentes que participavam do congresso anual da FIFA, entre eles o ex-presidente da CBF, José Maria Marín, sob a acusação de lavagem de dinheiro e corrupção. Bingo!
Andrew me ligou no mesmo pelo Skype dia cantarolando a música Jailhouse Rock, de Elvis Presley. Repetiu várias vezes, visivelmente emocionado, que estava feliz e aliviado por ver suas denúncias levando tantos corruptos à prisão. Disse que assim que desligasse tomaria uma cerveja em homenagem aos dirigentes corruptos que ajudou a prender. Quando veio ao Brasil para participar da CPI do Futebol, em 2015, mandou fazer uma camiseta com a foto de Joseph Blatter como um condenado (Ver foto). E fazia questão de exibi-la a todos os seus interlocutores.
O faro jornalístico apuradíssimo de Andrew Jennings contribuiu muito com o esporte mundial. E suas investigações e denúncias reverberaram no Brasil de uma maneira tão contundente que também sacudiram as estruturas de entidades brasileiras como a CBF e o Comitê Olímpico Brasileiro que, assim como suas matrizes, sempre foram acusadas de corrupção e desmandos.
Faltavam provas e evidências que o jornalismo brasileiro não foi capaz de apurar. Mas com seu espírito de liderança para atrair jovens repórteres e sua generosidade em compartilhar tantas informações preciosas, a vigilância aumentou e muitos cartolas do esporte brasileiro foram condenados pela justiça ou afastados de seus cargos, como aconteceu com João Havelange, Ricardo Teixeira, José Maria Marín, Carlos Arthur Nuzman e outros.
Depois das passagens fulminantes de Andrew Jennings pelo Brasil, estatutos foram atualizados para impedir as reeleições infinitas de presidentes de entidades esportivas, leis foram criadas para proteger ainda mais os recursos públicos do esporte e outros dispositivos legais foram aprimorados.
A Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos não deixaram boas lembranças aos brasileiros dentro e fora dos campos e das quadras. Além do inesquecível 7×1, os megaeventos esportivos deixaram obras inacabadas, desvios de dinheiro público e construção de estádios que se tornaram “elefantes brancos”.
Mas quis o destino que o real “legado” dos megaeventos prometido pelas entidades máximas do esporte aos brasileiros, fosse entregue pelo “inimigo número da FIFA” com sua atuação imprescindível e impecável nas entranhas do poder Legislativo do Brasil com a missão de revelar o “jogo sujo” dos cartolas que comandavam o esporte mundial.
Ainda há muito mais. Ele trouxe informações sobre compras de votos para sedes da Copa e das Olimpíadas e até escandalosos esquemas de vendas de ingressos para os megaeventos esportivos. Mas são assuntos para o livro que ainda pretendo publicar.
Combatemos o bom combate, comrade! Foi uma honra dividir a trincheira com você. Aprendi a ser um cidadão melhor e um jornalista mais atento e questionador sempre em busca dos documentos, como você sempre dizia. “Onde estão os documentos, comrade Afonso?”
Farewell, my dear friend!
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